13 de janeiro, 2020

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NOSSA SENHORA DO SIM

 

Sento-me de frente para a imagem de Nossa Senhora vezes sem conta. Em alturas difíceis, em fases adversas, em tempos de dúvida, mas também em momentos de alegria, gratidão e exaltação interior. Sento-me e fico em silêncio, sempre. Gosto do fio da nossa conversa, sem palavras ditas, apenas sentidas. E gosto de meditar sobre a maneira como Nossa Senhora foi mãe.

Tal como a esmagadora maioria dos crentes, também eu não tenho apenas uma forma de rezar a Maria porque tudo me serve de motivo de conversa. Posso rezar o Terço e as orações que aprendi, sejam as de entrega, as de súplica ou as de pura devoção a Nossa Senhora, mas não rezo só desta forma. Aliás gosto tanto de conversar com ela que a maior parte das vezes faço-o com palavras minhas.

Maria guardava tudo no seu coração e esta frase, tão breve e tão misteriosamente abrangente, acompanha-me ao longo da vida. Ajuda-me a calar quando é preciso calar. Ajuda-me a escutar os outros e a guardar para mim. Ajuda-me a ser menos julgadora. Ajuda-me a aceitar sem precisar de saber todas as razões. Ajuda-me a perceber o que é de Deus e o que vem dos homens. Ajuda-me a elevar-me acima das circunstâncias, sobretudo quando são adversas ou difíceis. Ajuda-me a tentar ser melhor e, sobretudo, a não desistir de tentar.

Nossa Senhora não percebia tudo, mas guardava tudo no seu coração. O seu testemunho interpela-me. Nunca estaremos à altura do seu exemplo, mas a sua maneira de agir e reagir iluminam o nosso caminho. Começa no seu Sim e continua até à cruz de Jesus. Maria era a mesma pessoa na Anunciação que foi, depois, na crucifixão? Penso que não. Também ela cresceu em sabedoria e graça, apesar de ser a Maria sem mancha, sem pecado original.

Aprendi neste Natal que passou mais algumas coisas sobre o ‘pecado original’. Fui a uma das Catequeses de Advento de Vasco Pinto de Magalhães, padre jesuíta, que usou a sua forma eloquente, simultaneamente sábia e simples, para nos falar de Maria e da ausência de ‘pecado original’.

- “Nascemos carentes de amor e de graça, nascemos com necessidade de estabelecer uma relação com Deus. O pecado original não é uma mancha, não é nascer sujo, mas é esta carência de amor e da graça de Deus. Santo Agostinho introduziu a expressão do ‘pecado original’, mas na verdade ela apenas traduz a condição humana. Maria estava, desde a sua conceção, em relação com Deus. Deus deu-lhe a graça para ela ser quem é. Porquê este privilégio? Porque era preciso que houvesse alguém na terra capaz de dar um Sim pleno a Jesus. Tudo em Maria fala de Deus e de Jesus. Toda a sua realidade é cristológica”.

Na Encarnação Deus faz-se um de nós. Não é um Deus-doutrina, não é um conjunto de leis, mas é um como nós. E era preciso que houvesse uma pessoa, uma mulher que estivesse preparada e fosse capaz de dizer um Sim pleno, total. À voz do Anjo, Maria diz:

- “Aqui estou, faça-se em mim”.

Para dizer isto era preciso estar cheia de graça, acrescentou Vasco Pinto de Magalhães.

Maria é a pessoa do Sim, a Senhora que nunca fala de si mesma, a menina-mulher que revelou a sua abertura à graça de Deus. O pecado original é não estar aberto à graça e é fechar o coração a Deus. Mas a graça não é mágica. Exige que façamos, cada um, o nosso trabalho. A nossa parte. Nossa Senhora fez a dela e Jesus também precisou de 30 anos para aprender tudo e ser quem era.

Sobre o privilégio de Maria, também fiquei mais esclarecida neste Natal:

“Todos temos um privilégio. Não se trata de uma sorte ou de um bónus! O privilégio é a condição única de cada um, aquilo que Deus pede a cada um, a vocação de cada um”.

Tudo isto precisa de ser rezado e meditado, para poder ser aprendido e compreendido. É matéria que não se esgota numas quantas linhas escritas numa revista. E por isso volto-me para Nossa Senhora e, em silêncio, peço-lhe que me ajude a ser, também eu, uma pessoa do Sim.

 

Laurinda Alves, Jornalista, escritora, tradutora e professora universitária de Comunicação, Liderança, e Ética

 (In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1168, 13 de janeiro 2020) 

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