19 de junho, 2009

Congresso Francisco Marto Crescer para o Dom 18 a 20 de Junho de 2009
Este Congresso assinala o centenário do nascimento do pequeno vidente e beato Francisco Marto. Para tal, o Santuário quis apresentar diversos olhares sobre a figura singular e tão simpática desta criança. O congresso pretendeu olhar para o(s) Pastorinho(s)e para o respectivo contexto nas suas implicações religiosas e humanas. Isto colocou como um dos métodos principais do congresso o da interdisciplinaridade, ainda que tal exercício não tenha de modo nenhum sido exaustivo. Mas em última análise, o que levou a realizar este encontro interdisciplinar foi o próprio estatuto paradoxal de uma criança na condição de destinatária de uma revelação particular, da qual sucede o acolhimento desse dom. Isto mesmo foi recordado no lançamento do congresso, na medida em que as autoridades eclesiásticas tiveram uma primeira reacção negativa aquando da entrega do pedido do processo em Roma, à semelhança da reacção dos discípulos que recusam as crianças a Jesus. Tendo as aparições como protagonistas crianças, o que é que faz a revelação a estas crianças (em particular ao Francisco) ao ponto de ser(em) considerado(s) digno(s) dos altares? E quais os ensinamentos hoje que nos deixa o Francisco acerca de Deus e acerca da humanidade, sendo que logo à partida Francisco apresenta uma fé muito aguda e centrada no mistério de Deus, com uma profunda consciência da hierarquia das verdades da fé?
Para responder a estas questões, o Congresso partiu “de baixo”, da realidade do dom e da própria vida do Francisco para repropor uma “nova ingenuidade”, conceito com particular incidência na linguagem da fé e na experiência mística e espiritual do Francisco. Ficou vincada suficientemente a imagem do Francisco como alguém seduzido a partir de um dom à boa maneira dos místicos encantados e surpreendidos pelo excesso de Deus, como também ficou suficientemente vincada a crítica desta experiência a muitas pseudo-experiências da sociedade contemporânea da gratificação imediata onde muitas vezes não é deixado espaço às experiências verdadeiramente construtoras do Eu, da ipseidade (sociedade na qual o homem é construído hoje sobretudo a partir de fora mas não a partir de dentro). As concepções do dom e da alteridade permitem (re)pensar toda a linguagem da experiência do Francisco de um modo supra-racionalista, verificacionista ou confirmatório, na medida em que uma sadia fenomenologia do dom e da alteridade (precisamente porque parte do real e não da ideologia ou dos esquemas que a interpretam) lê a realidade na sua manifestação e não segundo esquemas que lhe sejam impostos. A vida d(o)ada do Francisco, vivida em doação precisamente porque lhe foi dado o Dom, foi assim lida a partir da fenomenologia de Jean-Luc Marion, Lévinas e de Michel Henry (sobretudo) enquanto intérpretes do nosso tempo e daquilo que constitui a pessoa – a experiência originária da separação que permite ao Eu a distância necessária que o liberta e lhe dá espaço para crescer, para ser pessoa. Este distanciamento que o Francisco viveu instaurou uma circularidade afectiva que lhe permitiu ganhar interioridade. O Francisco cresceu porque se separou, porque contemplou. A separação por excelência é então o distanciamento (que não é sinónimo de afastamento). Francisco é de poucas palavras porque se deixou seduzir pela luz tal como os místicos, separou-se para contemplar essa luz que é Deus, e assim ganhou interioridade. Esta figura mística foi por isto lida franciscanamente como alguém que ajuda a descobrir a paternidade de Deus numa relação de conaturalidade e de graça à maneira de Jesus, e não segundo uma lógica abstracta do dever representada em João Baptista. Daqui foram apresentados alguns desafios para a reflexão da fé cristã e para a pastoral: a redescoberta da imagem de Deus como Pai no seio de uma relação de afectividade, a reintegração da infância na linguagem da fé e na linguagem espiritual como espaço de acesso à alteridade e à transcendência (logo lugar teológico), a necessidade de insistir no crescimento para o dom como grande tarefa da educação da fé, e a reformulação da linguagem sacrificial como doação e libertação e não apenas do lado do esforço (à maneira moralista rabínica).
A reproposição desta nova linguagem continua na apresentação do reino como infância espiritual e não como território nem exclusividade étnica de um povo. Aqui a infância foi equiparada evangelicamente ao reino, o mesmo é dizer, a um progresso para Deus. Se o reino é para as crianças, então a infância torna-se numa ética transfigurada, e neste sentido assume cabalmente o desenho de uma vocação a ser filho de Deus, um chamamento a viver esta relação de dependência ao Pai (relação tão difícil na cultura contemporânea).
De seguida foi visitada a experiência antropológica que está na base desta vocação e que lhe dá encarnação. A vocação a esta infância espiritual foi pensada a partir da abertura proporcionada pelo som já no período intra-uterino. Assim, o som foi apresentado como a experiência humana e musical – aquela primeira porta de entrada no mundo e garante de sobrevivência. O som permitiu ao Francisco a superação da condição material nossa de viventes, e a imersão no som da criação, no som da alegria ecoado no seu pífaro, e nos sons do Espírito. O Francisco foi lido a partir da experiência absolutamente humano do crescimento musical através de diferentes sons, silêncio incluído, o que faz das experiências dos sons que o Francisco ouvia experiências espirituais, experiências de acesso à imaterialidade.
Mas um outro espaço que a criança escuta outras sonoridades é o espaço da família, tema que não deixou de ser focado. A família foi também para o Francisco berço de espiritualidade, porque já na ordem da criação a família é algo que cria algo novo fazendo dela um local novo que cria algo novo, mesmo proporcionando securização das relações (segurança e estabilidade para as significações das coisas). Esta criação de algo novo foi recordada como acontecendo no seio das actividades mais maçadoras dos primeiros anos de vida, mas sendo aí que ganhamos as mais importantes significações.
Dr. José Carlos Carvalho, Universidade Católica Portuguesa
 
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