13 de outubro, 2009
Movido pelo anúncio da visita do Santo Padre Bento XVI a Portugal, em Maio do próximo ano de 2010, revisitei as “Memórias da Irmã Lúcia” e o texto da terceira parte do segredo de Fátima. Tanto num como noutro caso, a figura do Papa ocupa um lugar de relevo, embora se acentuem aspectos diversos: a devoção e o amor muito pessoal, sobretudo por parte da pequena Jacinta; o sofrimento, a perseguição e o martírio a que é submetido, na sua condição de condutor da Igreja. As palavras dramáticas, atribuídas nas “Memórias” à Jacinta, reproduzem uma visão que teve junto ao poço: “Eu vi o Santo Padre em uma casa muito grande, de joelhos, diante de uma mesa, com as mãos na cara, a chorar. Fora da casa estava muita gente e uns atiravam-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam muitas palavras feias. Coitadinho do Santo Padre! Temos que pedir muito por Ele.” Esta experiência interior é reveladora de uma devoção forte, cujo significado se reveste de um grande alcance dentro do contexto da tradição católica. Mesmo sem conhecer os detalhes da teologia acerca da Igreja e do lugar que nela ocupa a pessoa do Papa, a sua função e magistério, a Jacinta interiorizou elementos fundamentais. Em primeiro lugar deve notar-se a existência de uma ligação pessoal e marcante, que ultrapassa qualquer ligação de tipo institucional. Ela sente como seu o sofrimento do Santo Padre, numa atitude de solidariedade e de comunhão, próprias de quem se sente pertença do mesmo Corpo Místico de Jesus Cristo, que é a Igreja. Numa tentativa de interpretação da linguagem usada para exprimir a visão, podemos, de forma livre, pensar que a “casa muito grande” em que o Santo Padre se encontra, é a Igreja. Ali, como aquele que está à frente na sua missão de pastor em nome de Cristo, ele é também aquele que mais se identifica com Cristo, o cordeiro imolado em favor de muitos. “Com as mãos na cara, a chorar”, o Papa assume os sofrimentos da Igreja, violentada e perseguida em muitas partes do mundo, particularmente ao longo de todo o séc. XX, o século dos mártires. Continuando a mesma linha de leitura, refere-se logo a seguir que “fora de casa estava muita gente e uns atiravam-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam-lhe muitas palavras feias”. O séc. XX constituiu o período da grande cisão entre crentes e não crentes, o século do ateísmo e, em muitos casos, o século da grande oposição – mais aberta ou mais velada – à Igreja Católica. Pode pensar-se, por isso, no “fora de casa” como uma expressão a significar a oposição à Igreja. Ainda dentro da mesma Terceira Memória, outro texto atribuído à Jacinta dá conta da sua paixão pela Igreja, por um lado, e pelos que estão longe dela, por outro: “Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre em uma Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com Ele?” Não se tratará aqui somente de fome de alimentos, mas sim da ânsia e da necessidade de Deus que afecta tanta gente que percorre as estradas, os caminhos e os campos deste mundo. Precisamente nesse mundo, o Papa/a Igreja reza e manifesta a sua grande confiança no Imaculado Coração de Maria, refúgio para todos. Na terceira parte do segredo de Fátima, numa linguagem de tipo apocalíptico, voltamos a ter a figura do Papa, o bispo vestido de branco, que caminha, juntamente com o povo dos perseguidos, marcados pela esperança da redenção que brota dos braços da cruz, erguida no cume de um alto monte. É, mais uma vez, o pastor que caminha com as suas ovelhas e o mestre da fé que vai à frente do seu povo, procurando levá-lo às fontes da salvação. Face ao anúncio da vinda de Bento XVI a Fátima, reafirmamos a nossa fé na sua missão eclesial e a nossa comunhão nas suas intenções, alegrias e sofrimentos. Com a nossa oração pelo Papa e pela Igreja correspondemos ao pedido da Beata Jacinta Marto: “Temos que pedir muito por Ele”. P. Virgílio Antunes, Reitor Editorial da edição de 13 de Outubro de 2009 da “Voz da Fátima”, jornal oficial do Santuário de Fátima |