06 de agosto, 2006

Homilia de D. Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre-Castelo Branco, proferida na Eucaristia internacional celebrada  no Recinto do Santuário de Fátima, a 23 de Julho de 2006:

XVI domingo comum
23 de Julho de 2006


Qualidade do pastoreio

O alento do rebanho, diz o profeta Jeremias, depende, em grande parte, do zelo apostólico dos pastores. E, em Israel, os reis e os sacerdotes eram frequentemente designados com esse nome, uma vez que lhes cabia a missão de conduzir o povo, de acordo com o ´plano´ de Deus ou a Sua ´aliança´. Acontece que, muitas vezes, os mesmos pastores se deixavam influenciar pela moda do tempo, isto é, por tudo aquilo que acontecia à sua volta, e davam pouca atenção à fidelidade e aos Mandamentos. E o povo acabava por ser vítima, sendo deportado para a ´diáspora´, à conta dos países invasores. Depois, Deus compadecia-se dele e suscitava um profeta que garantisse a continuidade da esperança e o regresso ao país. Mas, tudo isto, causava sofrimento e o ´povo do Senhor´ era humilhado diante da arrogância dos pagãos e dos seus falsos deuses.
Ora, talvez não nos demos conta de que o laicismo do nosso tempo age como a moda de então: vai procurando desacreditar a virtude... vai confundindo os valores, para que tudo pareça igual... e aos lugares sagrados atribui um ar de romaria que, às vezes, mais aconselha a descontracção, do que a oração e o recolhimento. Será porque os pastores andam menos atentos ao essencial do Evangelho e da mensagem de Nossa Senhora ou porque os cristãos (e os peregrinos também) se deixam acomodar à indiferença espiritual do tempo? Bem sabemos que Nossa Senhora não apareceu aos Pastorinhos, para os entreter ou para lhes dar a satisfação de A verem... mas para que eles e nós ouvíssemos os Seus apelos de conversão e de reparação. E este lugar é sagrado, porque foi aqui que Nossa Senhora apareceu e falou. Então, não facilitemos a dissipação e o barulho, no ambiente do Santuário, nem consintamos maneiras indecorosas de vestir, que escandalizam os mais pequenos e são um mau exemplo para aqueles que chegam de longe e de outros países. E dos parques do mesmo Santuário, que se destinam ao acolhimento dos peregrinos e colaboram com a devoção, a liturgia e o recolhimento, não façamos lugares de mero acampamento, como se tudo não passasse dum ´camping´ público. Resistamos à dIssipação do tempo, à provocação da moda e à indiferença do laicismo. E digamos a Nossa Senhora, com a alma cheia de fé e de confiança: Mãe do céu, nós vimos à Vossa presença, para Vos pedir protecção e bênção a favor das nossas famílias e o dom da paz para o mundo e, mormente, para o Médio Oriente. E, com esse propósito, queremos ser fiéis à Vossa mensagem. - Realmente, ser peregrino é isto, e não outra coisa!
O Apóstolo Paulo, na carta aos Efésios, afirma concretamente em que consiste o essencial do Evangelho de Jesus Cristo: amor a Deus e ao próximo, perdão, reconciliação e paz. E a mensagem de Nossa Senhora segue o mesmo caminho. Ora, nada disto se consegue com a acomodação à facilidade ou a um simples ´deixar correr´. Se assim fosse, os Pastorinhos não teriam trocado as suas brincadeiras habituais, pela reza assídua do Terço e pelos sacrifícios de reparação e desagravo. E Jesus não teria recomendado aos discípulos que escolhessem a via estreita que conduz à salvação e não a via larga que seduz, mas não dá garantias de promessa!
Também, o ambiente social que nos rodeia, acusa uma falta acentuada de confiança e de reconciliação entre as pessoas, com reflexos na família. E, às vezes, os pais andam preocupados com a segurança dos filhos e olham para a escola com exigências que ela não sabe ou não consegue satisfazer, mormente quando pretende impor a todos um modelo único. Ora, se não formos capazes de valorizar, entre nós, o diálogo, a colaboração e o perdão, dificilmente conseguimos harmonizar a felicidade com a fidelidade. E porquê? Porque o relativismo com que nos ensinam a apreciar os comportamentos, e a sede de modernidade despida de valores espirituais e de virtude, não conseguem evitar a ruptura e o desalento. Isto, mesmo, no casamento, na consagração e no sacerdócio. Com efeito, parece que o dinheiro e o prazer comandam a vida e pretendem, ainda, condicionar o sagrado. Mas nem a cobiça nem o hedonismo conseguem manipular o céu e Deus Criador. Voltemos, por isso, ao profeta Jeremias, afirmando com a mesma convicção: "O Senhor é a nossa Justiça", isto é, a garantia da esperança que nos atrai até ao futuro e nos leva ao som daquela palavra que tem sabor a céu: "Vinde benditos de Meu Pai, para o Reino que vos está preparado"! Ora, as aparições de Nossa Senhora fizeram ouvir o mesmo convite pelas quebradas desta Serra e desejam fazer de nós peregrinos atentos e apóstolos da Sua mensagem. Sejamos generosos!
 
O entusiasmo da missão

Entretanto, ao escutarmos o Evangelho de São Marcos, ficou-nos a sensação de ouvir os Apóstolos, a contar ao Mestre os êxitos da sua pregação: cada um tinha novidades a dizer e todos sentiam grande entusiasmo! Isto, ao jeito do que fazeis com os vossos filhos, quando eles regressam da escola ou de outros afazeres. Uma vez que o convívio e a partilha são necessários, geram confiança e permitem corrigir alguns excessos.
Por outra parte, as experiências missionárias dos Apóstolos despertavam a esperança nos habitantes das aldeias, espalhadas ao redor do Lago de Tiberíades, e suscitavam o gosto de ver e ouvir o Mestre. E faziam, mesmo, parte da formação e do amadurecimento progressivo da fé. Com efeito, Jesus havia de chegar mais longe, como nos apercebemos por estas palavras: "como Eu fiz, fazei vós também"... E mais: "tudo o que o Pai Me deu, Eu vo-lo dou a vós".
Ora, este jeito progressivo de educar, não passava só pela participação activa... mas pela presença e convivência criativa. Era essencial, para os Apóstolos, estar a sós com Jesus, ouvir a Sua palavra e sentir o Seu afecto. Como era essencial para Jesus, demorar-se com o Pai, num diálogo silencioso e cheio de intimidade, quantas vezes, pela noite dentro, ou antes de amanhecer e, sempre, em lugar isolado e distante do bulício do mundo. Do mesmo modo, nenhum cristão consegue progredir na fé e no caminho da virtude, se descuidar a intimidade da oração e a escuta da Palavra, dentro e fora da Liturgia. É preciso falar a Deus e, muito mais, escutá-Lo. Por isso, Jesus entrou num barco, juntamente com os Doze, e mandou passar à outra margem do Lago. Simplesmente, a multidão que O rodeava apercebeu-se do destino e correu a pé, para o mesmo lugar. Já não passava sem o alimento da Sua Palavra: esta era vida e promessa de Vida! E Jesus, encheu-se de compaixão, porque via aquela gente como um "rebanho sem pastor" – e continuou a evangelizar...
Terá sido com o mesmo intuito – de silêncio, intimidade e escuta – que Nossa Senhora atraiu os Pastorinhos até este lugar, que dá pelo nome de ´Cova da Iria´? Foi, com certeza, e não só uma ou duas vezes; mas, de Maio até Outubro, no dia treze, para fazer uma ´escola´ de formação, ao jeito do Seu Filho, com os Apóstolos. E quantas coisas lhes ensinou e, através delas, também a nós: o amor a Deus e a necessidade da oração ... o desagravo ao Imaculado Coração de Maria e a devoção dos primeiros sábados ... a solidariedade para com os pecadores e o sentido da reparação ... a urgência da paz pedida com insistência e confiança ... a reza do Terço, como oração predilecta e ao alcance de todos (rezado a sós ou em família) ... O céu costuma pedir com insistência, porque Deus conhece bem o valor da nossa felicidade! Não nos deixemos, pois, distrair dos Seus apelos. E, muito menos, dar atenção a propostas ilusórias que nada têm a ver com a fé cristã, mas, antes, com truques de comércio e aparência de mistério.
Vale a pena lembrar as palavras de Nossa Senhora, aos Pastorinhos, diante da visão do Inferno:
"Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores; para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu lmaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz... Mas se não deixarem de ofender a Deus... começará outra guerra pior". Tanto a ´visão´ como estas ´palavras´, afiguram-se, no parecer de alguns, como traumatizantes para as crianças. E não admira, pois a sociedade pós-moderna rejeita a cruz e não gosta de conviver com os que sofrem. Deus, porém (diz a Lúcia, no primeiro livro das Memórias), não hesitou em ´mostrar e falar disto´ às três crianças, sendo uma de seis anos, apenas! E acrescenta: "como é que a Jacinta, tão pequenina, se deixou possuir e compreendeu um tal espírito de mortificação e penitência"? Decerto, por aquela razão que levou Jesus a rezar ao Pai, em atitude de louvor: "Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelastes estas coisas aos pequeninos e não aos grandes e poderosos"! Sim, os pequeninos não põem confiança nas próprias forças e capacidades; crêem com a vida. E quem são os pequeninos, afinal? - As crianças, somente? Os pequeninos, à luz do Evangelho, são os humildes de coração, os pacíficos, os que sofrem pela justiça... isto é, os que se deixam moldar pelo espírito das bem-aventuranças.
Vamos, de novo, à beira Lago, acompanhar Jesus e os Apóstolos, para saber como se passou aquele descanso: por causa da multidão que precisava e pedia, o trabalho continuou até ao fim da tarde; mas por causa dos Doze, Jesus quis retirar-se e mostrar como é importante dialogar a fé e usar os joelhos para falar com Deus. Ora, foi tudo isto, o que Nossa Senhora ensinou e pediu, aqui, em Fátima. Não vamos, pois, comprometer o ambiente de silêncio deste Santuário. Nós, os pastores, e vós, os cristãos, devemos empenhar-nos com responsabilidade. Que Nossa Senhora vos abençoe e às vossas famílias!

Fátima, 23 de Julho de 2006 (+ Augusto César)

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