16 de junho, 2012
Manhã
Sessão de Abertura:
António Marto, bispo de Leiria-Fátima; Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima; Isabel Varanda, presidente da comissão organizadora
A presidente da comissão organizadora do simpósio contextualizou a temática no contexto atual da cultura secularista, com uma visão muito crítica das idolatrias que assolam o mundo moderno. De seguida, D. António Marto começou por recordar uma das intervenções de Bento XVI aquando da sua visita última a Portugal, pois aí deu a chave hermenêutica para interpretar o acontecimento de Fátima: forneceu uma chave hermenêutica histórico-salvífica, pois situou as aparições e a mensagem de Fátima no horizonte histórico-cultural e político da época. Com esta chave hermenêutica D. António Marto recordou que o convite da Senhora não caiu assim ex-abrupto na vida dos Pastorinhos, mas foi preparado porque o Anjo já tinha introduzido os Pastorinhos na intimidade com Deus. O acento tónico recai aí na misericórdia de Deus que suscita a resposta do dom e com missão. A partir de Rom 12,1-2 chamou a atenção para a ternura com a qual Deus nos fala em Fátima, o que faz com que esta mensagem seja um apelo à graça para que a deixemos atuar como vida no mundo como dom de si no amor, o que constitui aquilo a que chamou uma liturgia cósmica, inspirando-se no referido texto de S. Paulo para oferecermos os nossos corpos. A partir deste ensinamento que transforma a nossa vida numa liturgia cósmica distinguiu a liturgia da cerimónia, e atualizou o desafio paulino no não conformismo, pois Paulo sublinha uma exigência consequente, não conformar-se à potência do mal e sua banalidade. Deu dois exemplos no poder do mal em dois grandes poderes, que embora úteis podem tornar-se autênticos ídolos: o poder dos mercados financeiros e o poder dos media a que chamou as divindades do paganismo moderno. Inspirando-se em Bento XVI propôs uma economia ao serviço do bem comum, baseada no dom e na justiça. Como exemplo de figura que encarna esta liturgia cósmica apresentou a Virgem oferente, recorrendo a uma expressão de Paulo VI na Marialis Cultus. Concretizou a seguir com o exemplo dos Pastorinhos, cuja experiência denominou de “mística do sim”. Esta experiência por sua vez, ao aceitar oferecer-se levará a dar testemunho da cultura do dom face à cultura individualista moderna que põe no centro o ego de cada um. Levará ao testemunho numa cultura mercantilista que visa dar para receber em troca. Esta mística do sim põe Deus em primeiro lugar numa cultura que põe Deus de lado muitas vezes ou que se torna indiferente a Ele. Neste sentido, serão opções, alternativas à cultura, com incidência cultural. Conferência I: Quereis oferecer-vos a Deus? A mensagem de Fátima como interpelação ao sentido da vida e da história humana Eloy Bueno de la Fuente (Facultad de Teología de Burgos - Espanha) A pergunta dirigida por Nossa Senhora começou por ser ligada à mesma dinâmica de raiz bíblica a partir dos exemplos de quem se entrega à misericórdia de Deus em favor da humanidade. A resposta dos Pastorinhos responde criticamente à cultura da prepotência, oferecem uma alternativa à civilização que não podia ocultar nem a sua violência nem as suas incertezas. Nessa cultura, interpelante por si mesma e pela sua indigência, a via da entrega à misericórdia pretende tirar essa cultura do ciclo da violência. Nesse sentido, a misericórdia não deixa o outro na sua solidão ou na culpa, tenta recuperá-lo. Para evidenciar a atualidade da pergunta de Nossa Senhora, o Prof. Eloy Bueno destacou a necessidade de tornar a pergunta significativa para a fé cristã, pois é a pergunta fundadora que se inicia no acontecimento de Fátima e que desde o princípio mostra o fundamental da mensagem de Fátima. Mostrou como a pergunta adquire mais força lida desde os precedentes das aparições do Anjo. Desde as palavras do anjo aparecem as dimensões teológica e teologal da mensagem de Fátima – a referência à Trindade e aos outros, os que não adoram, não esperam, não creem e não amam. Mostrou como desde o início das aparições fala-se claramente da misericórdia, a única capaz de vencer os pecados do mundo o oferecer um manancial à esperança. Há, assim, uma continuidade entre a aparição do anjo e a aparição da Virgem. A presença do anjo fez experimentar o sobrenatural e as da Virgem uma experiência de alegria. Destacou de seguida cinco aspetos na mensagem: o destinatário interpelado é tirado do quotidiano para um estatuto novo, fica desapropriado porque a sua vida fica ao serviço dos outros. Em segundo lugar o convite / pergunta suscita uma resposta que toca no mais íntimo da pessoa. Em terceiro lugar o motivo da chamada são os outros incluídos na oferta da própria vida. Em quarto lugar o serviço aos outros dá conteúdo ao que significa reparação. Em quinto os sofrimentos são o exercício concreto de estar junto ao outro. Assim abre-se o acontecimento de Fátima, e isto também nos permite introduzir no mais genuíno da própria revelação cristã de um Deus se aproxima ao homem como a um amigo (DV 2). O Prof. Eloy Bueno evidenciou estas semelhanças entre a mensagem de Fátima e a mensagem da revelação, nomeadamente a bíblica, pois o núcleo que dá origem ao acontecimento de Fátima responde à mesma dinâmica da história bíblica da salvação. Ao tratar da pertinência da pergunta de Nossa Senhora citou Nietzsche para confrontar o crítico da fé cristã com as possibilidades imensas abertas pela questão de Nossa Senhora lançada aos Pastorinhos e a cada um de nós. Nietzsche que acusava a modernidade de vários erros, denunciava o erro da possibilidade da vontade livre, pois considerava que não pode haver responsabilidade para que o Homem não seja impedido de determinar-se à supremacia da sua vontade, logo não pode haver Deus, tem de o negar, porque Ele responsabiliza. A revelação e Fátima introduz uma fissura na tese de Nietzsche, como também recordou Levinas quando dizia que o eu significa eis-me aqui, o que representa a dissolução do individualismo. Esta dinâmica da revelação cristã obriga a falar de Deus. Ora, quando falamos de Deus falamos mais do que sobre Deus, falamos do mundo e dos outros também. Isto coloca em jogo uma conceção antropológica. Na verdade, Deus dirige-se a pessoas livres, para solicitar colaboração. É o segredo místico da mística esponsal – aqui estou. Um amor esponsal não é amor a dois, porque existem os outros, não se fecha no egoísmo de dois, abre-se aos outros. A misericórdia é o que dá credibilidade ao amor porque é desta profundidade que o amor consegue oferecer-se mesmo nas contradições. Os Pastorinhos vão assim ser profetas na história. Contextualizou assim Fátima no seu contexto histórico, onde acontece uma experiência pequena, com crianças, num contexto conturbado da guerra. Aí dá-se uma experiência mística. Essa experiência mística aparece como interpretação e profecia entre duas conceções do mundo – o mundo positivista da República e a perspetiva da revelação cristã. São as tensões da história nas quais a pequena experiência mística dos Pastorinhos são testemunhos que o domínio do mal afeta realmente a humanidade, mas que o amor que se faz misericórdia garante a vitória final. Citou a visão do inferno para as consequências do pecado quando a liberdade não consegue por freio ao mal. O coração Imaculado de Maria foi apresentado como contraponto ao inferno. Por isso, oferecer a própria vida tem como objetivo propor uma alternativa de civilização e de antropologia para travar o mal e criar uma história diferente. É aqui que tem sentido falar em sacrifício e expiação. Para tal, para traduzir estas categorias, contextualizou a pergunta de Nossa Senhora na atualidade cultural que não quer ver a vulnerabilidade da experiência humana, a chamada crise atual. Ora, o testemunho do amor feito misericórdia implica neste contexto renúncia e sacrifício porque o outro tem precedência, a única maneira de acabar com a violência do mal é amar para não continuar a fazer outro mal e assim cessar o ciclo da violência. Traduziu o sacrifício, a expiação e a reparação com a categoria de solidariedade, a qual não deixará o outro sozinho ou culpado. O amor oferece-lhe uma ponte, uma porta de saída carregando o pecado do mundo. Isso tem um preço, tal como Deus carregou o preço do nosso pecado. O pecador espera resgate, compreensão e misericórdia. Usou o exemplo do bébé que só vive pelo sacrifício dos pais, a vulnerabilidade é a nossa condição desde que nascemos, precisamos dos outros. Esse foi o testemunho dos Pastorinhos que introduzem na nossa história um sentido – a dignidade do ser humano tanto a nível humano como coletivo. Conferência II: A experiência da cruz num mundo em busca de bem-estar e de felicidade Benoît Bourgine (Université Catholique de Louvain – Bélgica) A cruz foi considerada como o encontro dramático de duas lógicas antagonistas, para sempre irreconciliáveis, pois manifesta o mistério de Deus como ágape e revelação da injustiça que o pecado causa. Num primeiro momento a cruz foi apresentada como experiência que foi integrada no todo da vida de Jesus, mas como experiência não deixou de ser ligada à ressurreição. Num segundo momento refletiu sobre o lugar da cruz para ser experiência para o cristão e no terceiro momento sobre o que ela implica para a vida do mundo. Para tal, o Prof. Bourgine partiu de uma hipótese: o cristianismo é no fundo uma realidade existencial, e começou por chamar a atenção para o facto de que a fé cristã é uma relação a construir. É uma realidade existencial e relacional. Perante o método experimental que a modernidade desenvolveu e idolatrou a teologia tem de especificar o seu método e a especificidade da fé cristã. Trata-se assim para a fé cristã e para a teologia de identificar uma experiência (uma Erfahrung), uma experiência vital. Encontrar o registo da experiência e o registo da credibilidade é necessário para que a fé dialogue com as outras ciências. O Prof. Bourgione recordou que o próprio vocabulário da experiência foi imposto à própria teologia que fossilizou frequentemente a fé na letra de fórmulas, fora da experiência, pois estão longe essas fórmulas do vocabulário de muita da nossa cultura. Reencontrar o registo da experiência é absolutamente necessário para a Igreja falar hoje ao nosso tempo e não a tempos passados que usaram outras fórmulas. Transportou de seguida este desiderato, esta necessidade para a vida de Jesus pensando a experiência da cruz para Jesus Cristo. Para tal, serviu-se do evangelho de Marcos evocando a rejeição de que Jesus foi objeto já na Galileia. A lucidez de Jesus é realista e isso embate contra os discípulos, isso causa surpresa, Jesus não desarma pois também partilha a esperança da ressurreição ao terceiro dia. Apesar de tudo, Jesus parte livre para a paixão. A paixão é um ato de liberdade. O acontecimento da cruz traz assim outra experiência a Jesus – a mentira, a traição, o abandono. É a outra face da realidade. Recordou aqui sobretudo dois erros na interpretação da cruz: a imagem do Deus perverso e o Filho suicida ou masoquista. Depois disto, aplicou a categoria de experiência à experiência da cruz para o cristão, ou seja, na vida do cristão. Aqui, a cruz caminho pascal de Jesus torna-se um ritmo pessoal. A fé não é uma renúncia mas deixar-se determinar escolhendo livremente Cristo, deixar-se determinar por Cristo, escolhê-Lo. Isto é possível porque Cristo continua crucificado connosco e por nós. A presença do Crucificado faz dos nossos sofrimentos uma experiência penúltima, não a última, em nome da ressurreição. Por fim, traçou a dificuldade da experiência da cruz na hora do humanismo secular, que vive um ethos de um ateísmo prático, um humanismo sem transcendência, onde destacou os principais obstáculos para fazer a experiência da cruz: como acreditar num Deus crucificado, como é possível uma intervenção divina que se dá até ao fim, e que esse amor se manifeste no lugar da mentira? como acreditar na maravilha dessa salvação sem medir o excesso do mal? Esta, com efeito, pode constituir uma outra forma do ceticismo face à própria cruz e à própria revelação cristã pois consiste na recusa de ver o século vinte como foi, como é que o mal nesse século tomou proporções apocalípticas, como é a engrenagem do mal. Esta recusa está na posição antipódica do cristianismo como fé no Deus maravilhoso e realismo integral. O humanismo secular não dispõe de fé nem de realismo. Trata-se, portanto, de dois caminhos inconciliáveis. Tarde Conferência III: Oferecer para receber a vida: a entrega de si na tradição bíblica José Carlos Carvalho (Universidade Católica Portuguesa) Posso oferecer a minha vida por motivos diferentes, por várias causas, devido a várias circunstâncias, justificado por múltiplas razões. Posso fazê-lo, como descreve Karl Barth (KD IV/2 §68.1) por gosto, por heroísmo, por interesse, por dever, por troca, posso fazê-lo por necessidade e trair o amor ou para memória futura como no caso de 1 Mac 6,44 onde só nos é dito de propósito que Eleazar ajudou Judas macabeu e “deu-se a si mesmo [édôken eautón] para fazer para si um nome eterno”, salvando o seu povo da resistência que encontrou para reconquistar o templo de Jerusalém. Todas estas são experiências bíblicas. No entanto, quando se fala da entrega de si visa-se outro alcance, olha-se outros paradigmas, outros exemplos. Num mundo como o bíblico onde pouco relevo é dado à interioridade das personagens, ficamos desarmados com esses paradigmas ou perante esses paradigmas. As motivações que os rodeiam chegam-nos na trama da narrativa, nos entrestícios do texto, nos silêncios dos diálogos, muitas vezes no silêncio do não dito, da palavra não proferida. É nessa trama que vislumbramos apenas algo do que levou à entrega de si, sendo que os actos humanos são sempre acções na verdadeira acepção do termo, logo nunca são descontextualizadas, possuem sempre razões que ajudam a compreender, ainda que, eventualmente, possam não ter justificação. No caso presente, não é frequente o próprio dizer que se entrega ou porque se entrega. Na tradição bíblica é sobretudo Deus que entrega, que dá. Aqui o interesse recai precisamente sobre as personagens da história bíblica que se tornam paradigma ou inspiração para receber a vida, para não tornar ilógica a perda de si, para que esta não surja como ilógica ou sem sentido, para que a entrega não seja uma perda mas uma conquista, uma descoberta de sentido, a reafirmação de uma cultura onde o que nos faz andar são os valores espirituais. Dividiremos em duas partes esta auscultação da fonte bíblica. Na primeira importa fazer uma digressão pelos paradigmas pessoais da entrega de si para numa segunda parte tentar esboçar uma síntese sobretudo a partir do grande paradigma do servo de Javé. Para lá das motivações já referidas, o que está em causa aqui consiste em tentar desenhar os contornos da autenticidade de uma entrega por uma causa, por uma pessoa, por um ideal, por Deus. Ainda que não revisite aqui no modo normal de tratar deste tema em registo soteriológico e da sequela, sobretudo olhando apenas as chamadas fórmulas desse registo de salvação como sejam as fórmulas de dar a vida em favor de, em lugar de, por causa de, por, pelos outros, por todos, por muitos, em resgate, por troca de, contra, essa intenção não pode nunca ser desconsiderada, pois faz parte do kerigma da Igreja primitiva a partir das primeiras fórmulas de fé. No entanto, a nossa atenção está precisamente antes dessas fórmulas soteriológicas e antes dos resultados, antes dos efeitos salvíficos dessa dádiva e antes dos destinatários dessa entrega. Quando na Escritura alguém dá a sua vida fá-lo em nome de razões maiores, é verdade, que no início nem sequer surgem de modo explícito. Mais do que dar dá-se, entrega-se. Que recebe? Recebe algo ou Alguém? Que atinge com isso? Que conquista, o que consegue, o que ganha? A própria vida ou a de Deus? Numa cultura como a nossa demasiado preocupada com o self, podemos considerar que a curiosidade integra-se neste contexto ou neste ambiente cultural. Mas o objetivo pretende ser outro, ainda que tocado por este contexto cultural. Se bem que a Escritura ofereça várias respostas a estas questões, apenas uma questão é aqui procurada: qual a relação entre gratuidade e intenção / sentido? Visitar o campo bíblico nos testemunhos da entrega de si pretende tão-somente ajudar a detectar o sentido autêntico da dádiva pessoal para com isso “correspondre à la manière d’exister proposé par le ‘Grand Code’” (Paul Ricoeur). Painel I: Entrega de si e auto-realização: possibilidades e equívocos A doutora Cristina Fabião (psiquiatria) chamou a atenção para os equívocos da entrega de si e da própria auto-realização, o que resulta na necessidade de cada um crescer na entrega de si, pois não damos o que não possuímos. Partilhou a sua experiência clínica em que acompanha muitas pessoas que querem dedicar-se de uma forma em que ainda não têm condições para fazer o que querem fazer: forma muito intelectualizada, voluntarista, pessoas que não conseguem acompanhar quase nada da decisão que entendem que devem tomar. Encontra pessoas que querem fazer muito, que se encaminham para um acumular de atividades, descurando o processo de libertação interior que permita que as atividades produzam outro tipo de frutos. Este processo é um caminho em que cada vez mais partes de nós se tornam entregáveis, disponíveis para ser entregues. Isto requer libertação interior. Recordou o risco de muitas vezes querermos ser super-humanos sem nos ocuparmos da nossa humanidade, da nossa necessidade de continuar a ser humanos, isto é, da nossa vulnerabilidade, recuperando assim uma categoria muito pertinente e significativa para as intervenções da primeira parte do dia. Nesta vulnerabilidade, recordou que herdámos muitas realidades que carecem de sentido, ainda não foram significadas, na transmissão de emoções não pensadas. Aqui questionou o que significa a ambígua auto-realização? Há imensos equívocos, e a maneira de a entender é ela mesmo equivocada. Porquê? Pode viver-se sem entregar a vida? Não pode. O problema é a quê? Nós entregamos a vida a pequenos deuses, são as nossas idolatrias, neste sentido ninguém é ateu, acredita-se sempre em alguma coisa. Podemos entregar a vida à defesa de uma imagem. Estes deuses dão-nos a ilusão de um controle sobre a nossa imagem, podemos controlar o nosso objeto de adoração. Isso dá muita segurança. Por fim, recordou o problema para muitas pessoas que não podem receber, só podem dar porque estão carentes. Eugénio Fonseca (caritas e confederação portuguesa do voluntariado) Voluntariado, possibilidades e equívocos O presidente da Caritas Portuguesa recordou o risco de uma cultura que apenas promove o voluntariado de satisfação, num altruísmo indolor sem querer sacrifícios, fugindo a modelos éticos que impliquem a renúncia de si próprios. Há os que apelam ao voluntariado como meio de moralização da sociedade. É um voluntário que corre o risco de criar uma divisão moral porque opera contra aquilo que muitos criam, querem ser solidários para compensar o caos social, mas não tem a ver com o andamento da sociedade. Recordou o voluntariado como realização da pessoa, pois a pessoa só se realiza como ser em relação que se encontra na gratuidade com o outro. Para tal, para ser voluntário/a pressupõem-se voluntários (auto)realizados, equilibrados, desenvolvidos integralmente, com sentido das suas vidas, com ideais claros, almas voluntárias animadas, com alegria de viver e com força interior mobilizadora, com esperança, projetadas para o futuro, para o bem e para a verdade, felizes, de bem com a vida, humanas capazes de humanizar os outros, que se entregam e salvam os outros. Isto supõe um compromisso, a seriedade de um vínculo estável, implica um projeto como ação partilhada. De seguida apresentou algumas características do voluntariado: a área social é a mais predominante. Há dois valores subjacentes: a gratuidade e a solidariedade. Para ser exercitado tem de reunir algumas garantias: comprometido, capaz de organizar-se a partir de iniciativas coletivas em contraponto ao individualismo preponderante, coerente com a ação realizada, disponibilidade para a ação e para a formação (superando apenas a boa vontade). Quanto às motivações do voluntariado também reconheceu que existem variadas razões, com motivos hétero ou auto centrados (para se ajustar socialmente, para valorizar o curriculum, para fazer experiências concretas, para defesa do eu, melhoria do estado de ânimo). Recordou da sua própria prática que os voluntários mais perseverantes são os mais realistas. O bom samaritano foi apresentado como paradigma do voluntário. Isto faz do voluntariado um discipulado, um modo de viver a identidade cristã no mundo. Voluntariado pode ser hoje uma tradução do conceito evangélico do “amor”. Vasco Pinto Magalhães, SJ (acompanhamento espiritual) Propôs quatro pressupostos e cinco caminhos de uma metodologia para a questão do discernimento, pois é a entrega de si é o passo da ressurreição, é sempre uma ação conjunta de graça e de liberdade que me leva a fazer a experiência da ressurreição. O primeiro pressuposto: a entrega de si para se ser quem se é, pois ela é o centro e o vetor de toda a espiritualidade, entregar-se segundo Cristo. A entrega de si nem sequer é um ponto final mas um processo Segundo pressuposto: consiste perceber o que significa discernimento. Estamos a falar de uma graça continuamente dada e de uma arte adquirida, de uma liberdade exercitada. O discernimento consiste em decidir por aquilo que tem ou dá futuro na minha vida. Terceiro pressuposto: viver-se num contexto de relação do homem com Deus e de Deus com a humanidade no paradigma, relação que precisa de ser clarificada. Caso contrário partimos de ambiguidades. A entrega vem de um mecanismo de pergunta resposta, não de uma decisão, mas sim do dar consequência a um diálogo. Quarto pressuposto: o lugar do acompanhante, porque vivemos em Igreja. O acompanhante tem de ser guia e facilitador desta relação. Se isso não existe podemos viver em subjetivismos muito vagos Tudo isto são condições prévias. É preciso saber-se amado, com sentido e com lugar. Isto é um pressuposto da vida. A catequese é então um processo para fazer sair de si, e não uma instrução. Indicou a seguir como é que isto tudo se faz. Com metodologia para avançar neste percurso de relação. Esta metodologia tem de propor passos, continuamente avaliar, encontrar a purificação, a correção, eventualmente outro caminho. O caminho espiritual é sempre um caminho de vocação. Recordou que é a decisão que leva à formação e a formação que leva à decisão. Para tudo isto tenho de conhecer-me, porque aí começa a purificação das motivações. Depois é preciso começar a adquirir uma visão positiva da criação, do meu lugar no mundo, da teologia da encarnação e da ressurreição para me reconhecer como membro de uma história de salvação. Isso permitirá a experiência do ser amado. Esta experiência desafia a minha resposta, a responder em liberdade. Isto pode suscitar respostas ainda não purificadas, os equívocos. Tenho de perguntar como santo Inácio: que fiz, que faço e o que farei? Isto obriga a começar a ponderar alternativas, a ver se estamos preparados.Apresentou os Pastorinhos que foram voluntários porque disseram aquilo que o mundo lhes pedia que fosse dito, isso é o voluntariado, dizer com o dom da vida o que o mundo pede. Esta resposta conduzirá a uma vida eucarística. |