31 de outubro, 2007

Em documento publicado na Agência Ecclesia,  o Bispo do Porto fala do sentido da ressurreição que a fé da Igreja professa:
O Cristianismo é a vitória de Cristo sobre a morte, tal como os seus discípulos o sabem e dizem. Resposta global, nada fica de fora, tornado o fim princípio. Soube-o logo São Paulo, escrevendo-o em letras de fogo que irrompem das suas epístolas. Aos filipenses chega a dizer que, tendo a vida em Cristo, mais lhe agradaria partir deste mundo. Todavia, ter Cristo é ter a caridade de Cristo, sendo por isso tempo de exercitá-la aqui: “É que, para mim, viver é Cristo e morrer, um lucro. Se, entretanto, eu viver corporalmente, isso permitirá que dê fruto a obra que realizo. Que escolher então? Não sei. Estou pressionado dos dois lados: tenho o desejo de partir e estar com Cristo, já que isso seria muitíssimo melhor; mas continuar a viver é mais necessário por causa de vós. E é confiado nisto que eu sei que ficarei e continuarei junto de todos vós, para o progresso e a alegria da vossa fé” (Flp. 1, 21-26).
Verdade grande demais para o Império de então, que se queria total. Por isso mesmo perseguia quem o relativizava, como os discípulos de Cristo, que distinguiam Deus de César. São também de fogo as palavras de Inácio de Antioquia, escritas aos cristãos de Roma, a dissuadi-los de obviarem ao seu martírio. Martírio que sobreveio c. 107 e o uniu ao do próprio Cristo, numa mesma dádiva, numa mesma vida: “Deixai-me alcançar a luz pura. Quando lá chegar serei verdadeiramente um homem. Deixai-me ser imitador da paixão do meu Deus. Se alguém O possuir, compreenderá o que quero e terá compaixão de mim, por conhecer a ânsia que me atormenta” (Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos).
Passariam aquelas perseguições, viria a paz de Constantino, em 313. Para os discípulos de Cristo o caminho continuaria, na morte e para além dela, rumo à plenitude da vida em Cristo, a alcançar mais além, com a lembrança activa de quem ficasse. Trata-se da intercessão pelos que partem, contínua na caridade da Igreja. Como a pedia Mónica aos seus filhos, pouco antes de falecer em Óstia, lá para o final desse século. Conta-o Agostinho: “Sepultai este corpo em qualquer parte e não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais’” (Confissões, 9, 11).
Francisco de Assis, vivendo a filiação divina no Espírito de Cristo, sentia por isso mesmo a fraternidade universal das criaturas, como outras tantas oportunidades para louvar a Deus. Só quem o sabia tanto poderia incluir nesse louvor a própria “morte corporal”, como ele o fez por fim. Diz-nos um relato antigo que “S. Francisco [de Assis], […] pareceu ser penetrado duma alegria nova interior ao ouvir que a irmã morte se aproximava. […] Acrescentou os versos de louvor à irmã morte antes da última estrofe do mesmo Cântico, dizendo: ‘Louvado sejas, meu Senhor, / Pela nossa irmã a morte corporal, / De quem nenhum vivente pode escapar. / Ai de quem morrer em pecado mortal! / Bendito o que estiver em Tua santíssima vontade, / Porque a morte segunda lhe não fará mal’ ”(Espelho de Perfeição, 124).
Com Francisco de Assis estávamos no século XIII. Três séculos depois, com Tomás Moro, estamos no século XVI, na Inglaterra de Henrique VIII. Ou seja, estamos em tempos de “razões de Estado”, quando não meras “razões do príncipe”, podendo vergar consciências débeis. O ex-chanceler do reino não condescendeu nem com o divórcio do rei nem com a criação duma Igreja desligada de Roma e sujeita à coroa. Reeditam-se martírios antigos, testemunhos da consciência cristã. A vida continuaria além, mais garantida ainda por uma morte assim. Pouco antes de morrer às ordens do rei, em 1535, Tomás Moro escreve: “Até agora a santíssima graça de Deus deu-me forças para tudo desprezar do íntimo do coração – riquezas, rendimentos e a própria vida – antes que prestar juramento contra a voz da minha consciência. […] E espero confiadamente que a mesma graça divina há-de continuar a favorecer-me, ou acalmando o ânimo do rei para que não me imponha tormento mais grave, ou dando-me a força necessária para suportar tudo, seja o que for, com paciência, fortaleza e boa vontade” (Carta do cárcere, à filha Margarida).
O século XIX esvaneceu muito este horizonte dilatado da vida, diminuindo também a premência de o alcançar. Bastaria o aquém, material e concreto, sem responsabilidades para o além. É interessante verificar que, precisamente para os cristãos mais comprometidos no mundo e na resolução dos problemas sociais da altura, a crença na vida eterna e o sentido penitencial da existência eram essenciais para a resolução deles. A vida eterna garante-se nesta, para quem sabe que responderá por acções e omissões. Oiçamos o Conde de Samodães, campeão da causa católica entre nós, escrevendo em 1888: “Aqueles, que temerariamente negam a existência do purgatório, destroem o fundamento de todas as virtudes heróicas, da necessidade do arrependimento, das penitências e da verdade da justiça reparadora. Com tais ideias nem sequer sustentar-se pode a sociedade humana; muito menos a ordem, que Deus estabeleceu no universo” (O mês dos finados).
Nove anos depois, pouco antes de falecer no Carmelo de Lisieux, Teresinha confidenciaria a 17 de Julho de 1897 as grandes coisas que a esperavam. Sobretudo a certeza que tinha de que continuaria, na caridade de Cristo, a trabalhar no Céu pelo bem da terra. Certeza que a fez “padroeira das missões”, como muito bem o sabem e sentem os seus amigos de agora: “Sinto sobretudo que a minha missão vai começar. A missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de dar às almas o meu pequeno caminho. Se Deus realizar os meus desejos, o meu Céu passar-se-á sobre a terra até ao fim do mundo. Sim, quero passar o meu Céu a fazer o bem sobre a terra”.
Vida eterna, ganha na ressurreição de Cristo e estendida a toda a criação que “aguarda a manifestação dos filhos de Deus”, como a entreviu São Paulo num trecho admirável (cf. Rm 8, 19). Ou assim anunciada: “No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua plenitude. Depois do Juízo final, os justos reinarão para sempre com Cristo, glorificados em corpo e alma, e o próprio universo será renovado […]. Assim, pois, também o universo visível está destinado a ser transformado, […] participando na sua glorificação em Jesus Cristo ressuscitado” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1042 e 1047).

D. Manuel Clemente, Bispo do Porto
www.agencia.ecclesia.pt

 
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