10 de setembro, 2007


 
A Peregrinação Internacional Aniversária de Setembro foi presidida por D. Manuel Clemente, bispo do Porto.
Teve o tema: "Prefiro a misericórdia ao sacrifício" (Mt 9, 13)
A festa de Deus é o regresso dos pródigos
O sentimento da misericórdia, sublinhou o bispo do Porto na homilia da Eucaristia da manhã de 13 de Setembro, exige que se “corrija o culpado, se repare o mal realizado e se protejam as pessoas, sobretudo as mais fracas”.
Quem tem a consciência da misericórdia divina “cresce em motivação para ajudar os outros e não desistir nunca de ninguém, por mais sancionável possa ser”, afirmou o prelado.
Num apelo a uma misericórdia sem rancores, D. Manuel Clemente sublinhou que “Cristo e o seu Evangelho estão no mundo há 2 mil anos, mas há ainda muito a fazer a partir deles para o triunfo da misericórdia”. D. Manuel Clemente pediu uma “grande misericórdia para o mundo e a recuperação global de tudo e todos”.
O bispo do Porto afirmou a importância de “que em toda a educação, familiar, particular ou pública se faculte positivamente às novas gerações o conhecimento da herança sapiencial e religiosa da humanidade, em que a consciência se preencha com um legado bastante sólido para poder ser verdadeiramente livre e responsável”.
O mundo repete “rancores e violência, egoísmo e exclusão, desinteresse e desistência”, onde mesmo que surjam novos nomes “se aplicam a pecados velhos, que só a misericórdia consegue ultrapassar”, indicou o Bispo do Porto.
O trabalho é “grande, muito grande, por isso o espírito de Deus é que nos muda os corações, com misericórdia, benevolência e caridade”.
“A festa de Deus é o regresso dos pródigos”, finalizou.
No ano em que em Fátima se celebram os 90 anos das aparições de Nossa Senhora, o Bispo do Porto apelou a todos para que “nesta festa se escute Nossa Senhora, se apele à conversão dos pecadores e dos que precisam”, pois “há uma festa divina a alargar ao mundo”.
No final da Eucaristia, D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, sublinhou que "a razão pela qual vale a pena viver e caminhar ao longo da vida é Deus no seu amor misericordioso". Dirigindo-se aos peregrinos nos vários idiomas, o Bispo de Leiria-Fátima desejou a todos um regresso a casa “com coração renovado, sereno e cheio de paz”.
Setenta e quatro grupos de peregrinos, oriundos de 17 países, procederam ao seu registo no Serviço de Peregrinos como participantes na Eucaristia do dia 13. Destaque-se neste grupo de peregrinações o elevado número de grupos de Itália, num total de 24, e também de doze grupos de peregrinos vindos da Alemanha.
No momento da oração dos fiéis, durante a Eucaristia internacional de 13 de Setembro, os peregrinos em Fátima rezaram pelo Santo Padre e também para que "a certeza da imortalidade futura e a esperança na ressureição prometida, projectando uma luz nova sobre o mistério do sofrimento e da morte, infundam no coração dos crentes a forma para se abandonarem ao desígnio de Deus".
"Para que o Pai celeste atraia a Cristo Salvador, com a força e a suavidade do Espírito, os que vivem na dúvida ou na indiferença", foi outra das intenções.
De acordo com informação da Secretaria dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima, durante os dias da Peregrinação Aniversária de Setembro, até às 13h00 do dia 13, foram atendidas no Posto de Socorros do Santuário 95 pessoas. 138 peregrinos foram acolhidos no Lava-Pés. Confessaram-se 1284 fiéis e 2014 cumpriram as suas promessas.
Na Eucaristia do dia 13,  receberam a Bênção do Doente 178 pessoas.
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Homilias de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, proferidas durante a Peregrinação de Setembro 2007 no Santuário de Fátima:
Homilia de 12 de Setembro

Amados irmãos e peregrinos do Santuário de Fátima, neste Setembro, aniversário das aparições de Nossa Senhora:
Têm as peregrinações esta natureza única de, realmente, nunca se repetirem. Manifestando devoção, têm o tempo do coração, que se fixa sempre no primeiro apelo. Cada vez que aqui vimos, a este sagrado recinto em que o Céu tocou a terra, é como se nos redescobríssemos onde afinal já estamos: no regaço da Mãe, ao encontro de Cristo e da Trindade Santíssima.
Passam os anos, cansa-se mais o corpo, diminui o alcance dos olhos, somam-se porventura os cuidados e desgastes… Mas aqui tudo remoça, duma juventude eterna que refresca mil velhices: refiro-me à juventude de Deus, permanente começar e recomeçar das coisas, fonte cantante de surpreendente vida, sempre surpreendente...
E é por isso também, irmãos e irmãs aqui reunidos nesta vigília tão desperta, fulgurante de velas de cera e de espírito, que tudo quanto a Deus respeita nos soa agora como se o ouvíssemos pela primeira vez. Começando pela sua palavra, que acabámos de escutar.
Sim, irmãos peregrinos, a palavra de Deus é Deus comunicado, garantindo-se assim na imensidão da fonte. Aprendamos então:
Porque é de aprender que se trata, segundo a ordem de Jesus. Ouvimo-la: “Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’. Porque eu não vim chamar os justos mas os pecadores” (Mt 9, 13). “Ide aprender!”, é ordem de Deus incarnado, para ser ainda melhor escutado, compreendido e obedecido. Pois aqui estamos, para que Nossa Senhora, constante Sede da Sabedoria divina, nos ensine o que ela mesma aprendeu e há noventa anos aqui mesmo recordou, nesta bendita Cova da Iria.
Aprender, finalmente, que em Deus, a misericórdia, antes de ser acção é verdadeira natureza, modo íntimo de ser e, por isso, definição cabal.
- Parece simples, esta primeira lição? Todos constatamos que o não é. Porque, se o fosse, há muito que a Igreja toda e aquela porção que formamos dela, família a família, comunidade a comunidade, muito melhor viveria a lição oferecida por toda a revelação bíblica, sobretudo quando finalizada na vida, morte e ressurreição de Cristo. Mas ainda tarda. Tarda em nós, esta aprendizagem concreta do Deus-misericórdia, que em cada uma das sagradas páginas se narrou para ser lembrado e convivido, para a salvação do mundo.
Não quero, nem por sombras, ser crítico ou rebarbativo, pois desse modo nem sairia da minha própria consciência. Mas deixai-me, caros peregrinos de Deus, fazer em voz alta esta urgentíssima pergunta: - Será que, quando penso em Deus, O penso, espontânea e primeiramente como misericórdia e amor compassivo, em relação a tudo e a todos? Ou será que nem sequer penso em Deus a partir d’Ele e das páginas bíblicas em que se revela, mas sim a partir de mim, agigantando muito os meus próprios sentimentos, quando não ressentimentos? E, a esta luz, ou antes obscuridade, perguntemo-nos ainda se muito do ateísmo dos outros não corresponde ao escasso teísmo nosso, ou à deformada imagem que damos do Deus verdadeiro, a que tão demoradamente nos convertemos.
Sim, é-nos também dirigida esta noite a ordem estrita de Jesus: “Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício1’”. E como haveria Deus, suma bondade, verdade e beleza, de preferir outra coisa senão aquilo que Ele mesmo é, criando-nos a todos, para o fruirmos também? Deus prefere a misericórdia, porque nela se define e nela como que infindamente se resume.
- E como falou de Deus a “Mãe de Misericórdia”, quando aqui nos exortou, sobre os braços da azinheira? Essencialmente como de Alguém inconformado, por nos perdermos pelo pecado, que é sempre e só outro nome do desamor e da não-misericórdia.
Sejamos concretos, irmãos peregrinos, sejamos concretos, precisos e eficazes: entre agora mesmo cada um pela porta do seu coração e da sua consciência e verifique bem lá por dentro o que tem ou não tem, em relação a Deus e ao próximo. Sonde cada um a luz e a sombra que lá estejam, repassando de olhar interior cada rosto mais ou menos estimado, cada encontro e cada desencontro, cada desejo e até cada aversão. E isto, irmãos e irmãs, sem andar depressa nem desistir de si mesmo ou de alguém. Porque mais acima, irradiando do Alto e jorrando dos Corações de Cristo e de Maria, novamente acolhida por corações plenos da infância espiritual dos Pastorinhos, a misericórdia nos toca e nos cura, como dom imenso desta hora bendita.
Não será de súbito, mas será eficaz, esta conversão a Deus-misericórdia. Da eficácia a que chamamos mais propriamente graça, acção gratuita da bondade divina. Não a merecemos, nem a ganhamos por qualquer sacrifício exterior e formal, como os que Jesus afastava no trecho que ouvimos. Há-de induzir-nos, isso sim, ao novo sacrifico da oferta dos corações e das vidas, entregues com Jesus ao Pai, como o Espírito nos possibilitará fazer de seguida, na sagrada Eucaristia.
Como o Espírito nos possibilitará fazer… Sim, o Espírito que nos transmite os sentimentos do Pai e de Cristo. O Espírito suave e fortíssimo, que tudo refaz na misericórdia divina, desde que encontre em nós algo da absoluta disponibilidade que encontrou um dia na jovem Virgem de Nazaré. Nela o Espírito pôde começar a recriação do mundo, na humanidade que ela cedeu ao Verbo eterno do Pai. Era um coração imaculado, era a sua verdade original e inteira, a da Imaculada Conceição. Connosco, o trabalho do Espírito de Deus terá de começar pela correcção profunda duma natureza que não nos chegou imaculada. Por isso o baptismo que tivemos, por isso a penitência que de algum modo o recupera e sempre aprofunda. Trabalhos de Deus, afinal, trabalhos do Pai, do Filho e do Espírito, para que o nosso coração possa aproximar-se do de Maria, na disponibilidade e correspondência cabal à misericórdia divina, que é a salvação do mundo. Deste nosso mundo, próximo ou global.
Trabalho da Igreja também, de todos nós que escutamos a Palavra, actualizada pelo Espírito em cada sacramento e circunstância, difundida e partilhada em toda a caridade solidária. Para que do Deus-misericórdia renasça um mundo misericordioso, por acção dos discípulos de Cristo. Misericórdia divina nos discípulos de Cristo, que possam dizer hoje aquilo mesmo que um inolvidável Concílio Ecuménico disse há mais de quatro décadas e todos deveríamos saber de cor. Deixai-me repeti-lo como se proferisse uma oração, certo de que a Mãe de Misericórdia, Senhora da Visitação, gostará também: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo as dos pobres e de todos os aflitos, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco no seu coração” (Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Guadium et Spes, nº 1). O coração de Deus, o coração de Maria, o nosso coração, unidos numa única e activa misericórdia, para com tudo e todos, sempre.
Desígnio grande, na verdade, que comove e preenche todo o coração generoso: os vossos corações, queridos peregrinos! Mas que tem um requisito prévio, um só e inevitável, a nossa conversão. Exige de cada um a decisão firme de reconhecer o que lhe falta, emendar o que o deforma e acolher inteiramente a acção da graça. Diante da proposta divina, Maria respondeu com a sua verdade: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Nós teremos de responder, nesta noite e sempre, com a verdade de cada um, onde encontraremos resistências que Maria não tinha nem admitia. Mas também confiados na palavra de Deus, que nos recria em misericórdia.
Deixai-me repetir: Deus recria-nos mesmo, quando O deixamos tocar as nossas vidas, com o fogo do seu amor. Ouvimo-lo a São João ainda há pouco: “Se confessamos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a iniquidade” (1 Jo 1, 9). Pequeno trecho para dizer tantíssimo! Mas certeza absoluta do poder de Deus, da sua única intenção, da sua única alegria até. Assim é, amados irmãos, porque a alegria de Deus é que vivamos; e o seu comprazimento é que afastemos tudo quanto nos amesquinha e destrói. Ouvimo-Lo a Ele mesmo, ao Deus-misericórdia, bradando pela voz do profeta: “pois Eu não me comprazo com a morte de quem quer que seja. Convertei-vos e vivei!”.
Irmãos peregrinos: a nossa celebração agora, a nossa vigília atenta, é a resposta, grata e decidida, à mesma exortação divina, reactivada aqui pela “Mãe de Misericórdia”. Como no coração de Maria, é agora neste coração da Serra de Aire em que vigiamos todos, que a misericórdia divina encontrará correspondência plena para que o eterno desígnio se cumpra: um mundo de Filhos de Deus, um mundo de irmãos verdadeiros! Que não seja por nenhum de nós que demore o seu cumprimento.

+ D. Manuel Clemente
 
 
Imagem de Nossa Senhora de Fátima, com a nova cruz alta ao fundo
 
Homilia de 13 de Setembro de 2007:
Amados irmãos, peregrinos de Fátima neste aniversário feliz das aparições de Nossa Senhora:
Bem escolhido foi o tema da peregrinação de Setembro, lembrando a preferência divina, presente nos dois Testamentos, pela boca de Oseias e na do próprio Filho de Deus: “Prefiro a misericórdia ao sacrifício”!
Verdadeira peregrinação, sabemos bem, é a que fazemos no Espírito de Cristo até ao Pai, em quem todas as coisas se definem e culminam, como sentimento correcto e atitude certa. Por isso mesmo, nenhuma peregrinação dará bom fruto se não nos fizer coincidir mais e melhor com o desígnio divino, a sua preferência, digamos.
Reside aqui, talvez, a maior dificuldade das nossas vidas. Relendo lições antigas, podemos dizer que mantemos sempre, no mais fundo de nós mesmos, a imagem divina, própria de criaturas inteligentes. Mas a semelhança, no que respeita à consciência recta e aos propósitos certos, essa é arduamente adquirida, e apenas porque, em Cristo, o Pai no-la restaura e ultima, pelo poder recriador do seu Espírito. Também pela cooperação d’Aquela que, sendo nossa é sobretudo de Deus, a Virgem Maria, que em tudo nos esclarece e ensina no que ao cumprimento integral da vontade de Deus diz respeito, na correspondência completa à sua misericórdia.
Estas coisas podem parecer difíceis e certamente o são. Estranhas até, quando afinal são as mais absolutamente nossas, em busca do que havemos de ser. E foram explicadas pela Mãe de Cristo, quando aqui mesmo, sobre os braços da azinheira, as disse aos Pastorinhos de Fátima: que Deus não se conforma com os nosso descaminhos, que Deus quer a salvação de todos e requer a cooperação de muitos, que também não desistam, pela oração e pela caridade, da salvação dos outros. Tão simples como isto, tão imenso como tarefa, só no Espírito Santo possibilitada.
O trecho de Oseias, retomado por Jesus, começa com uma importante exortação: “Conheçamos, esforcemo-nos por conhecer o Senhor […]. Porque Eu quero a misericórdia e não o sacrifício, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos” (Os 6, 3.6). Quer isto dizer que conhecer a Deus é conhecer a sua misericórdia; misericórdia que O define e sempre manifesta. Podemos resumir com Santo Agostinho, como o fez o Santo Padre na sua encíclica: “Se vês a caridade, vês a Trindade” (Deus caritas est, nº19).
Quando esta verdade vai tomando conta dos nossos critérios mais íntimos e essenciais, bem como das nossas atitudes e relações, podemos falar de autêntica conversão, como a Senhora a pediu aqui, encontrando nos Pastorinhos uma resposta tão convincente e tocante. Quando tal não acontece, continuamos passíveis da reprovação de Deus, prolongada do profeta a Cristo, em relação a quantos se ficavam por um culto ritualista e formal, sem nenhuma compreensão dos sentimentos divinos nem participação na sua activa misericórdia.
Cristo e o seu Evangelho estão no Mundo há dois mil anos: convenhamos que ainda há muito a fazer a partir deles, para o triunfo da misericórdia. Temos a promessa da Senhora: “Por fim o meu coração triunfará!”. Comprometamo-nos todos, neste nonagenário das aparições e da mensagem, a apressar o triunfo do Coração de Maria, na sua convergência absoluta com o de Cristo, o de Deus. Uma grande misericórdia a alastrar no mundo, a recuperação global de tudo e todos.
Digo recuperação e não mero esquecimento ou inconsciência. A misericórdia divina não nos esconde a verdade nem nos dispensa da reparação. Mais ainda, é exactamente por ser Ele mesmo a misericórdia absoluta que o próprio Deus nos evidencia que ainda a não somos, nem nos sentimentos nem nas relações. Se a história da salvação não tivesse rasgado clarões de luz sobre Deus, quase nada saberíamos sobre nós mesmos, e, sobretudo pouco teríamos progredido quanto à dignificação própria e alheia.
Lembremos, a propósito, que os antigos autores cristãos não tiveram dificuldade em integrar algumas intuições de filósofos pagãos, neste ponto do lugar e destino do homem e do universo. Tal sabedoria extra-bíblica tinha geralmente referência religiosa, isto é, juntava procura humana e sondagem divina, em reflexão aberta. Isto para dizer como é importante que em toda a educação, familiar, particular ou pública se faculte positivamente às novas gerações o conhecimento da herança sapiencial e religiosa da humanidade, em que a consciência se preencha com um legado bastante sólido para poder ser verdadeiramente livre e responsável.
Especialmente no que à misericórdia diz respeito. Uma misericórdia que oriente sempre a própria justiça. Manda-nos esta dar a cada um o que lhe é devido; exige também que se corrija o culpado e se repare o mal realizado. Pressupõe igualmente que se protejam as pessoas, sobretudo as mais frágeis. Mas, não é difícil concluir que, quem tenha consciência da misericórdia divina e do destino eterno de cada ser humano, cresce em motivação para olhar pelos outros, não se desinteressar do seu progresso e eventual correcção e não desistir nunca de ninguém, por mais sancionável que possa e deva ser. E há-de fazê-lo, certamente, movido por um sentimento de inabalável bem querer, ao próprio pecador, que só na paternidade divina se revela e sustenta. Naturalmente, por assim dizer, os pais sabem o que isto é em relação aos seus filhos, e os verdadeiros amigos sabem-no também. Na última e evangélica ordem das coisas, souberam-no sempre os discípulos d’Aquele que morreu a pedir perdão para os seus algozes, nem aí desistindo deles. E foi este amor divino, que proclama a misericórdia sem iludir a justiça e a reparação, que a Mãe de Deus mais incutiu no coração dos Pastorinhos, com tão extraordinária consequência.
Nem outra coisa nos disse o Apóstolo, pondo na misericórdia divina a nossa regra e padrão: “Sede bondosos uns para com os outros, compassivos; perdoai-vos mutuamente, como também Deus vos perdoou em Cristo” (Lc 15, 32). Não nos pareça demasiado, porque em Cristo já foi realizado e oferecido. É essa mesma a herança da Páscoa de Cristo, em que começamos a ressuscitar, começando por sentimentos novos, os únicos que renovam um mundo velho demais, onde monotonamente se repetem rancores e violências, egoísmos e exclusões, desinteresses e desistências. E mesmo que surjam novos nomes, aplicam-se a pecados velhos, num círculo vicioso que só a misericórdia conseguiria ultrapassar.
Mas Jesus, irmãos, sempre Ele, sabe explicar-nos estas coisas como ninguém Explica-as a partir de Quem só Ele conhece. Explica-as a partir do Pai. Ouvimo-lo a contar a parábola chamada do “filho pródigo”, mas muito melhor designável como do “Pai misericordioso”. Não é preciso resumi-la, porque a sabemos de cor. Mas permiti que insista na frase final do Pai, explicando ao filho mais velho a razão da sua atitude tão benévola, que tudo esquecera do mais novo, para o receber por fim: “Tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado” (Lc 15, 32).
        A partir daqui, amados irmãos, que ninguém tenha dúvidas sobre a autêntica qualidade de Deus; que ninguém hesite sobre a sua única alegria. A festa de Deus é a recuperação de cada uma das suas criaturas livres, que precisamente se libertam na comunhão com o seu Criador e Pai. Para isso nos envia o verdadeiro “irmão mais velho”, não o da parábola, desinteressado e até com algum despeito em relação ao regresso do pródigo, mas Cristo, Filho eterno e irmão de sempre para todos os perdidos que sejam.
        Caríssimos peregrinos, o trabalho é grande. Por isso mesmo é essencialmente do Espírito de Deus, que nos mudará os corações no mais íntimo deles, pondo misericórdia, benevolência e caridade onde tantas vezes há egoísmo, rancor ou desprezo. Não nos esconde Ele a negatividade do pecado, antes nos faz senti-la ainda mais como trágica realidade. Mas não nos deixa desistir de ninguém, nem sequer de nós próprios, porque nos toca com a imbatível amor de Deus, por todos e cada um. A festa de Deus é o regresso dos pródigos.
        Festa de Deus, alegria verdadeira, neste ano aniversário das aparições de Fátima, é também escutarmos Nossa Senhora, como a escutaram os Pastorinhos e dedicarmos a vida e o coração à recuperação de todos, à conversão dos pecadores, àqueles que mais precisarem.
        Aí está Deus e o seu Cristo, aí está Maria e aí estaremos nós. Porque há uma festa divina a alargar no mundo.
         + D. Manuel Clemente
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