20 de dezembro, 2022
Sagrado Lausperene cumpre-se no Santuário de Fátima desde 1 de janeiro de 1960“O Lausperene hoje representa tudo aquilo que nos falta, que é parar, é silenciar, estar diante de Deus, mas também diante de nós próprios e a partir daí dar um sentido mais profundo à nossa vida e ao nosso dia a dia”, diz irmã Amália Saraiva, Superiora da Comunidade de Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima.
O Sagrado Lausperene é uma capela sempre aberta, há mais de 60 anos para quem quer abrir o seu coração ao Senhor. As horas são marcadas por um compasso silencioso, de quem entra e sai, desde o dia 1 de janeiro de 1960. D. João Pereira Venâncio, então bispo de Leiria, comunicou aos peregrinos, no dia 13 de novembro de 1959, que depois do pontifical que iria celebrar, na passagem do ano para 1960, levaria o Santíssimo Sacramento para a Capela de Nossa Senhora do Carmo, dando início ao Sagrado Lausperene, adoração perpétua, dia e noite, em exposição solene, que tinha sido um desejo do seu antecessor. Depois de vários lugares, no dia 13 de julho de 2008, o Lausperene passou a realizar-se na Capela do Santíssimo Sacramento, localizada na Galilé dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, no piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade. As Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, presentes desde a primeira hora, acompanharam os vários lugares onde a adoração ao Santíssimo Sacramento se foi concretizando, concretizando assim o N.º 5 da sua constituição que diz: «Na celebração da Eucaristia e na Adoração Eucarística recebemos a luz e a força necessárias para viver a nossa entrega generosa a Deus e ao próximo». A Ir. Amália Saraiva, Superiora da Comunidade de Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima da Casa de Nossa Senhora das Dores, em Fátima, faz diariamente pelo menos uma hora de Adoração Eucarística, normalmente durante o período matinal. “Este momento tem um peso e um significado estruturante, no sentido que o Pe. Formigão afirmava que a eucaristia é o momento mais importante do nosso dia, e eu diria que a adoração é um prolongamento, no sentido da ação de graças, porque ali no contacto direto com Deus a minha vida organiza-se, não no sentido programático, mas no sentido de ganhar valor e orientação, serenidade, e ganhar o espirito com que se vai viver o resto do dia”, explica a religiosa, em entrevista ao jornal a Voz da Fátima. Num mundo cheio de desafios e solicitações, “o Lausperene hoje significa o essencial, ou seja, representa tudo aquilo que nos falta, que é parar, é silenciar, que estar diante de Deus, mas também diante de nós próprios e a partir daí dar um sentido mais profundo à nossa vida e ao nosso dia a dia”. Pessoalmente, a Ir. Amália considera que a adoração a ajuda a “organizar e a reorganizar” a vida, “muito por esse espaço de silencio, de encontro”, e por esse motivo “temos de abrir possibilidade para que Deus se faça voz em nós, e escuta-Lo, e a adoração é reconhecer essa presença, e com tantas exigências que a nossa rotina tem é fácil esquecer essa presença, e daí a necessidade de parar, ter um tempo longo na presença de Deus”. “É necessário deixar entrar Deus em nós desta forma pacificada, oposta à revolução que assistimos através dos telejornais, das redes sociais”, pois “a paz e serenidade permite-nos analisar as coisas de forma profunda, e nesse sentido a adoração e seu significado remete-nos mesmo para o essencial, para o que precisamos”. Esta religiosa, acredita que as pessoas que frequentam o Sagrado Lausperene “procuram esse silencio, essa paz”. “Quantas vezes as pessoas chegam até nós, entregam-nos papelinhos, pedindo-nos para rezar por determinada intenção, e aquilo que leio são revelações de preocupações, angústias, e a turbulência que trazem consigo e que muitas vezes não são capazes de verbalizar ali”, conta. Muitas vezes quem vai à Capela do Santíssimo Sacramento, sem dados empíricos, “são pessoas que guardam em si alguma inquietude, e muitas permanecem como nós em silêncio, e outras choram, oiço esse choro, e isso inquieta-me, porque a adoração não é um momento intimista ou ego centrado, é sim um momento que nos expõe diante de Deus e nos tira do nosso conforto, porque não vamos ali só por nós, vamos ali também por todos os que temem ali estar”. “Não sabemos até onde vai a influencia da nossa adoração, que não é nossa no sentido restrito e fechado, é de todos”, acrescenta a Ir. Amália Saraiva, com os jovens no pensamento. Desde que o Papa Francisco anunciou que a Jornada Mundial da Juventude ia acontecer em Portugal, “que somos convidados a rezar de forma mais intensa por todos os jovens, e essa é a melhor forma de os ajudar”. “É muito difícil para a Igreja comunicar com os jovens, porque nós não estamos nos lugares onde eles frequentam, sejam locais físicos ou digitais, e não usamos o mesmo tipo de linguagem”, lamenta a religiosa, que acredita que o grande desafio “é criar uma pedagogia da comunicação, mas não sabemos como fazê-lo”. Assim, diariamente a Ir. Amália tem os jovens nas suas intenções “de uma forma amorosa e terna”, pois afirma que “não é fácil mostrar que o encontro íntimo com Deus, lhes poderia fazer bem”. “Não é fácil tirá-los de um mundo que se lhes impõe, paulatinamente Deus foi banido das sociedades, foi excluído da nossa linguagem e da nossa vida”, alerta ainda. A Capela do Santíssimo Sacramento, é dos lugares mais discretos e reservados do Santuário de Fátima. Paradoxal às multidões orantes, é um sítio onde o silencio e a entrega estão juntos, com o propósito de dar lugar primordial a Deus, no coração de cada um que ali vai. Ilda Menezes, coordena o grupo de voluntários que asseguram a adoração noturna, mas faz Adoração eucarística há mais de 20 anos. Começou com o turno das 23h00 às 24h00, e na primeira vez, “como experiência, recordo o toque interior que senti, foi algo muito decisivo para mim, como se fosse uma resposta a um anseio que eu tinha”. Originária da Ilha da Madeira, é dona de um percurso feliz e vive em Fátima há 24 anos. “Adorar o Senhor é necessário, uma vez que é o nosso dever para com Ele, coloca-Lo em primeiro lugar”, considera, dizendo mesmo que “esta descoberta de Deus na nossa vida, é uma experiência feliz de intimidade com Ele, e é imprescindível à vida de quem se diz cristão e deseja conhecer Deus”. “Ninguém se pode desculpar que não tem tempo, o Senhor está exposto 24horas, todos os dias e cada pessoa pode estar ali o tempo que puder, que sentir, de forma livre, ninguém é excluído”, explica. Quando questionada quem são os voluntários que durante a noite acompanham o Senhor, conta que são pessoas “simples” que querem “descobrir e ter Deus na sua vida, e transportam isso para a sua rotina”. “Às vezes é difícil começar, mas começando devagarinho, o Senhor cativa”, conclui. O diretor do Departamento de Liturgia do Santuário de Fátima, o Pe. Joaquim Ganhão, lembra que a mensagem de Fátima tem uma “marca claramente eucarística desde o início”. “Esta dimensão está muito presente em toda a espiritualidade dos Pastorinhos, contemplar Deus, consolar Deus, sobretudo o Francisco”, diz, explicando que na vida do Santuário, a adoração eucarística é um prolongamento da eucaristia. O Santuário de Fátima tem pelo menos sete celebrações eucarísticas diariamente, e “temos a consequência destes momentos, que é a presença real e continua do Senhor”, e por isso “desde cedo instituiu o Louvor Permanente, que é no fundo um convite a fazer companhia ao Senhor em oração”. Este momento de oração, “é um modo de concretização de espiritualidade, que Nossa Senhora aqui nos convidou, pois passa por aqui toda a vida da Igreja e do Mundo, e nada do que está presente no coração do Homem, é estranho ao coração de Deus”. “A adoração eucarística é antes de mais uma atitude interior”, alerta o sacerdote, explicando que “não chega estar calado, é preciso estar sintonizado com o silêncio orante, um silencio rendido a Deus”. “Há muitas vezes um silencio físico que não é um silencio interior, de como quem quer impor a Deus a sua agenda”, num mundo cheio de solicitações, “mais grave que o ruido exterior, é o ruido interior, de quem já não consegue parar, e por isso a capela do Sagrado Lausperene pode ser um espaço de apaziguamento interior”. Esta capela tem 200 lugares e é acessível durante a totalidade do dia, a partir da Galilé dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo. O ostensório, de prata, é da autoria do escultor Zulmiro de Carvalho e data de 1986. |