07 de junho, 2009

II CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE DESTINOS RELIGIOSOS
V CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIDADES-SANTUÁRIO
 
MESA REDONDA – 16:30
 
“ACOLHIMENTO DE PÚBLICOS DIFERENCIADOS EM LUGARES SAGRADOS”
 
1.      INTRODUÇÃO
 
Juntamente com os lugares de interesse exclusivamente turístico, os santuários ou lugares sagrados, são pontos de convergência de multidões muito heterogéneas. A diversidade das línguas, etnias, nacionalidades, culturas, religiões, perspectivas e interesses, aparecem ali e são, por isso, um facto incontornável.
Sabemos que os lugares sagrados são maioritariamente visitados por pessoas e grupos portadores de um primário interesse e motivação religiosa. Mas sabemos também que esse interesse e motivação não é exclusiva, o que dá, à partida, origem a uma imensa variedade de públicos.
Mesmo os públicos portadores de motivação religiosa oferecem muitas nuances: há os que chegam repletos de desejo de entrar no lugar, marcados pelo mais puro desejo de identificação com a índole do lugar; há os que chegam com perspectivas religiosas completamente distintas, em consequência da ignorância religiosa ou de uma falsa compreensão do lugar e do fenómeno a ele associado; há ainda os que chegam à procura de um contacto vago com o transcendente ou com uma vaga dimensão espiritual da vida, com ou sem consciência clara da pertença a uma Igreja ou a um credo; chega, inclusivamente, cada vez mais, o mundo do sincretismo religioso, para o qual não importam os credos nem a dimensão institucional das entidades religiosas, mas simplesmente a possibilidade de contacto com qualquer manifestação do divino através dos gestos e ritos de valor religioso.
 
2.      O CASO DE FÁTIMA
 
O ponto de vista subjacente à minha intervenção é o de um sacerdote que trabalha no Santuário de Fátima, um dos muitos lugares sagrados do mundo católico.
É grande a variedade de públicos que anualmente visita este lugar. Segundo as estimativas não científicas realizadas pelo nosso Serviço de Peregrinos, serão cerca de quatro milhões e meio os que anualmente visitam o Santuário de Fátima.
Alguns índices podem ajudar-nos a compreender este número:
Em 2008, participaram nas missas celebradas no Santuário (oficiais e particulares), 4.223.131 pessoas; participaram em outras celebrações 3.235.563 pessoas.
Anualmente os visitantes de Fátima provêm de cerca de 100 países, destacando-se em número os grupos provenientes da Itália, Espanha, Estados Unidos da América, Polónia, Brasil, Alemanha, Coreia do Sul, Irlanda, Ucrânia…
 
Peregrinos organizados em grupo
Para além dos números e das proveniências, importa referir as circunstâncias em que as pessoas chegam ao Santuário de Fátima, pois a vida de um Santuário é marcada por ritmos diversos, consoante nos encontramos no período das grandes festividades, e das datas mais relevantes ou no correr do ritmo comum, em época baixa de afluência.
Nos dias das grandes peregrinações chegam muitas pessoas organizadas em grupos que podem ascender a mais de uma centena. Trazem um programa maioritariamente de carácter religioso e pretendem participar nos principais momentos da celebração litúrgica e comemorativa dos motivos e acontecimentos fundantes do lugar. Para além disso, prevêem também uma parte do programa dirigida directamente ao grupo, com momentos de oração, meditação, celebração e inclusivamente outros de carácter mais cultural, na região ou no país.
Nos grandes dias de peregrinação aniversária, chegam largas dezenas de milhar de peregrinos, que podem ascender a cem, duzentos ou trezentos mil. Chegam de todas as partes, maioritariamente de Portugal, e com as mais díspares motivações, embora quase sempre de carácter religioso, num sentido muito lato do termo.
Nestes dias das celebrações anuais ou mensais, há uma linguagem própria de cada lugar, que fala por si. Os rituais normalmente muito estandardizados, já conhecidos de muitos visitantes e novidade para muitos outros, constituem uma linguagem ao mesmo tempo verbal, visual, emocional, capaz de exprimir a mensagem central do lugar e de proporcionar uma experiência humana e religiosa indelével.
 
Peregrinos individuais
Grande parte dos peregrinos que chegam a Fátima não vem inserida em nenhum grupo organizado, mas peregrina individualmente ou em família. Estes não dispõem, por isso, dos benefícios próprios de um grupo organizado, com um dinamizador espiritual, sacerdote ou leigo. Muitas vezes, trazem, da mesma forma, quando não mais ainda, o desejo de silêncio, de encontro com Deus e de reconciliação.
Muitos peregrinos, habitualmente não praticantes ou desinseridos das comunidades locais, chegam em busca da paz da consciência perdida há muito tempo. A envolvência sagrada do santuário e o anonimato possível, permitem a criação das condições necessárias para o encontro reconciliador com a consciência, com os outros, com a vida e com Deus. A estes basta proporcionar as condições de silêncio, tranquilidade e paz que permitam a actuação da graça própria do lugar.
Fátima é hoje uma realidade que toca milhões de pessoas individualmente, mas também na sua atitude face à vida, face aos outros, face à Igreja e face a Deus. É um sinal que aponta para a realidade do transcendente, mesmo para aqueles que não puderam sentir a realidade da fé consciente, esclarecida e assumida nas suas vidas.
Os momentos de busca solitária do encontro consigo, de busca do transcendente como realidade misteriosa e de busca assumida de Deus, são uma constante na experiência dos simples visitantes, dos curiosos ou dos que chegam assumidamente como peregrinos.
 
3.      QUE ACOLHIMENTO?
 
O que pode o Santuário fazer para acolher pessoas tão diferentes na sua vida, cultura, convicções, perspectivas religiosas?
É um facto que nenhum lugar tem capacidade e meios adequados para se tornar interlocutor num diálogo com todo o tipo de pessoas que ali acorrem. Nem me parece que isso seja o mais necessário, pois o diálogo verbal, se é a forma de comunicação por excelência, traz frequentemente associado a si o desejo de querermos impor aos outros as nossas convicções e encontra as resistências naturais de quem não está ainda preparado para ele.
 
O Santuário é sempre um lugar da palavra. Pelo menos no contexto cristão, não pode ser de outra forma, pois Cristo, o Filho de Deus, fez-se carne, verbo, palavra.
No entanto, o Santuário é sempre um lugar da experiência pessoal, silenciosa, livre, que tem a capacidade de fazer entrar no núcleo da sua mensagem por outras vias. A simples visita, a participação na oração do Rosário – a mais comum nos santuários marianos -, a passagem pelos lugares mais centrais enquanto se celebra a Eucaristia, a contemplação das grandes multidões orantes nas grandes peregrinações, a visita à aldeia dos Pastorinhos ou o passeio pelo monte dos Valinhos, da Loca do Cabeço, fazem passar muitos a uma atitude religiosa, que pode começar pelas interrogações interiores, passa depois a uma atitude contemplativa e, quem sabe, a um verdadeiro encontro com Deus.
Os simples gestos de uma assembleia que canta, que reza, que caminha com as suas velas acesas, que acena com os seus lenços brancos na despedida, o simples ver caminhar de joelhos num gesto de penitência bem português, a observação das lágrimas no rosto dos mais simples, falam mais eloquentemente do significado do lugar sagrado do que muitas explicações. Para muitos, é mais marcante o que entra pelos olhos dentro e o ambiente que se respira no lugar. Estar no meio de uma multidão que sintoniza no mesmo tom e nos mesmos sentimentos, cativa, atrai, interroga, provoca.
O melhor serviço que um lugar sagrado pode prestar aos seus visitantes consiste em apresentar de forma pura a sua mensagem e em permitir um contacto o mais genuíno possível com a sua identidade.
 
A especificidade do lugar sagrado
Fátima como muitos outros lugares sagrados acolhe públicos muito diferenciados. Vêm cá para tomar contacto com o que tem de específico e distingue este lugar de muitos outros congéneres. Podemos falar de uma certa especialização de cada lugar, aliás, característica marcante do nosso tempo aos mais variados níveis.
O primeiro risco a que temos de renunciar é o de não valorizar suficientemente esta especificidade de cada lugar e o de não valorizar suficientemente as suas características próprias. Podemos ceder à ideia de desvirtuar os lugares sagrados, tornando-os todos mais ou menos idênticos, ou mesmo de estabelecer uma oferta tão diversificada de possibilidades que os fazem perder a sua identidade mais original.
Fátima, tal como os outros lugares sagrados, tem algo de típico e de característico, que os outros lugares não têm, e proporciona uma experiência humana, que os outros lugares não podem oferecer. Cada lugar sagrado é uma realidade única e proporciona uma experiência igualmente única. É isso que atrai e é isso que importa promover, para que se não torne indiferente frequentar um ou outro lugar, na Europa ou em qualquer outro Continente.
Em consequência da globalização, há artigos que se encontram em todas as lojas de todo o mundo – perdendo o seu interesse – e há artigos que somente se encontram em lojas altamente especializadas – não são para todos, mas os que os pretendem têm de ir lá para os encontrar.
 
Acolhimento, atitude fundamental
O acolhimento de quem chega é atitude primordial de um lugar sagrado. Da qualidade desse acolhimento depende o sucesso do lugar como destino procurado. Para que o acolhimento tenha qualidade é indispensável a conjugação de esforços de todas as entidades directa ou indirectamente envolvidas no processo: religiosas e privadas, civis e públicas. Cada uma ao seu nível e dentro do âmbito que lhe diz respeito. É esta uma das conclusões mais importantes a retirar dos trabalhos destes congressos.
 
Fátima, 04 de Junho de 2009
 
P. Virgílio do Nascimento Antunes
Reitor do Santuário de Fátima
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