13 de setembro, 2020
NOSSA SENHORA DO SÉCULO XXI
Olho à minha volta e vejo cada vez mais mulheres a agir como Maria. Umas tentam conscientemente imitar Nossa Senhora, outras nem sequer sabem que a estão a imitar. Mas estão. Penso em todas as mães que ficaram privadas de acompanhar os seus filhos doentes neste tempo de pandemia, porque conheço algumas, e sei como está a ser duro o seu quotidiano. Também penso nas mães que perderam os filhos e agora não podem ser abraçadas nem acolhidas como Maria foi, pelos apóstolos e amigos do seu Filho, e choro com elas, por elas. Tudo o que já seria doloroso em circunstâncias ditas normais, revelou-se particularmente brutal nestes tempos de Covid. Uma mãe enterrar o seu próprio filho praticamente sozinha e voltar do cemitério quase desacompanhada era um cenário impensável até há uns meses atrás. Agora é a realidade real. Uma mãe que perde um filho por doença ou acidente súbito fica privada de tudo o que lhe era mais essencial e ainda daquilo que nunca seria capaz de imaginar. Tenho acompanhado de perto mães que suportam o internamento de filhos sem os poderem visitar, sem poderem estar à cabeceira, sem sequer os poderem consolar com os pequenos mimos de que eles tanto gostam e tanto bem lhes fariam. Mães que são obrigadas a permanecer à distância, a ver através de uma janela, que não podem tocar nem abraçar. Mães que são verdadeiras fortalezas quando estão no mesmo perímetro dos seus filhos, mas desabam a chorar quando eles já não as podem ver. O distanciamento social e o perigo de contágio têm deixado os mais vulneráveis extremamente sozinhos. E tem sido devastador para muitos. Nos lares, onde deixou de haver visitas e onde muitas pessoas morrem absolutamente sós, o dia a dia passou a ser pesado, sombrio, vivido numa opacidade dramática. Nos hospitais, os pais não podem visitar os filhos, nem os filhos visitar os pais. Muito menos os netos podem chegar-se aos seus queridos avós. A bolha de tempo e espaço que se criou em certos lares, instituições e unidades hospitalares é uma realidade que ultrapassa qualquer ficção. Penso nas mães que atravessam, ou atravessaram o calvário do internamento dos seus filhos e nas mães a quem os seus filhos morreram neste tempo cru de pandemia. Penso nas que conheço, porque as acompanho de perto e as vejo entre o vazio e o silêncio, as lágrimas e a dor, por vezes sem paz interior e sem capacidade de acreditar que há futuro, mas ao mesmo tempo capazes de encontrar forças para viver cada dia e cada hora, suportando o que é preciso suportar. Não se queixam e eu fico de joelhos perante estas mulheres, estas mães coragem, estes monumentos de amor e entrega. Sinto a sua fortaleza interior e vejo-as devastadas, mas com capacidade para permanecerem verticais. De pé, pelos seus filhos. Algumas não são crentes e, por isso, nem sequer sabem que o seu amor e a sua entrega de mães nos devolvem o amor de Maria, nossa Mãe. Mas é assim que as vejo, como Nossa Senhora, a percorrer o calvário com o seu Filho, por Ele. E é a todas estas mães que conheço, mas também às que desconheço, que agradeço o testemunho, o exemplo, a força e a fé. E porque há imagens que ficam para sempre connosco e jamais poderemos esquecer, quero agradecer também aos filhos destas e outras mulheres, por nunca as abandonarem. Quando a situação é inversa e cabe aos filhos ficarem distantes das suas mães, há sempre forma de contornar a distância. O filho palestiniano que subiu pelas paredes do hospital para ficar próximo da sua mãe e a poder acompanhar à janela até ao fim também nos fala de oração, de altar e do amor pela Nossa Mãe.
Laurinda Alves, Jornalista, escritora, tradutora e professora universitária de Comunicação, Liderança, e Ética (In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1176, 13 de setembro 2020)
|