29 de julho, 2007

No dia 25 de Julho, o Reitor do Santuário de Fátima esteve presente na sessão de abertura da Assembleia da Confederação Internacional dos Movimentos das Famílias Cristãs (CIMFC), realizada no Centro Pastoral Paulo VI.
No discurso de saudação aos Senhores Congressistas, Mons. Luciano Guerra salientou a total convergência entre a mensagem dos movimentos das famílias cristãs ali reunidos em encontro internacional e o interesse que Deus manifestou através das Aparições de Fátima pela família .
De seguida, na íntegra, a intervenção de Mons. Luciano Guerra:
A palavra que me pedistes é antes de mais uma saudação muito fraterna, para vos desejar as boas-vindas e vos anunciar que ides sair daqui certamente contentes. Assim tem acontecido com todos os que vos precederam e tiveram a graça de abrir os olhos do coração à presença paterna e materna de Deus neste lugar bendito. 
Por isso, além de agradecer-vos, quero também felicitar-vos por terdes escolhido Fátima para este congresso internacional dos movimentos das famílias cristãs. Entre as várias razões que poderia salientar sobressai a de uma total convergência entre a mensagem que os vossos movimentos se propõem viver e o interesse pela família que Deus manifestou neste lugar
De facto, ao descrever, nas suas Memórias, a aparição de 13 de Outubro de 1917, a vidente Lúcia, escreve: «Desaparecida Nossa Senhora na imensa distância do firmamento, vimos, ao lado do Sol, S. José com o Menino e Nossa Senhora, vestida de branco, com um manto azul. S. José com o Menino pareciam abençoar o mundo com uns gestos que faziam com a mão, em forma de cruz.» (8ª ed. Agosto 2000, p. 173). Esta visão aconteceu enquanto a multidão de curiosos contemplava, atónita, o famoso milagre do Sol, que foi a prova maior das aparições.
Esta visão da Sagrada família teve uma duração curta, e não foi acompanhada de qualquer palavra da Aparição. Não nos compete a nós saber a razão pela qual Nossa Senhora não aproveitou essa graça para fazer uma exortação, ou um ensinamento, acerca do lugar que tem a família no plano de Deus, para a Humanidade e o universo, nos nossos dias. Mas que a celeste mensageira quis dar importância a uma tal visão torna-se claro pelo facto de a ter prometido nas duas aparições de 19 de Agosto e treze de Setembro. De facto, no interrogatório realizado pelo pároco em vinte e um de Agosto de 1917, entre outras palavras, disse Nossa Senhora a Lúcia: «Quero dizer-te que voltes à Cova da Iria: Se não tivessem abalado contigo para a Aldeia (sede da administração do concelho) o milagre (prometido já antes para 13 de Outubro) seria mais conhecido. Havia de vir S. José com o Menino Jesus dar a paz ao mundo.»
Em quinze de Setembro, no interrogatório acerca da aparição de treze desse mês, regista o pároco as seguintes palavras de Nossa Senhora: «Para o último dia há-de vir S. José com o Menino Jesus dar a paz ao mundo.» (DCF263. 264). Nestas promessas e visões podemos ver implícitas as seguintes realidades e afirmações:
1. Primeiro, Deus quis pôr em alto relevo a importância das três pessoas da Sagrada Família, em conjunto e cada uma delas em particular. De facto nesta aparição encontra-se S. José, o Menino, e também Nossa Senhora que se deu a ver, juntamente com eles, em Outubro, embora nas aparições de Agosto e Setembro se não tenha nomeado juntamente com seu Esposo e seu Filho.
2. Segundo, S. José e o Menino vêm abençoar e dar a paz ao mundo. Parece-me interessante este pormenor, que se repete três vezes, duas em promessa e uma em realização. S. José não aparece nunca nomeado sozinho, mas sempre com o Menino. É este pormenor que costumo referir às pessoas que às vezes insinuam que o Santuário de Fátima não põe em relevo suficiente a figura do Santo Patriarca. A elas respondo que, além de termos uma capela dedicada a S. José, temo-lo sobretudo no presépio permanentemente exposto em frente da Capelinha das Aparições. Aí ele está no seu ambiente perfeito, com Maria e o Menino. 
Claro que, como noto acima, nenhuma das três pessoas deixa de ser um indivíduo, capaz de ser representado como tal. De facto, Nossa Senhora apareceu sozinha nas seis aparições, o que algumas pessoas estranham, até porque, nos veneráveis ícones do Oriente, Ela é sempre representada com o Menino. Não vendo outra razão para esta expressão de singularidade, que aliás acontece noutras aparições, atrevo-me a aventar a explicação de que talvez a intenção divina fosse precisamente vincar a ideia, muito verdadeira, embora hoje já explorada em excesso, de que os membros de uma família não perdem a sua individualidade pelo facto de constituírem uma unidade. Sugiro-vos, a propósito, que tenteis ler, à luz desta realidade trinitária e unitária da Sagrada Família, a resposta de Jesus no Evangelho da Missa de ontem, terça-feira da semana XVI do Tempo Comum: «Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.» Parece-me indubitável que Jesus aponta aqui o alicerce mais vasto e sólido para qualquer novo salto de sã globalização: considera sua Mãe como tal, mas entende que o seu próprio amor filial é semelhante ao amor que O une a qualquer ser humano que, como Ele e Ela, faça a vontade de Deus.
3. Terceiro, é digno de atenção o facto de que, nas duas vezes em que prometeu esta vinda de S. José com o Menino à Cova da Iria, Nossa Senhora frisou que eles viriam para dar a paz ao mundo. Não é frequente os governantes manifestarem, nos seus diplomas legislativos e planos de acção, a convicção de que a paz entre os grandes grupos humanos, até às nações e às civilizações, depende da paz na família.
A paz, a verdadeira paz que nasce da verdadeira felicidade, só pode acontecer quando se consegue uma harmoniosa e difícil combinação entre as forças centrípetas e as forças centrífugas que comandam todos os seres do mundo. Pelas forças centrípetas o indivíduo procura conservar, preservar e defender os valores que tem e ainda usar da sua liberdade para anexar outros valores de fora que possam enriquecer a sua identidade, alargar o seu tempo e qualidade de vida, dar-lhe maior estabilidade; ao contrário, pelas suas energias centrífugas, o indivíduo procura em permanência sair para fora de si mesmo, expulsar o que lhe parece velho e ultrapassado, ligar-se a outros seres mais ricos, mais sabedores, mais poderosos, mais felizes, que o ajudem a realizar sonhos de liberdade recalcada, oprimida, e fonte de mal-estar.
O excesso de forças centrípetas traz ao indivíduo o risco de se enquistar num conservadorismo autista, solitário e suicida; o excesso de energias centrífugas condu-lo à perda de valores essenciais, à desintegração da sua identidade e, em última análise, também à morte suicida.
Ao comparar a família com as forças mais íntimas do universo material em que vivemos, e de que aliás fazemos parte, pretendo ilustrar este mergulho bastante abstracto com o facto de Nossa Senhora ter escolhido dois irmãos, e uma prima deles, para uma aparição tão importante como a de Fátima. Foram aliás essas as mesmas três crianças que tiveram a graça de aprender com um Anjo a adorar profundamente o mistério da Santíssima Trindade, o qual constitui para os cristãos o padrão de referência mais constante para toda a reflexão sobre a realidade da família e da sua relação com a paz.
O pai dos videntes Francisco e Jacinta Marto, quando lhe perguntavam por que razão Deus teria escolhido os seus filhos e não outros, de Aljustrel ou de outra terra, costumava responder: «calhou ser aos meus». A ele ficava-lhe bem aquela resposta humilde; mas nós acreditamos que Deus não faz as coisas por acaso, e por isso nos parece lícito procurar outra explicação. Por que razão então escolheu Deus três crianças, uma de dez anos, e dois seus primos, também crianças, um rapaz e uma menina?
Reconheço que, neste espaço aberto à imaginação, muitas respostas são possíveis e até plausíveis. Por mim, ouso a seguinte: Deus quis pôr em relevo a família; dentro da família as crianças; dentro das crianças tanto rapazes como meninas; quis além disso extravasar da família nuclear para os primos, que são os seus próximos mais próximos.
Nesta linha de interpretação, não deixa de ser curioso que as primeiras obscuras manifestações do Anjo da Paz, talvez em 1915, tiveram como protagonistas, além de Lúcia, outras crianças da mesma pequena aldeia.  Sei que posso estar a emaranhar-me no adágio dos filósofos «Quod nimis probat nihil probat», que se traduz por «o que prova demais não prova nada». Mas, numa reflexão sobre o lugar e papel da família nuclear, talvez estas saídas ajudem a alargar horizontes.
Retomemos então a nossa tentativa. Na hipótese, que é a nossa, de que o mistério de Fátima é um mistério divino, parece-me claro que Deus quis recordar-nos aqui alguns princípios que estão sempre mais ou menos em risco de serem esquecidos, com prejuízo para a felicidade, temporal e eterna, de cada um, e de todos os que constituem as pequenas e a grande família humana. Estes princípios são-nos ensinados pelas fontes da Revelação e já pela vivência da Humanidade nos muitos séculos que a precederam. Estes mesmos princípios vêm sendo apurados pela Igreja ao longo dos séculos, e foram objecto de solicitude por parte de alguns dos últimos papas.
Assim, eu diria que através da mensagem de Fátima somos convidados:
Primeiro, a vermos na Sagrada Família de Nazaré o exemplo que Deus nos dá do núcleo essencial de toda e qualquer sociedade que acredita ter em Deus o seu princípio e o seu fim.
Segundo, cada uma das três pessoas tem a sua individualidade própria, com uma vivência própria, que porém não consegue nem ter nem desenvolver sem a sua ligação familiar.
Terceiro, a família nuclear não se realiza convenientemente sem a família dos primos, e tem necessidade de prolongar-se sucessivamente aos outros vizinhos, até atingir a sua plena globalização na Humanidade inteira. Ou seja, ninguém pode ser indiferente a ninguém.
Quarto, a acentuação da família na mensagem de Fátima, aplica-se particularmente ao campo da instituição nuclear, quer dizer, os esposos e os filhos. É neste núcleo que se fundam todas as restantes sociedades e portanto é nele que antes de mais temos de exercer o nosso cuidado, o nosso desvelo, o nosso amor. Quando arrefece o amor na instituição familiar nuclear, ou primária, todo o amor cai por terra, todas as sucessivas sociedades se desintegram, e a globalização, à escala mais próxima ou universal, só poderá vir a gerar guerras, desintegração e ruínas.
Espero que o que acabo de dizer, podendo ter algo de novo pela referência à mensagem de Fátima, esteja em tudo conforme com o pensamento bíblico e eclesial.
Vós, famílias cristãs, tendes a nobre missão de dizer ao mundo estas verdades. Não vos faltam tentações. Dir-se-ia mesmo que as regiões cristãs, certamente por desígnios que não escapam à Providência divina, estão nos tempos modernos, entre as mais assoladas por tentações contra a natureza e dignidade da família. Talvez por isso também, é aqui que o acontecimento extraordinário de Fátima nos pode trazer a graça de uma atenção mais séria à vontade de Deus para o nosso mundo, e de uma participação mais eficaz nas necessárias correcções que o século XXI está a pedir. E assim termino, agradecendo a felicitando-vos uma vez mais por realizardes este congresso neste Santuário e no nonagésimo aniversário da sua fundação.
P. Luciano Guerra.   


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