13 de janeiro, 2021

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O elogio da insignificância

 

Contava-se, nos corredores de um seminário, a história do padre, recém-doutorado na mais prestigiada das universidades que o estrangeiro conseguira criar, que fora enviado para uma missão no interior africano, numa pequena aldeia rodeada de savana a perder de vista. As más línguas testemunhavam o pensamento que este padre nunca partilhara com ninguém, mas que ele pensara de facto ao chegar à sua nova missão: “À esquerda, savana; à direita, savana. Para onde quer que olhe só se vê capim. E uma inteligência destas aqui enterrada!”. E mais não se dizia acerca das aventuras e desventuras deste reverendo doutor em terras africanas, mas este episódio bastava para um moralizante elogio da simplicidade necessária nas lides do Reino.

O desconcerto deste missionário altamente preparado aproxima-se das primeiras palavras que, no seu famoso Diário de um pároco de aldeia, de 1936, Georges Bernanos coloca na pena do protagonista do romance, um jovem padre enviado para uma paróquia rural do norte da França: «A minha paróquia é devorada pelo tédio, é essa a palavra. Como tantas outras paróquias! O tédio devora-nos diante dos nossos próprios olhos e nós nada podemos fazer. Talvez um dia o contágio nos vença, descobriremos dentro de nós este cancro. Pode-se viver com isto durante muito tempo». É talvez um milagre que, na sua última palavra, no leito de uma morte precoce, este jovem padre venha a reconhecer que, no final, «tudo é graça!». Quem sabe se o doutor missionário veio também ele a reconhecer a graça de ser igreja na savana que não reconhece diplomas.

Há uma dupla tentação nesta aventura de ser igreja. Por um lado, somos tocados por uma sede incontrolável de pintar a igreja com as cores da omnipotência, conquistando espaço social como quem convence o público a comprar um produto imprescindível. Talvez por isso as estatísticas tantas vezes nos desanimem ou assustem. Nesta lógica, há muito pouca diferença entre a igreja e um partido ou um clube, que chegaremos a defender cegamente para que o bom nome do grupo não seja nunca posto em causa. A ironia é que a igreja será apenas socialmente influente no que respeita à sua missão, na medida em que aceite que a sua missão não é a de ser socialmente influente. A missão da igreja não é de somar argumentos ou de conquistar o mundo, mas de testemunhar a amizade de Deus. Este é um processo eclesial bem mais difícil: não há estratégias pastorais eficazes nem sucesso aparente. Não há técnicas ou mecânicas. Não se faz pastoral como quem monta a engenharia de um motor controlando todas as peças. Por mais diplomas que tenhamos, à volta tudo é savana. Mas é nesta disponibilidade para ser testemunha na savana que se chega a reconhecer que tudo é graça. Na verdade, precisamos de menos palco, não de mais.

No reverso da medalha desta tentação de omnipotência encontramos outra tentação não menos corrosiva: a letargia. A herança de um sucesso eclesial aparente transforma a nossa vivência comunitária num dado adquirido que não estimamos o suficiente. É uma lição difícil, mas necessária, a de reaprendermos a bênção da monotonia nesta savana moderna dos sucessos imediatos e das alegrias fugazes. Preenchemos o ritmo litúrgico e eclesial com eventos e mensagens e iniciativas com a mesma fugacidade e indiferença com que cumprimos uma qualquer entrada no calendário. Mas este ritmo lento e repetitivo não é letargia, mas o tempo comprometido com a maturação do grão de mostarda.

 

Pedro Valinho Gomes, Investigador nas áreas da Teologia e da Filosofia

(In Voz da Fátima, Ano 099, N.º 1180, 13 de janeiro 2021) 

 

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