13 de abril, 2020
UM SEGREDO BEM GUARDADO
Estamos todos na mesma barca, disse o Papa Francisco no dia em que esteve sozinho na Praça de São Pedro. Falou-nos ao coração, deu-nos a sua bênção e pediu-nos para fortalecermos a fé e o espírito de serviço. Estamos todos na mesma barca e ninguém se salva sozinho. Estas palavras do Papa continuam a fazer eco em nós e têm que ter uma expressão concreta na nossa vida. O nosso quotidiano tem que revelar uma atitude resgatadora, uma lógica ‘todos por todos’. É isto que nos é pedido neste tempo adverso que todos atravessamos. Hoje, mais do que nunca, estamos obrigados a responder a uma das maiores questões da vida: “como?” Saber como pensar, como agir, como pôr os talentos a render, como dar esperança, como ajudar quem mais precisa. Eis os grandes ‘como?’ da nossa existência. Não nos cabe a nós decifrar os ‘porquês’ e poucos conseguirão sempre ver com clareza os ‘para quê’. Aquilo que nos compete é responder da melhor forma aos ‘como’. Todos fomos atingidos por uma realidade que ultrapassa a ficção e todos estamos realmente na mesma barca. E, se assim é, então como viver bem este tempo? Tenho ouvido partilhas incríveis de pessoas que tendo perdido quase tudo, estão a partilhar com outros o pouco que têm; tenho assistido em primeira mão a relatos de médicos e enfermeiros que contam como é estar na primeira linha, na frente de batalha desta guerra contra um inimigo invisível que deixa atrás de sim um rasto de destruição e morte; tenho muito próximos de mim amigos e conhecidos que vivem duplos, múltiplos confinamentos há muito tempo. Estes meus amigos e conhecidos são pessoas que a vida parou (ou parecia ter ameaçado parar) quando ficaram tetraplégicos ou contraíram doenças que os deixam extraordinariamente condicionados e dependentes de terceiros para quase tudo. Estas pessoas de que falo são homens e mulheres, rapazes e raparigas, jovens e menos jovens que há muito vivem confinados e, de certa forma, também isolados ou privados de convivência social. Uns, porque não têm como chegar aos lugares, por não estarem adaptados às suas circunstâncias, outros porque moram em lugares mais remotos e, por isso mesmo, mais distantes e em maior solidão, outros ainda por passarem longas temporadas em hospitais e centros de reabilitação. Enfim falo de pessoas para quem estes tempos de quarentena acabam por ser apenas uma extensão daquilo que já vivem no seu dia a dia. Se falo agora destas pessoas é porque tenho a felicidade de pertencer a grupos de oração aos quais alguns deles também pertencem e tenho o supremo privilégio de os ouvir e poder acompanhar quando partilham a sua realidade. Se agora falo destas pessoas é porque o seu testemunho, a sua fortaleza interior e a sua fé me interpelam e atingem no mais íntimo, no coração do meu coração. Aprendi com todos e cada um deles que há um segredo que nos ajuda a atravessar os tempos mais difíceis e a resistir às maiores adversidades: aceitar. É na aceitação que tudo pode ser processado em nós, integrado por nós. E uma vez processado e integrado, abre novas perspetivas. Resistir à mudança, fecharmo-nos em nós mesmos, queixarmo-nos ou revoltarmo-nos é o oposto da aceitação. Faz doer ainda mais, gera desânimo e até desespero, e não nos leva longe. Aquilo que nos ajuda a suportar as dificuldades, aquilo que nos permite superar medos e vencer obstáculos é a aceitação. Aceitar sem vitimização. Aceitar que podemos pedir ajudas. Aceitar que somos frágeis e vulneráveis. Aceitar que não fazemos nada sozinhos pode ser o caminho para chegar à salvação. Nossa e dos outros. Porque, como disse o Papa e todos sabemos, estamos todos na mesma barca e precisamos todos uns dos outros.
Laurinda Alves, Jornalista, escritora, tradutora e professora universitária de Comunicação, Liderança, e Ética (In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1171, 13 de abril 2020) |