23 de junho, 2018
O Santuário é “um espaço e tempo” de reconstrução da nossa humanidade, afirmou o Pe. Tolentino MendonçaO sacerdote foi orador no Simpósio Teológico-Pastoral Fátima hoje: que sentido? e apresentou Fátima como um "laboratório da humanidade"
Numa viagem introspetiva, feita a partir de uma radiografia sobre as angústias e os medos que atravessam a história da humanidade, sobretudo nos cem anos que decorreram depois das aparições, o teólogo Tolentino Mendonça apresentou o Santuário como um espaço e um tempo de reconstrução da nossa própria humanidade, seja do ponto de vista individual seja do ponto de vista coletivo. Numa conferência intitulada Cuidar, hoje, das angústias e sofrimentos da humanidade, o sacerdote elencou uma série de desafios que se colocam hoje aos santuários, em particular ao de Fátima, que “se tornou um centro espiritual capaz de cuidar da Mulher e de saciar a sede do Homem atual e permitir a experiência que não é de um lugar ou de um espaço mas de um encontro que continua em aberto e a fazer-se com a possibilidade que a graça de Deus coloca ao homem contemporâneo”. “Fátima não pode apenas ensinar a rezar o terço” disse o diretor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, nem é apenas um espaço físico, mas sobretudo “um espaço espiritual que olha para as pessoas”, atende quem o procura e “como laboratório onde se desenvolve uma teologia da fragilidade, ajuda-as a reconfigurarem-se”. Para isso, sublinha, é necessário que o santuário seja um lugar onde “se pára, se escuta, se atende, e se sacia a sede”, olhando não só para a meta mas também para a origem de uma peregrinação. “Fátima transformou-se num laboratório da humanidade , um delta onde desaguam os sofrimentos e as dores da humanidade. É uma concha acústica para escutarmos as nossas perguntas, mesmo as mais dramáticas” referiu ainda depois de ter recuado a 1917. Aliás, o sacerdote, poeta e professor, lembrou que a hermenêutica de Fátima “é inseparável da sua origem”. “O ano de 1917 é indispensável para a compreensão de Fátima” disse relembrando a história das três crianças que rezavam o terço na serra, pelos soldados que estavam na guerra, a pedido do padre de Fátima, quando um enorme relâmpago lhes ofereceu uma história de salvação. “É neste cenário de escuridão, de um mundo que consome o seu esforço na fabricação da morte que a mensagem de Fátima se faz ouvir, mostrando do outro lado três crianças diante de um coração de espinhos com a promessa de que por fim eles seriam eliminados porque o coração Imaculado de Nossa Senhora triunfaria. Esta é a imagem e a certeza de um Deus que não desiste da história” esclareceu o Pe. Tolentino Mendonça. “Ao longo de cem anos foi sempre assim: os horrores de um século breve e a ideia deixada pela visão de três crianças, para que não desistamos de ter esperança”, concluiu o sacerdote, lembrando ainda que a mensagem de Fátima dá pistas concretas para uma “mudança interior”, para a transformação “da morfologia do mundo e da vida ensinando a importância do coração”. “É neste cenário de um mundo descuidado, desumanizado, que o nome de Fátima se faz ouvir”, sugeriu na sua intervenção. “Fátima ensina como um mundo que está às escuras se pode iluminar” e oferece um itinerário para esse percurso: a oração, a penitência, a escuta e o cuidado dos mais frágeis, através do acolhimento e da misericórdia, prosseguiu o Pe. Tolentino de Mendonça. Em Fátima, “recinto sem portas”, a fragilidade “anónima” é colocada no centro, ao contrário do que acontece na sociedade, e, testemunha assim, “o cuidado de Deus pelo homem e pelo mundo”. “Quantas vezes a vulnerabilidade acolhida se torna a janela onde a graça transparece”, questiona o sacerdote, que acrescenta: “Fátima ajuda-nos a cuidar da dor, a minorá-la e integrá-la e não com comprimidos”. Sugere, ainda, o diretor da Faculdade de Teologia da UCP que a grande ameaça no século XXI não serão as patologia virais mas as depressões, naquilo que o heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, atribuiu ao Homem contemporâneo no poema "Estou cansado". “O homem é marcado por uma vulnerabilidade e hoje está desprovido de ferramentas interiores para cuidar de si; a vida hoje é mais nua e faltam-nos recursos para dialogar com a vida” disse. O Simpósio Teológico-Pastoral prossegue durante a tarde com a conferência de Monsenhor Rino Fisichella que não estando presente, por motivos relacionados com o cancelamento do voo proveniente de Itália, será apenas lida, seguindo-se um painel moderado pela jornalista Graça Franco com José Eduardo Borges de Pinho, André Pereira e José Pedro Angélico sobre o Santuário de Fátima como dom. O Simpósio Teológico-Pastoral termina amanhã com uma conferência de Isabel Varanda, professora da Universidade Católica, intitulada "Fátima: o imperativo da paz como ecologia integral" e depois "A visão da igreja relativa às mariofanias a partir do acontecimento de Fátima" por Stefano Cecchin. |