13 de novembro, 2023

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Vislumbrar o céu em tempos de guerra

Irmã Sandra Bartolomeu*

Como recuperar uma página destroçada? Quando a tensão entre os elementos que habitam um determinado espaço atinge um extremo, o caos sobrevém à ordem de maneira destrutiva, e a anarquia corrói tudo. Qualquer ideia de vitória neste jogo de forças é destituída de sentido, porque tudo se perde ou, no mínimo, fica gravemente comprometido. 

Quando os corações e as mentes se petrificam por convicções cegas, pelo ódio ou pela ganância de domínio, esta parece ser uma verdade difícil de acreditar. 

A única humanidade que habitamos, é um lugar de profundos paradoxos: ao mesmo tempo que decorre a Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos em prol de uma Igreja mais sinodal, rebenta o conflito na terra-berço das religiões que têm por seu Deus o Deus da Paz. Neste mês em que a Igreja convida a contemplar a eternidade com Todos os Santos e com os Fiéis Defuntos, essa não é tarefa fácil diante das barbáries que se multiplicam. As notícias dão conta de uma nova guerra que começou não tendo outra(s) ainda cessado, e, sendo esta última, igualmente intensa, dramática e irrazoável na agressividade da ofensiva e das consequências. Sobre os termos que dizem respeito à sua geografia, há uma tremenda contradição: terra santa, exclusão, príncipe da paz, discórdia, promessa, guerra, massacre, Jerusalém celeste.

Que pertinência há em pensar na eternidade quando a humanidade e a Casa Comum está a ser destruída? Como se pode acalentar a ideia de ‘fraternidade universal’ e de ‘Céu’, enquanto condição de comunhão plena, diante de cenários tão fraturantes? Que esperança pode haver, quando os sinais desta viragem de época, evocando anteriores holocaustos, parecem indicar que a humanidade não aprende com a História? 

Para o jubileu do Ano Santo de 2025, sob o mote «Peregrinos da Esperança», o Papa Francisco parece desafiar ao exercício da Esperança cristã, que os tempos reclamam. 

Em meio do terrível Holocausto do sec. XX, escreveu Etty Hillesum: «Por vezes é quase impossível aceitar e entender, Deus, o que as tuas imagens e semelhanças, neste mundo, andam a fazer umas às outras nestes tempos de excessos. Contudo, não é por causa disso que me fecho no meu quarto, Deus […]. Tento rastrear continuamente o nu e pequeno indivíduo que frequentemente não é fácil de reconhecer pelo meio das ruínas monstruosas dos seus atos sem sentido» (Diário, 29 de maio de 1942). E noutra página, afirma: «É a única coisa que podemos preservar nestes tempos, e também a única que importa: uma parte de ti em nós, Deus. E talvez possamos ajudar a pôr-te a descoberto nos corações atormentados de outros» (Diário, 12 de julho de 1942). 

É pela esperança que somos salvos. Esta esperança é princípio de paz para a humanidade e porta de eternidade. O Céu é dádiva, acolhida por corações e por mãos que perseveram e cuidam da esperança, dentro de si e nos outros, qualquer que seja o contexto. Quantos mártires não acolheram o Céu e o abriram a outros em meio da guerra, dando (a) vida em razão desta esperança, que vem de nos sabermos salvos, porque amados?

Em meio de uma guerra sangrenta a Mãe do Príncipe da Paz apareceu na Cova da Iria a falar de Céu e a abrir um caminho de esperança, feito de oração e de consentimento à vontade de Deus.

 

* A irmã Sandra Bartolomeu é religiosa das Servas de Nossa Senhora de Fátima.

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