22 de outubro, 2024

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O Papa que sobreviveu para viver Fátima como missão

No dia que a Igreja celebra São João Paulo II, recordamos as três vezes que esteve em Fátima, pela memória daqueles que o serviram.

 

A 22 de outubro, a Igreja celebra a festa litúrgica de São João Paulo II, o Papa cuja vida e pontificado estão profundamente ligados a Fátima e à sua mensagem, num vínculo sustentado pelo curso da História do século XX e pela fé daquele que, até hoje, continua a ser o primeiro Sumo Pontífice a vir por três vezes à Cova da Iria.

Neste dia, recordamos os dias em que esteve no Santuário, pela memória daqueles que estiveram perto do Papa que hoje é santo.

 

Um Papa do mundo

Karol Józef Wojtyła nasceu na Polónia em 1920. Órfão de mãe e pai desde muito cedo, viveu, na sua juventude, a dura realidade de uma II Guerra Mundial que consolidou os regimes comunistas no leste da Europa, nomeadamente no seu país natal.

Os tempos de provação que, então, experimentou fortaleceram a sua fé e cimentaram a sua determinação no caminho sacerdotal, num percurso vocacional que, em apenas três décadas, o levou até à Cátedra de Pedro.

Karol Wojtyła foi ordenado sacerdote em 1946, bispo em 1958, feito cardeal em 1967, e, a 22 de outubro de 1978, tornou-se no primeiro Papa não italiano em 455 anos. É precisamente na data da sua entronização papal que a Igreja celebra a sua memória.

O seu pontificado viria a ser marcado por uma presença carismática e aberta ao mundo, aliada a uma defesa intransigente dos direitos humanos e da dignidade da pessoa. No cumprimento desta demanda, viajou apostolicamente pelo mundo, afirmando uma presença pontifícia sem precedentes, até então.

Três dessas viagens tiveram como destino Portugal e o Santuário de Fátima, onde fez questão de estar sempre no simbólico dia 13 de maio, primeiro em 1982, depois em 1991 e, por fim, em 2000.

 

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Um Papa mariano

A devoção de João Paulo II a Nossa Senhora foi, desde logo, assumida no seu brasão pontifício, onde solicitou que fosse representado o manto azul da Virgem Maria e a letra M. Sobrassem dúvidas sobre esta fé na Intercessora da humanidade e o lema escolhido dissipava-as por completo. A divisa “Todo Teu”, do latim “Totus Tuus”, inspirada na espiritualidade mariana, desenvolvida por São Luís Maria Grignion de Montfort, evidenciava a plena confiança na Mãe de Deus, sob quem depositou em proteção o seu ministério.

Quatro anos passados desde a sua entronização, esta ligação a Nossa Senhora viria a ganhar um novo sentido, quando, a 13 de maio de 1981, ao entrar na Praça de São Pedro para a habitual audiência pública, é baleado por um militante ultranacionalista, numa declarada tentativa de assassinato que o deixou entre a vida e a morte.

O facto de o atentado ter acontecido na mesma data do aniversário da primeira aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria não passou despercebido ao Sumo Pontífice, que, a partir desta experiência, estreitou a sua ligação com Fátima e aprofundou a sua atenção à mensagem que Nossa Senhora ali deixara em 1917.

Esta consciência foi reavivada logo na sua primeira visita à Cova da Iria, um ano após o atentado.
 

  • “Desde há muito que eu tencionava vir a Fátima, conforme já tive ocasião de dizer à minha chegada a Lisboa; mas, desde que se deu o conhecido atentado na Praça de São Pedro, há um ano, ao tomar consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para depor no coração da Mãe celeste o meu agradecimento, por me ter salvado do perigo. Vi em tudo o que se foi sucedendo – não me canso de o repetir – uma especial proteção materna de Nossa Senhora. E pela coincidência – e não há meras coincidências nos desígnios da Providência divina – vi também um apelo e, quiçá, uma chamada à atenção para a mensagem que daqui partiu, há sessenta e cinco anos, por intermédio de três crianças, filhas de gente humilde do campo, os pastorinhos de Fátima, como são conhecidos universalmente.”

    Discurso do Papa João Paulo II ao bispo de Leiria
    Capelinha das Aparições, 12 de maio de 1982

 

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O Papa de Fátima

A primeira vinda de João Paulo II a Fátima, a 13 de maio de 1982, aconteceu sobretudo como uma oportunidade para dar ação de graças por ter sobrevivido à tentativa de assassinato de que foi alvo. Esta intenção, trazida aos pés da Virgem Maria, viria a materializar-se dois anos depois, quando decidiu oferecer ao Santuário de Fátima a bala que o feriu no atentado, como forma de gratidão a Nossa Senhora.

A oferta foi confiada, pessoalmente, ao então bispo de Leiria-Fátima, D. Alberto Cosme do Amaral, e ao monsenhor Luciano Guerra, à data, reitor do Santuário de Fátima, e concretizou-se após a consagração do mundo a Nossa Senhora que João Paulo II quis repetir em Roma, a 26 de março de 1984, diante da imagem da Virgem de Fátima, levada a Roma propositadamente, já depois de o ter feito a 13 de outubro de 1982, na Cova da Iria.

Cinco anos depois, a simbólica oferta viria a ser incrustada no topo inferior da coroa preciosa da imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, numa decisão que reforçou os laços entre a Cátedra de Pedro e a Mensagem de Fátima.

 

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O Papa do sorriso

Nove anos depois da primeira visita, João Paulo II regressava à Cova da Iria, num contexto histórico marcado pela queda do Muro de Berlim e o colapso do regime comunista na Europa de Leste. Foi a alegria e a gratidão por esta nova esperança que João Paulo II trouxe como especial intenção nesta sua segunda visita a Fátima, a 12 e 13 de maio de 1991.

O Papa de origem polaca, que tanto lutara pela liberdade religiosa e pelos direitos humanos, lia esta mudança histórica à luz do cumprimento das promessas deixadas nas Aparições de 1917, estabelecendo assim uma ligação entre a mensagem de Fátima e a contemporaneidade.

Em 1991, César Vicente e Luís Ferreira tinham cerca de 20 anos e integravam o Grupo de Acólitos do Santuário. Foi nesta função que tiveram a oportunidade de estar bem perto do Papa que os inspirava já desde crianças.

"Admirávamos a força deste homem pela sua capacidade de enfrentar os problemas e de mover as pessoas, indo ao seu encontro em todas as partes do mundo", assume César Vicente.

Ambos descrevem uma aura carismática, concretizada numa presença próxima e, sobretudo, num olhar grato, fraterno e profundo.

"Parecia que nos estava a olhar a alma", descreve Luís Ferreira, ao interpretar esta característica como um sinal de uma santidade que viria ser confirmada anos mais tarde.

Naquele dia 13 de maio de 1991, o privilégio de servir no Santuário aliou-se à honra de poder receber tão ilustre figura da Igreja e do mundo. Aguardaram a chegada do João Paulo II à Capelinha das Aparições perfilados em frente ao monumento ao Sagrado Coração de Jesus. Foi ali que o Papa cumprimentou o grupo de acólitos que o iriam auxiliar durante as celebrações (foto acima).

"Estávamos tão felizes e maravilhados por ali estar que a maioria bloqueou, no momento de o cumprimentar. Lembro-me que lhe dei as duas mãos e acabei por não conseguir dizer nada. Mas, o sorriso que nos deu em resposta, transmitiu-nos a confiança para a responsabilidade que ali fomos assumir", conta César Vicente.

 

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O Papa dos Pastorinhos

Na década de 1990, era hábito os seminaristas de Leiria-Fátima acolitarem nas grandes peregrinações, mas o 12 e 13 de maio de 1991 tinha um presidente que tornava o serviço prestado ainda mais especial. O padre Francisco Pereira tinha então 21 anos, encontrava-se a meio do percurso do Seminário Maior, e também pôde conhecer de perto o Papa.

"Depois daquela ansiedade inicial, percebê-lo como era, muito próximo, e isso sensibilizou-me muito", começa por revelar o sacerdote, que viveu o seu percurso vocacional também sob a inspiração do pensamento de João Paulo II.

"Entrei no seminário precisamente no ano em que ele veio a Fátima pela primeira vez e lembro-me de, na minha formação, um dos livros mais usados para meditar ser um compêndio dos discursos que o Santo Padre fez em Portugal em 1982", conta, destacando a abertura ao mundo e à cultura que caracterizou o pontificado de João Paulo II.

"Esta abertura e este desejo de querer estar perto das pessoas determinou a forma de fazer pastoral dos padres da minha geração e ajudou-me a ser o padre que sou hoje", confessa.

Talvez tenha sido a disposição para estar junto das pessoas que, no ano 2000, já ordenado sacerdote, o fez optar por viver a derradeira vinda de João Paulo II a Fátima no meio da assembleia de peregrinos. No dia 13 de maio desse ano, deslocou-se à Cova da Iria com a família e posicionou-se no espaço que habitualmente assumiam no Recinto de Oração, entre a Capelinha e a azinheira grande. Foi dali que tirou uma foto que poderia sintetizar a missão que o Papa trouxe Fátima: a beatificação de Francisco e Jacinta Marto.

A foto mostra o exato momento em que os retratos dos Pastorinhos são revelados na fachada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, logo a após o ato que tornou beatos as duas crianças, missão esta que foi para o agora capelão do Santuário, uma prova amor do Santo Padre aos Pastorinhos.

"Veio já muito fragilizado, mas mesmo assim quis vir afirmar a importância destas duas crianças, deixando para a posteridade uma frase que se tornou refrão da pastoral ligada à vida dos Pastorinhos", recorda o padre Francisco Pereira, referindo-se a uma citação da homilia.

 

  • "O louvor de Jesus toma hoje a forma solene da beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta. A Igreja quer, com este rito, colocar sobre o candelabro estas duas candeias que Deus acendeu para alumiar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas."

    João Paulo II, na homilia Missa da beatificação de Francisco e Jacinta Marto
    Fátima, 13 de maio de 2000.

 

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O Papa da esperança

Na última presença em Fátima, a doença que acometeu João Paulo II já debilitava seriamente a sua ação motora, uma dificuldade que se tornava ainda mais evidente para quem o acompanhou de perto.

"Apesar das limitações físicas, a doença não lhe retirou aquele olhar profundo, olhos nos olhos, nem mesmo o discernimento, e continuava a ter a força da referência que era", garante Luís Ferreira, ao fazer uma leitura do sofrimento evidente com que o Papa se deparava, cinco anos antes do seu falecimento.

"Interpreto esta persistência como uma forma de querer levar a sua missão até ao fim, apesar do sofrimento. Foi, sem dúvida, um exemplo".

Via-se que estava a sofrer, mas quis ir até ao fim, e isso é de louvar. Afinal, também é preciso sofrer para ser santo", acrescenta César Vicente.

Para o padre Francisco Pereira é a "firmeza carinhosa na luta contra a opressão" o traço de santidade que mais se destaca na personalidade do Papa que hoje é venerado por toda a Igreja.

"Ele pegou na Igreja numa época transformadora e conduziu-a rumo ao século XXI, num dinamismo que procurou corresponder às ânsias da modernidade e que foi herdado também pelos seus sucessores", interpreta o sacerdote.

Quase um quarto de século volvido desde a última presença de João Paulo II na Cova da Iria, a marca da sua ligação com Fátima continua viva em muitas referências materiais, das quais se destacam uma estátua, no topo do Recinto de Oração, a batina ensanguentada que o próprio tinha vestida no dia do atentado de 13 de maio de 1981 - e que pode ser vista na exposição permanente -, e a bala que o trespassou naquele trágico dia, que é hoje a joia mais preciosa da coroa da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

Aqueles que o acompanharam de perto nas duas últimas presenças na Cova da Iria, não têm dúvidas em classificar este projétil como a referência material que melhor define a estreita ligação de João Paulo II a Fátima, uma escolha justificada pelas palavras que o seu sucessor deixou aos pés da Virgem, em 2010.

 

  • "O Venerável Papa João Paulo II,
    que Vos visitou três vezes, aqui em Fátima,
    e agradeceu a 'mão invisível'
    que o libertou da morte
    no atentado de treze de Maio,
    na Praça de São Pedro, há quase trinta anos,
    quis oferecer ao Santuário de Fátima
    uma bala que o feriu gravemente
    e foi posta na vossa coroa de Rainha da Paz.
    É profundamente consolador
    saber que estais coroada
    não só com a prata
    e o oiro das nossas alegrias e esperanças,
    mas também com a bala
    das nossas preocupações e sofrimentos."


    Papa Bento XVI - Oração a Nossa Senhora
    Capelinha das Aparições, 12 de maio de 2010

 

"No final de tudo, esta bala simboliza o sofrimento do Papa e da humanidade, mas também a esperança", conclui o capelão do Santuário de Fátima.

O Papa João Paulo II faleceu em Roma no dia 2 de abril de 2005, encerrando um pontificado de mais de 26 anos. Foi beatificado a 1 de maio de 2011 e canonizado em 27 de abril de 2014.

 

Homenagem do Santuário por ocasião do 100º aniversário do nascimento de S. João Paulo II
Improvisação sobre "Totus Tuus, Maria", pelo organista Sílvio Vicente.
Publicada nas redes sociais a 22 de outubro de 2020

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