10 de novembro, 2008
Na tarde de 10 de Novembro, na abertura dos trabalhos, e com o título "SER IGREJA NUM ESTILO NOVO", o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga lançou alguns dos temas que irão ser alvo de reflexão durante a Assembleia Plenária que decorre em Fátima até 13 de Novembro.
Repensar a iniciação cristã é um dos propósitos deste encontro em Fátima.
"Impõe-se uma viragem fundamentalmente baseada no ensino dos apóstolos, na transmissão dos símbolos da fé e na Palavra que se recebe, tornando a Bíblia um dom, um presente e não um fim. As comunidades não podem descansar no modelo adquirido que favorece, assim o verificamos, a maré não praticante, mas devem fazer a escolha do presente, ensinar no século XXI, reciclar aprendizagens, utilizar as ferramentas desta era virtual, sem nunca esquecer que o testemunho é sempre fundamental", afirmou.
No mesmo diuscurso de abertura, D. Jorge Ortiga criticou a aprovação de leis fracturantes e de uma ordem de valores que é manifestamente contra a família, "considerada célula estruturante de toda e qualquer sociedade equilibrada".
"A complexidade da sociedade hodierna repercute-se na família que se afasta dos verdadeiros valores e pretende, por campanha de muitos, tornar-se um bem particular, um mundo “privado” que cada um escolhe segundo os gostos e inclinações", acusou D. Ortiga.
Sobre a crise económica, considera o prelado ser necessário "Olhar com serenidade esta situação e reconhecer como vivem as famílias deveria ser a fundamental preocupação das autoridades governativas, consubstanciando essa atenção em leis de protecção e acompanhamento. As comunidades eclesiais devem, por seu turno, incrementar uma pastoral de maior sensibilidade e compromisso sócio-caritativo".
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Discurso de D. Jorge Ortiga na abertura da Assembleia Plenária
«Ser Igreja num estilo novo»
“Neste longo peregrinar, a confissão mais frequente nos lábios dos cristãos foi a falta de participação na vida comunitária, propondo-se encontrar novas formas de integração na comunidade. A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, de quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja”. (Bento XVI aos bispos portugueses, 1 de Novembro de 2007) Esta Assembleia é a primeira dum novo triénio. É natural que pensemos num programa ou nos interroguemos sobre os ritmos a traçar. Pareceu-me importante e necessário voltar ao discurso do Papa Bento XVI aos bispos Portugueses por ocasião da visita ad limina. A interpretação, desvirtuada e parcial, que muitos lhe dedicaram, pode colocá-lo no esquecimento e penso que será oportuno que nos acompanhe nas variadas iniciativas deste novo triénio. No desejo de irmos relendo e ponderando aplicações pastorais que ele encerra, já estou a testemunhar a nossa comunhão eclesial de vida e oração com o Santo Padre, para que o Espírito continue actuando na Igreja a favor duma sociedade mais humana. Nesta comunhão agradecemos a dedicação do serviço eclesial de D. Alfio Rapisarda, que conviveu connosco cerca de seis anos e, desde já, expressamos a mais profunda comunhão com o novo Núncio Apostólico. Ao D. Antonino Eugénio Fernandes Dias, tendo muitos de nós estado com ele na apresentação solene à sua nova Diocese de Portalegre e Castelo Branco, asseguramos a solidariedade eclesial para que a cruz se torne mais leve e fecunda. 1 – Introdução Passou quase um ano, desde a nossa visita ad limina apostolorum. A saudação do Santo Padre ainda ecoa em nós, com palavras de estímulo, enumerando o que em Portugal se tinha realizado ao longo dos anos deste novo milénio e traçando algumas tarefas de empenho para o presente quinquénio. Por outro lado, estamos a entrar no cinquentenário da convocação do Concílio Vaticano II, (1959 – 2009), o que exige a nossa acção concertada, não de uma forma teórica, pois talvez o tenhamos feito com ousadia, mas agora de uma forma comportamental, testemunhal, no tecido das relações eclesiais que ajudamos a construir. Estou convencido de que algumas comunidades muito têm a fazer para ultrapassar certo estilo mundano de aparência, em contraposição com a simplicidade da nossa Igreja ao serviço do mundo. Não basta usar um discurso de teor conciliar. Muita coisa continua a ser programa inacabado. 2 – A lógica da Incarnação O Santo Padre, recordando a caminhada do Jubileu bimilenar, sugeria que para nos tornarmos construtores do Corpo de Cristo deveríamos, como bispos e para a Igreja, ser indicadores da Sua Incarnação. Como ponto de partida, a consciência de ser continuadores de Cristo, convida-nos a n’Ele permanecer como em nossa própria casa, de modo que o Verbo de Deus “encarne” na vida e no ser de cada homem. Desta seiva positiva nasce a vida nas nossas Igrejas, indicando a contínua incarnação do Senhor nos meandros mais escondidos do humano, inculturando a Sua presença na palavra e no silêncio, na forma de estar, na ausência de prepotência, na sensatez de evitar julgamentos e na confiança de que Ele venceu o mundo. Para empregar o mesmo texto usado pelo Santo Padre, importa sentar-se onde se sentam os seres humanos, com a simplicidade de uma missão a cumprir, não para nos servirmos dela, mas servindo-a, não para reencontrarmos a primazia, mas escolhendo a cruz como lugar de revelação definitiva do esplendor de Deus. Aqui se situa uma viragem já começada, mas não levada até ao fim. O novo estilo de que se fala terá de partir duma Igreja, sem prepotências, sem manobras para mais poder e numa sincera conversão a Cristo. Se a Igreja em Portugal precisa de ter um rosto mais sereno, jovem, atraente, dialógico, terno e misericordioso, terá de partir do interior de quem preside, não como algo colado e para pôr na primeira página, mas como companhia constante de Cristo, numa atitude peregrina de quem descobre Deus nos encontros fraternos com os homens e as mulheres deste tempo. Sair de si e das suas exigências para partir ao encontro dum mundo concreto onde seres humanos labutam com imensas dificuldades no quotidiano da sua existência. Precisamos duma maior atenção que nos coloque como servos duma humanidade que busca um sentido. Verão a Cristo no rosto de quem os ama e nunca no de quem deles se serve. 3 – A comunhão como intervenção Sabendo ser indicadores de incarnação, teremos de avançar mais e mais como construtores de comunhão. Um outro traço da mensagem do Santo Padre. Da vivência da nossa identidade cristã pode amadurecer nas nossas dioceses a comunhão, não como imposição nossa, mas como nossa recepção. Só Cristo transporta até nós a Trindade, só n’Ele poderemos modelar as nossas comunidades, não para nós, nem para os nossos desejos, mas para Ele e para a Sua vontade (cf. Fl 2, 22). Corremos o perigo de continuar a participar numa cultura egocêntrica legitimando a nossa atitude com as palavras e com as expressões do Concílio. Mais do que legitimar posições sustentadas, importa construir caminhos de comunhão, com os nossos directos colaboradores, respeitando as suas trajectórias, sendo condescendentes para com eles, tratando-os como irmãos e filhos, amando-os fraterna e paternalmente. Na verdade, é com os mais próximos que começa a comunhão. Para nós a presidência da comunhão é, acima de tudo, afabilidade para com os sacerdotes, mansidão para com as suas faltas, benevolência para com os seus dons, gratidão para com o seu trabalho, escuta e partilha nas suas reais necessidades, aconchego e cuidado quando sofrem física, moral ou psicologicamente, amor activo providente para que todos vivam de forma digna. Uma Igreja-comunhão começa em casa e a casa do Bispo é o seu presbitério. A vida da Igreja em Portugal reflecte sempre a comunhão do Bispo com os seus padres, em qualquer das Igrejas locais. Um novo estilo de organização que não assente no amor fraterno, vivido em círculos de comunhão real, não fará avançar a Igreja, mas constituirá mais escolhos que alimentarão o pessimismo e a crítica. Tudo depende deste primeiro testemunho comunional. O resto acontecerá. 4 – A participação competente e com gosto A partir desta comunhão deve incrementar-se um novo estilo de relacionamento entre as pessoas consagradas com os seus carismas e nas paróquias, derrubando fronteiras – limites – e promovendo o testemunho de unidade pastoral em todos os pormenores e actividades. As dioceses, entre si, necessitam de se deixar envolver num programa mais similar nas coordenadas essenciais. Só a comunhão testemunha o verdadeiro rosto de Deus e nada nos pode desculpar de a construir a todo o custo, de forma consciente e não apenas para ser diferente ou porque a necessidade obriga. 4.1 – A comunhão é participação A participação é fruto maduro do gosto e da competência. Quem se sente gostosamente acolhido entra e procura fazer e só faz quem se sente competente para tal. O estilo participativo não provém só do anúncio nem da publicidade; provém sim, acima de tudo, da motivação. Participa-se naquilo que se prevê dar mais sentido ou dar outro sentido. A grande motivação da Igreja para a participação está no seu testemunho de comunhão que abre horizontes, fazendo viver e anunciar boas novas. 4.2 – Formação para a participação A participação é facto irrefutável na Liturgia, na catequese e no âmbito sócio-caritativo. Trata-se, por vezes, mais de uma participação de visibilidade e não tanto de uma participação de identidade cristã. Esta deve nascer do interior e concretizar-se na aposta de um itinerário cristão de formação. Só uma obra humana de formação suscitará testemunhas acreditadas. Ora, a Igreja em Portugal, por vezes, tem-se distraído com questões de visibilidade exterior, ficando secundarizada a construção de comunidades de fé e a formação de agentes de pastoral. Importa despender bens económicos em benefício de testemunhas com perfil académico, para podermos aparecer como proclamadores da Palavra nos areópagos modernos. A competência passa pela escola da oração, da espiritualidade e da razão, do estudo, da formação. Passa não só pela intimidade com Deus, mas também pela intimidade com a cultura, com os saberes, em ordem à aquisição de capacidades para dar as razões da nossa esperança. Não podemos esperar que seja repentino, mas na certeza de que com o estudo se abre um futuro diferente na comunidade. Leva tempo, mas tem sentido de futuro no horizonte do Reino de Deus. Esta é uma viragem a fazer com respeito e com muita esperança. Ao falar de corresponsabilidade, teremos de atender mais à geografia do Povo de Deus que nos está confiado e avançar na organização do território para que o nosso anúncio tenha mais em conta as reais situações das populações. As equipas eclesiais serão uma maneira de evangelizar na comunhão, com grupos mistos, de leigos e de sacerdotes, apostando em novos estilos com os mais novos e abrindo caminhos mais fraternos. Os mais idosos, sem atropelos que confundem e desmobilizam, participarão nas novas experiências de unidades pastorais, fazendo circular as suas competências e colocando-se na partilha de uma memória mais longa. 5 – A iniciação cristã a repensar 5.1 – Viragem na iniciação cristã A maré dos não praticantes, como diz o santo Padre, impõe uma reflexão e talvez uma viragem no percurso actual da iniciação cristã. O que está a acontecer não é só fruto do tempo, numa cultura que rompe decididamente com a instituição religiosa. É também a tradução da pouca incidência da transmissão catequética. Esta foi uma grande instituição com relevo, mas perdeu muito do seu conteúdo. Muitas vezes me interrogo se a transmissão não resvalou para uma empresa tipicamente humana, pedagogicamente e tecnicamente bem articulada, mas sem teologia e sem discurso cristão. Nivelou-se pelos dizeres das ciências da educação e perdeu o fôlego, o espírito daquele que vem do alto, de quem chega como insondável, imprevisto, não medido. Impõe-se uma viragem fundamentalmente baseada no ensino dos apóstolos, na transmissão dos símbolos da fé e na Palavra que se recebe, tornando a Bíblia um dom, um presente e não um fim. As comunidades não podem descansar no modelo adquirido que favorece, assim o verificamos, a maré não praticante, mas devem fazer a escolha do presente, ensinar no século XXI, reciclar aprendizagens, utilizar as ferramentas desta era virtual, sem nunca esquecer que o testemunho é sempre fundamental. 5.2 – A fé como alicerce cultural Importa, ainda, relançar a iniciação cristã para aqueles que perderam as referências da cultura cristã ou para aqueles que nunca as adquiriram. As nossas populações hoje são cada vez mais mescladas, oriundas de emigração e de imigração, com muitos sistemas culturais de índole neutros e sincréticos a nível religioso. As nossas propostas são impregnadas de boa vontade mas, numa grande parte, pouco motivadoras. Mas, isto não basta para fazer cristãos. É necessário um percurso bem delineado com etapas, tempo, animadores e capacidade de se comunicar. Os percursos de iniciação não se fazem com pressa, mas impõem um tempo de sementeira, um tempo de amadurecimento, sempre como obra e tarefa da comunidade. Os tempos que correm não são de facilidade, mas de renúncia, de escolha do mais difícil, de anúncio do que está para além de nós, de uma aposta na fé como novo alicerce cultural. Persuadidos do invisível, imersos no nosso mundo, desmontando os esquemas nos quais nos fomos instalando, perdendo os possíveis privilégios, asseguramos a comunicação dAquele que deu a vida na Cruz (cf. 2 Cor 2, 9-10…). 5.3 – A fé construtora dum tecido social diferente A Igreja em Portugal tem de libertar-se da nostalgia dos tempos da cristandade. Tem de optar por uma outra forma de estar e ser construtora de um tecido social diferente, com base nos pensamentos de Jesus e na Doutrina Social da Igreja. A nova organização só dará frutos de qualidade se for essencialmente despojamento, não permitindo que o pobre seja mais pobre, mas promovendo o serviço da Caridade que é a nossa riqueza, ou melhor, a riqueza de Deus em nós. É esta a face da humildade serviçal que nos caracteriza na sinceridade de viver em Cristo que não veio para ser servido mas para servir e Se entregou por nós. 6 - O caminho da Palavra A comunhão corresponsável vivida concretamente nasce, como dom emergente da Palavra, constituindo o âmago da missão e da vida da mesma Igreja. O recente Sínodo é disto exigência e consciencialização. O estilo e a organização de hoje são da nossa responsabilidade, na correspondência a Deus que continua a falar para nós, o que implica um discernimento contínuo dos sinais dos tempos actuais. A nossa missão deve ser mais de ouvintes activos da Palavra, de discípulos que praticam a Palavra, de testemunhas da Sua radical intervenção na nossa vida. O nosso estilo pode ser novo no tempo que é o nosso, desde que não multipliquemos as palavras que falamos, mas sejamos capazes de dar voz à única Palavra da Verdade, aceitemos ser seus mensageiros, a aprendamos de cor para nos exprimirmos com Ela, nos instruamos na Lectio Divina quotidiana, e testemunhemos a sua perenidade. Esta forma de estar, com a Palavra na boca e no coração, fará nascer um novo estilo nas comunidades. Quando a Palavra falar em nós, falaremos menos mas com mais resultado. Estamos no Ano Paulino, celebrando os dois mil anos do nascimento de S. Paulo, genial apóstolo do Evangelho de Jesus Cristo, sempre tão actual e tão inspirador. Aproveitando o impulso do último Sínodo dos Bispos, recordo a importância de irmos pondo em prática o que decidimos na nossa Nota Pastoral de 6 de Maio passado. Espero que ponhamos particular solicitude em promover uma digna celebração nacional, que aqui se realizará em Fátima, na Festa da Conversão de S. Paulo, a 25 de Janeiro do próximo ano e continuemos a caminhar juntos com S. Paulo. 7 – A encruzilhada da Família Vivemos a graça de termos entrado num novo milénio, neste nosso Portugal, onde não faltam sinais e testemunhas de alegria e esperança. Neste aqui e agora, pela força do Espírito de Jesus Cristo, somos animados a ser parte da solução dos problemas e das crises, profetas de que um mundo melhor é possível, superando a falta de confiança e o pessimismo, aprendendo a esperar sempre, mesmo que seja preciso, nalgumas ocasiões, esperar contra toda a esperança (cf. Rm 4, 18). A família, célula estruturante de toda e qualquer sociedade equilibrada, é hoje confrontada, mas devendo resistir positivamente, com o clima de egoísmo consumista e de relativismo ético, em que parece valer tudo para alcançar os próprios fins. Neste sentido, devemos encarar a actual crise financeira mundial como um desafio a encontrar soluções nas causas e não apenas nas consequências. Mais do que um problema a resolver tecnicamente, importa procurar soluções nos valores e estilos de vida que é urgente cultivar, promovendo uma cultura de sobriedade, partilha e solidariedade. A família tem vindo a sofrer pressões endógenas, dado que os indivíduos que a formam, tantas vezes, estão deformados no pensamento e no agir e por pressões exógenas que parecem vir ou virão mesmo de forças interessadas na sua derrocada. A complexidade da sociedade hodierna repercute-se na família que se afasta dos verdadeiros valores e pretende, por campanha de muitos, tornar-se um bem particular, um mundo “privado” que cada um escolhe segundo os gostos e inclinações. 7.1 – Fidelidade à doutrina e resposta as problemas Neste cenário a Igreja depara-se com um desafio de enormes responsabilidades: saber conjugar a fidelidade à doutrina com a capacidade de iluminar as condições totalmente diferentes em que vive a família hoje. Urge testemunhar um comportamento que em nada se afaste da doutrina e do depósito da fé mas que se coloque em diálogo construtivo com o homem de hoje. Há princípios que assumimos com determinação. “A solidez do núcleo familiar é um recurso determinante para a qualidade da convivência social”. Nesta perspectiva denunciamos todas as tendências e atitudes que ameaçam minar a realidade familiar e afirmamos com o Compêndio da Doutrina Social da Igreja que em vez de apoiar outras iniciativas, “a comunidade civil não pode ficar indiferente frente às tendências desagregadoras que minam na base os seus alicerces fundamentais” (C.D.S.I. 239). Daí que “não deve jamais debilitar o reconhecimento do matrimónio monogâmico indissolúvel, única forma autêntica da família”. O Estado tem a alta responsabilidade e a grave obrigação de defender a instituição familiar uma vez que “a família, comunidade natural na qual se experimenta a sociabilidade humana, contribui de modo único e insubstituível para o bem da sociedade” (C.D.S.I. 213). “É de todo evidente que o bem das pessoas e o bom funcionamento da sociedade, estão estritamente conexos com uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar” (S.S. 47). “Sem famílias fortes na comunhão e estáveis no compromisso, os povos debilitam-se. Na família são inculcados, desde os primeiros anos de vida, os valores morais, transmite-se o património espiritual da comunidade religiosa e o cultural da nação. Nela se dá a aprendizagem das responsabilidades sociais e da solidariedade” (C.I.C. 2 – 224). 7.2 – Realidade do nosso país Tendo presente estes princípios, olhemos para a realidade do nosso país: A baixíssima natalidade aparece em primeiro lugar, como um dos sintomas severos desta doença que atacou a família. Temos uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa e desde 1982 que não há substituição de gerações. Pior ainda, já morrem por ano mais pessoas do que as que nascem! Trata-se de uma verdadeira “Peste Branca”, segundo a forte expressão de dois autores franceses que em 1976 escreveram o livro “A Peste Branca” (Jacques Suffert e Pierre Channu, in Ed. Gallimard, Paris, 1976). Associado ao problema desta baixa taxa de natalidade, está a terrível praga do aborto, alcandorado a “direito fundamental”, gratuito e não raras vezes proposto à mulher a quem não lhe são facultadas alternativas. Portugal massacra, assim, o seu futuro, impedindo-o de nascer. O que dizer das perspectivas irresponzabilizantes da sexualidade que são propostas aos jovens, muitas vezes em nome da chamada saúde sexual e reprodutiva? Ao mesmo tempo que baixa enormemente a taxa de natalidade, baixa, igualmente, a taxa de nupcialidade e aumentam as ligações fortuitas ou efémeras, as chamadas “uniões de facto” equiparadas nos direitos ao casamento mas não nos deveres. Facilitam-se ao extremo os divórcios e a dissolução dos vínculos matrimoniais e não há o mesmo empenho em apoiar os casais em dificuldade. Não seremos capazes de reconhecer a injustiça de casais que se “divorciam” para pagar menos impostos, continuando a viver juntos mas aumentando os números dos divorciados? Certos problemas sociais como a violência doméstica, a prostituição, o consumo de drogas, a insegurança motivada por gestos de desrespeito pelos outros e pelos bens alheios não poderão ser explicados por uma deficiente intervenção da família? Os ataques à estabilidade familiar não poderão gerar um fenómeno social de contornos imprevisíveis? Sem nunca perdermos a esperança, constatamos que o futuro próximo não nos perspectiva melhores tempos. As agendas políticas começam a indicar novas iniciativas a que o cidadão português – e não só o católico – deveria responder. Interrogo-me se não estaremos a permitir a aprovação de leis fracturantes quando todos deveriam unir as vontades e as inteligências para responder aos novos problemas que a crise económico-financeira veio denunciar. Devemos ser respeitadores dos pensamentos diferentes. Só que não podemos renunciar à nossa identidade que, em muitos aspectos, se consubstancia com a cultura portuguesa. 7.3 – Responsabilidade dos cristãos O cristão tem responsabilidades particulares na apresentação dum modelo familiar fiel à doutrina da Igreja. É fundamental propor com força, determinação e coerência a beleza do projecto de Deus para a Família, oferecendo mais e melhor educação integral e a proposta de uma cultura pela vida e com a Família. Face à fragilidade da Família, os cristãos não podem continuar maioritariamente distraídos. Se muitos participam e reagem, o número deve aumentar para que o nosso pensamento e fé sejam conhecidos. Talvez os resultados sejam poucos perante os esquemas montados e já experimentados, com tendência para prosseguir numa campanha contra a estabilidade familiar. Poderemos ser apelidados de tudo, menos do pecado de omissão e de inércia. Não estamos contra ninguém e queremos bem a todos, mesmo aos que divergem frontalmente de nós. Só nos comprometemos com o projecto que a Igreja protagoniza, assumindo corajosamente remar contra a corrente. Apontando debilidades e feridas, queremos também sublinhar que há felizmente razões para esperarmos um futuro melhor para a Família. Graças a Deus que não têm faltado leigos, homens e mulheres de todas as idades, comprometidas no presente com as causas que preparam o futuro: as causas da vida e da Família. Quantas associações ou movimentos, ligados ou não à Igreja, são hoje porta-vozes de tais causas? Quantas vozes se têm levantado pela Vida, contra o aborto, contra este capitalismo selvagem e sem rosto que estiola e sufoca a vida das pessoas e da Família? Quantos leigos e leigas comprometidos na formação de jovens em diferentes áreas e etapas? Penso ser imperioso que perseverem neste bom caminho e que saibam que a Igreja Católica, na sua hierarquia, está grata por quanto fazem. Contem sempre com a nossa presença e apoio. Confiamos que os leigos exerçam a sua missão eclesial no mundo, com fidelidade criativa. A família é a primeira realidade que tudo merece e que, actualmente, necessita de compromissos alegres e generosos. 8 – As famílias feridas por problemas económicos Ao falarmos dos direitos das pessoas, não podemos ignorar e desconsiderar as grandes dificuldades económicas em que se encontram muitas das nossas famílias, particularmente, os mais jovens e os reformados. Numa sociedade dita avançada é confrangedor deparar com as dificuldades vividas no interior de muitos lares. Começam a faltar bens essenciais, a vergonha torna a pobreza mais angustiante. Recentes estudos trouxeram, mais uma vez, a informação de que Portugal é dos Países da União Europeia onde se verifica uma maior desigualdade e, por isso, onde o fosso entre ricos e pobres é mais acentuado. Por muito que nos custe, casos de pobreza e fome encontram-se ao nosso lado, apesar dos discursos e iniciativas planeadas para as eliminar. São problemas económicos muito graves que exigem reflexão adequada de todos sem interesses partidários ou confessionais, mas numa simbiose articulada de intenções capaz de, dentro do possível, oferecer respostas imediatas naquilo que não pode esperar e, quanto ao futuro, através dum novo modelo que não beneficie só os privilegiados mas proporcione mais igualdade e dignidade para todos. O Papa Bento XVI dizia que “uma campanha eficaz contra a fome exige muito mais que um simples estudo científico para aprofundar as mudanças climáticas ou destinar a produção agrícola à alimentação”. “É necessário, antes de tudo, redescobrir o sentido da pessoa humana, na sua dimensão individual e comunitária, a partir do fundamento da vida familiar, fonte de amor e afecto, da qual procede o sentido da solidariedade e a vontade de partilhar” (Mensagem para o Dia Mundial da alimentação, 16-10-08). Olhar com serenidade esta situação e reconhecer como vivem as famílias deveria ser a fundamental preocupação das autoridades governativas, consubstanciando essa atenção em leis de protecção e acompanhamento. As comunidades eclesiais devem, por seu turno, incrementar uma pastoral de maior sensibilidade e compromisso sócio-caritativo. 9 – A Santidade dos antepassados – lógica actual Do acolhimento da Palavra e da responsabilização social nos continuam a elucidar os santos. Cada um, à sua maneira, nos traçam um itinerário a exigir mais radicalidade no amor. O Beato Nuno de Santa Maria, a ser canonizado em breve, continua a questionar-nos sobre o amor à Pátria em tempos difíceis e sobre o que lhe damos e como o damos para preservar a nossa identidade e vencer as invectivas dos adversários. É este amor a Portugal que nos é exigido: estar nos acontecimentos com uma presença oriunda da Palavra vivida para que o nosso país se vá construindo, através de soluções que expressem um humanismo integral, resultante duma luta persistente pelos valores que nos dignificam e promovem uma sociedade mais justa e fraterna. Este amor a Portugal compromete-nos num serviço de renovação da sociedade. Não queremos invadir campos que não são os nossos. Aceitamos a separação e queremos caminhar testemunhando a nossa identidade. Para uma boa harmonia continuamos à espera duma regulamentação da Concordata, feita no diálogo e sem pretender privilégios mas defendendo os verdadeiros conteúdos desse acordo internacional. Alguns passos foram dados. Continuamos a esperar, dando sempre o nosso contributo positivo. * * Que esta Assembleia nos situe no dinamismo confirmado pela Visita ad Limina e nos comprometa, ainda mais, na solução dos problemas que afectam a sociedade portuguesa. + D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz |