13 de abril, 2020

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Onde estás, Deus?

 

De repente, quando não o esperávamos – porque nunca o esperamos – estamos no exílio. Vivemos confinados, ainda que por umas semanas, a quatro paredes que se levantam como colete de forças a impedir-nos de abraçar os que amamos, de correr pelas ruas agora desertas, de manter as rotinas que nos dão o conforto de um tempo que pensamos conhecer e controlar. De repente, quando não o esperávamos – porque nunca o esperamos – as quatro paredes que nos prendem são as fronteiras da nossa inquietude, talvez até do nosso medo. E, do fundo do nosso coração crente, surge-nos a pergunta que deixamos soltar apenas a medo: porquê? Porquê, de repente, quando não o esperávamos – porque nunca o esperamos –, este mal invisível e incontrolável? E onde está Deus neste nosso exílio?

A pergunta incomoda. É uma ironia que a pergunta pela presença de Deus seja vista como sacrilégio. E diante do incómodo somos frequentemente tentados a respostas matemáticas, a soluções rigorosas como se a pergunta fosse um enigma a resolver. Não faltam, infelizmente, tratados teológicos em defesa da omnipotência de Deus a querer demonstrar que o mal invisível e incontrolável é uma estratégia da sua bondade para a nossa purificação. É normal que nos arrepiemos diante de um Deus assim, armado de estratagemas e artimanhas para fazer de nós o que supostamente não somos por teimosia ou cegueira. O mal pode até ser paradoxalmente uma oportunidade de crescimento, mas não é uma intenção de Deus. Deus não é assim. Ele não nos força à relação. Ele não fica à espera de que compremos a sua benevolência. A defesa da omnipotência de Deus a todo o custo faz-nos falar muito mal sobre o mal. E faz-nos falar muito mal de Deus também. A omnipotência não diz o que há a dizer sobre Deus.

Mas a pergunta incómoda permanece: onde está Deus neste nosso exílio? Onde estás, Deus? As perguntas incómodas são o fermento da fé. O coração crente, aquele que escuta o Deus da revelação, não pode responder outra coisa do que um humilde e sincero – e, sim, escandaloso também – “não sei”. E há de dizê-lo com um espanto sem medida. É toda a história de Job ainda uma vez. Enquanto os seus amigos, doutores sobre a ciência de Deus, o convenciam de que todo aquele mal que ele sofria tinha sido certamente merecido pelos seus pecados, Job cuspia toda a matemática teológica que se achava defensora do Omnipotente. Porque não era verdade. Aquele mal não era o resultado do seu pecado. Aquele mal ele não o compreendia. E essa nem era a questão profunda que o habitava. A questão que o incomodava era o lamento de quem se pergunta pela presença de Deus. Job queixa-se do silêncio de Deus: «Chamo por ti, e Tu não me respondes; insisto e não fazes caso» (Job 30, 20). Ele espera de Deus uma justificação e insiste com ele, até compreender que a sua pergunta não é tanto onde está Deus, mas como está Deus. Deus faz-se presente. No final da história, Job compreende a sua presença. Isso não significa que ele não sofra mais ou que compreenda a razão do seu sofrimento. Não. Mas ele compreende – e surpreendentemente isso basta-lhe – que Deus está presente de uma forma inesperada e que essa presença é esperança. É já vida. Eterna.

Onde estás, Deus? Ou, melhor, como estás, Deus? O mal incontrolável é a fronteira da nossa fragilidade. Não temos palavras para dizer o mal, mas temos uma Palavra que nos permite a esperança. Porque essa Palavra é Esperança.

 

Pedro Valinho Gomes, Investigador nas áreas da Teologia e da Filosofia

(In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1171, 13 de abril 2020) 

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