10 de julho, 2022
“O que vivemos hoje é um problema humano” refere arcebispo Peña ParraD. Edgar Peña Parra é diplomata da santa Sé, carreira em que ingressou em 1993, natural da Venezuela, foi núncio apostólico no Paquistão e em Moçambique
O senhor fala de uma humanidade ferida. O que é que nos trouxe até aqui e como é que podemos curar estas feridas? Eu trouxe esta intenção a Fátima no sentido de todos, em conjunto, podermos trabalhar pela paz. O Papa Pio XII afirmou que com a paz todos ganham e com a guerra todos perdem. Estamos a ver, lamentavelmente, que uma vez mais, no coração da Europa, o que essa situação tão difícil, nos está a levar. E, por isso, depois de ter recebido e aceitado o convite do cardeal António Marto para presidir a esta festa logo decidi que vir aqui a Fátima, aos pés da Virgem Maria, só poderia trazer essa intenção: pedir pela Paz.
Nossa Senhora também deixou essa mensagem de que era preciso rezar pela paz e falou mesmo da Rússia, não da geografia mas do perigo que este regime emergente representava para humanidade por negar Deus. A questão da guerra hoje não é religiosa mas o que é que a religião pode fazer pela paz? O testemunho que releva da vida cristã, com os valores de vida cristã, é essencial. Como diz o apóstolo São Tiago, uma fé sem obras é uma fé morta. É muito triste também para nós como cristãos do mundo ver esta guerra entre irmãos, entre cristãos, entre homens e mulheres que creem em Deus. Como diz e bem hoje não é uma questão de religião; é uma questão do próprio homem.
É um problema político, então...Como interpreta esta guerra? É, sobretudo, um problema humano. É uma dinâmica: ou fazemos tudo o que estiver ao nosso alcance para promover a paz ou optamos por uma dinâmica de guerra que passa pela produção e venda de armas, o tráfico de armas, a arrogância política, o desejo da preponderância sobre os outros, a auto-suficiência... São problemas humanos que se veem depois espalhados na vida política , social e económica do mundo. Mas a origem está no coração de cada um de nós. O Papa , de resto, quando começou este conflito, pediu aos responsáveis que olhassem para o seu interior, convidou-os a verem-se dentro de si, para encontrarem formas de poder contribuir para a paz. É, de facto, uma questão de dinâmica: se somos homens de paz, vamos fazer tudo para reforçar isto. Senão, faz-se o contrário. E hoje estamos a fazer o contrário em muitos lugares.
Paulo VI pediu aos homens aqui em Fátima para serem homens e isso pressupõe aquilo a que hoje Francisco fala de fraternidade. Não temos sido capazes de ser fraternos? Estamos a falar da conversão humana. Os valores humanos e os valores cristãos são vizinhos, estão muito perto uns dos outros, quase que se confundem. Encontro muitas pessoas que não têm religião mas que são boas, são homens e mulheres honestos de boa vontade; homens e mulheres que dão a vida por uma causa humana... como Ghandi. Não é uma questão religiosa. Insisto: é um problema de dinâmica. Ou queremos genuinamente a paz e fazemo-la ou não a queremos e investimos na guerra, quaisquer que sejam as razões por trás dessa opção.
Não há vontade humana para parar a guerra... Pois, é uma questão de vontade humana, diz bem; de conversão do coração dos homens, da conversão do coração de cada um.
Paulo VI falou num tempo em que o nuclear era uma ameaça. Como hoje também o é. Sim, sem dúvida, quando há esse poder é sempre difícil. Aliás, quando alguém tem armas tão mortíferas é sempre mais difícil. A possibilidade dessas armas serem usadas é real; esperemos que não. As notícias que vemos e ouvimos, algumas palavras que são ditas apresentam essa arma como possível. Desejamos que não o seja.
Que papel tem Fátima e esta mensagem, em particular, na chave de leitura deste conflito? Esta é uma mensagem para todos os cristãos, independentemente de serem católicos ou não. A mensagem de Fátima é atual e para todos. É preciso que juntos, possamos fazer um mundo melhor. Hoje existem muitos homens e mulheres que não acreditam e não acreditam porque não têm testemunhas. O primeiro momento de amor é eu ser capaz de dizer: eu quero ser como esta pessoa, isto é, descobrir a minha vocação, seja no matrimonio, na vida consagrada, na vida religiosa. Se calhar, temos de regressar aos atos dos Apóstolos, às origens, quando tudo começou. Queriam-se uns aos outros, respeitavam-se, eram amigos uns dos outros... Se calhar esta é a falta de testemunho que temos hoje para converter.
É esse o desafio da Igreja? Hoje e sempre.
Qual é o papel deste Santuário nesse desafio? Há 40 anos atrás o Papa João Paulo II veio a Fátima para rezar. O papel do Santuário, e dos santuários, é este: permitir que os cristãos se encontrem num espaço e numa vivência comunitária da sua fé. E temos que rezar, recuperar a força da oração, a força incrível que temos em todos e cada um dos santuários. Em Fátima lembrei-me do santuário de Nossa Senhora da Guadalupe, no México, onde estive algum tempo... Os santuários têm uma possibilidade e uma força incríveis. Como diz o Evangelho: quando dois ou três se reúnem em meu nome é uma grande alegria e fazemos comunidade.
De facto, os santuários estão cheios mas as igrejas estão vazias.. É a instituição que está em causa? Falamos de uma Nova Evangelização. Quero partilhar o seguinte: estive no Equador há cerca de três semanas e encontrei-me com todos os bispos locais. Falando com eles, com esta preocupação da vida da Igreja pós covid, disseram-me que nunca tinham tido tanta participação na vida da Igreja como na Semana Santa, quando foi possível o regresso. Naturalmente que há dificuldades, mas a Igreja Católica tem muitos ritmos. Isto é, a Nova Evangelização tem de ser um convite permanente a que as pessoas voltem, que voltem aos domingos, que criem momentos de oração em família, mesmo que não gostem do padre, que não se sintam bem na sua paróquia; procurem outra, atendam a outro lugar, mas não deixem de participar, de estar presentes... O mais importante são os princípios que temos dentro e que temos de recuperar.
O pós-covid está a dar-nos mais uma oportunidade, é isso que está a dizer? Eu acho que a grande lição deste período em que tudo ficou fechado, em que todos vivemos de forma especial, é que somos chamados a retomar o essencial. E o que é o essencial? A família, Deus... Temos que sair melhores... É verdade que não podemos falar em pós pandemia, mas o grande desafio depois do covid-19, da cada dia, é sermos melhores.
O que leva deste lugar? Levo reforçada a minha fé. O testemunho da oração aqui é muito especial; sinto-me pessoalmente abençoado e tenho esperança. Quando vemos tanta gente a rezar junta isso dá-nos o alento para que todos os dias também nós sejamos melhores.
|