14 de novembro, 2023

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Um sínodo em Siloé?

Por Pedro Valinho Gomes*

Gosto da história do cego de Siloé, aquele que Jesus curou e que, quando questionado sobre os pormenores da sua cura, é apenas capaz de constatar o facto (ele, que era cego de nascença, agora vê), mas sem saber quem o curou ou porque o fez (João 9). Esta história fala-me de uma certa estranheza no ato de acreditar. A fé tem, na verdade, algo de intraduzível. A fé tem simultaneamente algo desta evidência da cura e da incerteza sobre o processo terapêutico. Não posso não acreditar, mas não o posso traduzir numa formulação matemática doutrinal.

A aventura sinodal da igreja incarna em comunidades de fé e num mundo profundamente caracterizados pela indiferença. Não há receitas pré-estabelecidas para o testemunho do evangelho num mundo tão pouco interessado em deixar-se questionar. É aqui que a história do cego de Siloé se dá como metáfora para os nossos tempos. Noto, antes de mais, que não foi o cego quem pediu a cura para o seu mal. Na verdade, na narrativa, só o ouvimos falar bem depois de ele estar curado. O cego sem nome está ali e Jesus passa com os seus discípulos e eles vêm-no entregue à sua cegueira e interessam-se por ele, com uma estranha curiosidade sobre o seu sofrimento (talvez não tão distante dos nossos debates eclesiais sobre o andar do mundo). Os discípulos perguntam a Jesus sobre as razões do sofrimento daquele cego: «Quem pecou?». E Jesus responde como que a dizer que a pergunta dos discípulos falha o âmago da questão: «Nem ele, nem os pais...». O âmago da questão diz-se cuspindo no chão e sujando as mãos com a lama e tocando com amor a crise daquele homem cego. É o que faz Jesus. O âmago da questão não está nas razões existenciais, mas na própria existência dos que nos rodeiam. A aventura sinodal não é apenas um evento em que as razões existenciais se discutem, mas um estilo de vida que se faz de um quotidiano sujar das mãos e tocar as crises que vivemos nós mesmos e que acolhemos hospitaleiramente do mundo.

Gosto sobretudo do final da história do cego de Siloé. Depois de se lavar na piscina e de se curar, depois do interrogatório e da condenação que lhe fazem os judeus, o homem que fora cego volta a encontrar Jesus com quem ele tinha estado, mas que, na verdade, nunca tinha visto. Jesus pergunta-lhe se ele crê no Filho do Homem. A resposta do homem que fora cego desarma-me: «E quem é, Senhor, para eu crer nele?». E quando Jesus se dá a conhecer, o homem prostra-se na fé: «Eu creio, Senhor!». Há um desejo da fé, mesmo na escuridão profunda. Estou em crer que desejar acreditar descreve bem o estado de alma da igreja e do mundo hoje, mesmo (ou talvez sobretudo) na profunda indiferença que nos caracteriza. O cego de Siloé acredita poder acreditar ainda antes de saber no quê ou em quem. É como se o encontro com aquele homem das mãos sujas de lama a tocar-lhe a sua crise despertasse nele um lugar de inquietação. Jesus toca-lhe esse lugar da fé latente. Desperta-lhe uma fé que o habitava já. A fé é um despertar inquieto, uma sede de vida. Habita-me antes de eu ter dela consciência. Se assim compreendermos a fé, como uma sede de vida que se cava em cada pessoa de forma única, talvez o testemunho a que a igreja sinodal é chamada seja menos pensada em termos de oferta de um conteúdo e mais em termos de partilha de vida.

 

* Pedro Valinho Gomes é investigador e docente nas áreas da Teologia e da Filosofia.
Imagem: © "O cego se lava no tanque de Siloé", pintura de J.J. Tissot | Brooklyn Museum, Nova Iorque

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