14 de março, 2022
Terço de Fátima une famílias e chega às periferias existenciaisIdosos, doentes e reclusos rezam o terço através da rádio e da televisão, fazendo desse momento a experiência de Fátima. Milhares de peregrinos estão ligados ao rádio e à internet desde 2009 de forma regular e diária. Como se estivessem na Capelinha das Aparições.
A pandemia trouxe uma nova perspetiva das Igrejas aos fiéis, transportando em tantos momentos os altares para o interior das suas casas. Através dos meios de comunicação social e digital, rezar diariamente o terço, acompanhar diariamente a missa tornou-se uma prática mais comum. Contudo, em muitos lares, a mediação de um momento celebrativo através de um rádio, de uma televisão, de um computador ou de um telemóvel fazia já parte da rotina, muito antes da pandemia. A oração do rosário, é uma prática regular na pastoral do Santuário de Fátima, atendendo ao pedido feito por Nossa Senhora aos Pastorinhos. Este momento celebrativo acontece em diferentes horas ao longo do dia, inserido no calendário de celebrações regulares. O rosário das 18h30, atingiu particular relevância, na medida que a partir da década de 90 começou a ser transmitido de forma frequente pela Rádio Renascença, Emissora Católica Portuguesa. Em 2005, também a rádio e TV Canção Nova, do Brasil, e a Telepace, de Itália, começaram as suas transmissões diárias do rosário das 18h30. A partir de janeiro de 2009, os internautas começaram a poder acompanhar este momento celebrativo, através do site oficial do Santuário de Fátima, que passou a ter ligação em direto à Capelinha das Aparições. No Santuário de Fátima, este momento celebrativo começa sempre ao toque do sino, e na Santa Casa da Misericórdia de Fátima, o relógio na parede não deixa margem para atrasos. Silvério Freitas, há pouco mais de um ano a residir na instituição, dá sinal, está a aproximar-se o momento: é hora de aumentar o volume da televisão, o rosário vai começar. Este momento é pratica habitual nesta instituição, desde a abertura, em janeiro de 2007, o que agrada à maioria dos utentes. “Toda a minha vida trabalhei fora, e vir a Fátima em tempo de férias com as minhas filhas, era aliviar um bocadinho o stress”, conta Silvério Freitas, antigo encarregado de construção civil, com 84 anos. Durante a vida, trabalhou no Gabão, Líbia, Iraque, Egipto, e Alemanha, e agora em Fátima, está encarregue de colocar a televisão no canal certo, e com um volume audível em toda a sala. “Poder rezar diariamente o terço, é muito importante, é algo que faço desde miúda, quando ia à catequese; trabalhei uns anos fora, e nem nessa altura perdi esse hábito, nessa altura rezava em casa”, conta Elvira Duarte, que trabalhou como empregada de balcão na Baixa de Lisboa. “Tenho muita devoção a Nossa Senhora de Fátima, falo muito com ela na minha intimidade”, disse ainda. Fernanda Rosa, provedora da Santa Casa da Misericórdia de Fátima, explica ao jornal Voz da Fátima, que “a maioria dos utentes são católicos praticantes, e é fundamental para eles a continuidade da prática de fé através da oração e do silêncio”. No dia a dia a oração do terço “é acompanhada por todos mesmo aqueles que são mais indiferentes à religião, e é um momento de reflexão e de silêncio que todos respeitam”. “Estes momentos reforçam também os sentimentos de pertença à comunidade e nestes tempos de pandemia, com as restrições das visitas e das saídas, assistir às cerimónias realizadas no Santuário de Fátima, contribui para a vivência comunitária dos utentes e serena o ânimo ou o desanimo muitas vezes, principalmente dos utentes que mantêm as suas faculdades mentais”, reiterou Fernanda Rosa. Também Fernando Brito, conta que visitava regularmente o Santuário, e participava presencialmente na recitação do rosário, mas agora as dificuldades de locomoção não permitem essa deslocação. “Toda a minha vida estive ligada à Igreja, fui Ministro Sagrado da Comunhão, e já há uns anos tinha o hábito de rezar através da rádio, agora aqui poder rezar o terço em comunidade é algo muito bom”, esclarece. Maria da Conceição Ferreira acredita que quer o terço, quer a missa “fazem parte da rotina de quem ama Jesus e Nossa Senhora”. “Uma vida sem os momentos de oração é uma vida vazia, sem sentido”, afirma esta antiga costureira, de 73 anos, que acompanhava presencialmente as Peregrinações Internacionais Aniversárias no Santuário. “Eu lembro-me, quando estávamos a trabalhar era comum rezarmos o terço”, conta, recordando ainda que muitas vezes que era hábito ir à missa antes de começar o trabalho, “eu gostava tanto daquele passeio, vinha com Jesus no meu coração, e o dia tornava-se tão belo”. A Associação de Bem Estar Social e Recreativa de Alpedriz tem proporcionado experiências sensoriais aos seus utentes recorrendo à Realidade Virtual. Como consequência das limitações de mobilidade da Pandemia, esta instituição concebeu várias visitas virtuais, onde o utilizador pode olhar a toda a volta e ter uma experiência totalmente imersiva e inclusiva. Os vídeos 360º são acompanhados de som direcional captado pela câmara, o que torna a experiência completamente isolada do mundo real. Um dos cenários escolhidos foi o Santuário de Fátima, especificamente, a recitação do Rosário na Capelinha das Aparições. O uso da Realidade Virtual possibilita reativar estímulos cognitivos e neurológicos nos idosos que recuperam mais facilmente movimentos, emoções e memórias, impulsionadoras de equilíbrio psicológico, e o feedback tem sido bastante positivo, sendo possível verificar melhorias nos utentes. “Já estou em Fátima, o senhor prior está a chegar!”, diz com alegria Cremilde Ribeiro, uma das utentes da instituição, ao colocar os óculos que a “transportam” até à Capelinha das Aparições para rezar o terço. Aos 86 anos, conta que já há mais de uma década que não vinha a Fátima, pelo que explica que “foi muito bom ver Fátima através dos óculos, porque vi os cantinhos todos, e consigo ver muitos pormenores”. Não tem por hábito assistir à transmissão do rosário na televisão, no entanto “nos dias 13 de maio, não falho nem um minuto da celebração, é desde que começa até ao adeus a Nossa Senhora, e isso ninguém me tira”, explica, dizendo ainda que “gosto de lhe falar, dizer adeus, é como se Ela me tivesse a ver”. Uma outra utente, Zulmira dos Reis Monteiro, com 79 anos, acompanha diariamente o terço através da Rádio Renascença, e afirma que “se pudesse estava sempre em Fátima, pela minha fé, é o lugar onde mais gosto de estar, e este bocadinho em que rezo o terço é como se lá estivesse”. “Ver a Capelinha através dos óculos é uma alegria muito grande, sinto-me muito bem, parece que volto a Fátima, para junto de Nossa Senhora, é ouvir, é sentir, é muito bom”, explica. Idalina Nalha, fez vida a servir em casas religiosas, e no dia em que falou ao jornal a Voz da Fátima, experienciou pela primeira vez a oração do rosário através dos óculos com tecnologia de realidade virtual. Nos lábios balbuciava a Avé Maria, prece que compõe as dezenas do rosário, oração preferida de S. João Paulo II, também peregrino de Fátima.
“Eu fui a pé umas três vezes à Cova da Iria, devia ter ido mais vezes”, diz sorrindo, “agora acompanho a missa na televisão, é quase como se estivesse lá, gosto muito de ouvir os cânticos”. No entanto estar presencialmente na Capelinha das Aparições, “é algo que não se explica, é um sítio onde nos sentimos bem”. “Fátima representa para mim um bem-estar, uma paz, uma serenidade, que não tem explicação”, diz Maria Ivone, de 83 anos, que acompanha regularmente as Peregrinações Internacionais Aniversárias na televisão, mas “ver Fátima nos óculos, é como se fosse real”. Para Ana Rita Ferreira, Diretora Técnica e Técnica Superior de Serviço Social da Associação de Bem Estar Social e Recreativa de Alpedriz, o impacto deste projeto “reflete-se na ativação das memórias relacionadas com as diferentes práticas cristãs”. “Os utentes revivem com esta experiências, como momentos marcantes que viveram, onde a fé foi essencial, e relatam as suas experiências pessoais, quando faziam promessas, oferendas, bênção de objetos a procissão das velas, o que foi e é muito marcante para estes idosos”, explica ao jornal a Voz da Fátima. Esta experiência sensorial já chegou a cerca de 70 idosos, que “demonstram imensa satisfação pela forma pormenorizada como têm acesso ao Santuário por via da realidade virtual, com a afluência de pessoas que o santuário tem, nunca tinham tido a possibilidade de fazer uma visita individual e privilegiada, onde a imagem é completa e detalhada”. A fé, e as orações comunitárias, são também parte do quotidiano em muitas prisões. O padre José Luís Costa, coordenador da Pastoral Penitenciária, explica que em ambiente prisional não há acesso regular à internet, e as televisões são habitualmente comunitárias, no entanto “o grande meio de comunicação social é a rádio em FM, onde a celebração do Terço é acompanhada por alguns dos reclusos”. O padre João Torres, coordenador da assistência espiritual aos Estabelecimentos Prisionais de Braga e Guimarães, confirma esta informação acrescentando que muitos desses reclusos “rezam sozinhos na sua cela pela calada da noite”. Nos estabelecimentos prisionais que acompanha, a transmissão do terço pela Rádio Renascença coincide com o horário do jantar de muitos reclusos, “o que os impede de acompanhar via rádio”. “Antes da pandemia, um grupo de reclusos rezava o terço em grupo durante todo o mês de maio”, recorda, reiterando a importância da oração nestes casos específicos. “Quanto mais o sentido da espiritualidade for desenvolvido na pessoa, mais ela se sentirá tranquila, pacificada, e uma pessoa pacificada só pode criar paz à sua volta, e por isso ignorar ou negligenciar a dimensão espiritual na pessoa presa é não só fonte de desumanização, mas também ofensa à própria pessoa, trata-se tantas vezes de amputar a esperança, de querer e dever ser melhor”, diz o sacerdote. Neste sentido, a recitação do terço “ajuda a pessoa a atirar-se para a frente, a caminhar sem pré-determinismos para um futuro que tem o duplo poder de resgatar presente e passado”, afirma, lembrando que já presenciou isso em muitos casos de reclusos “que durante muitos anos foram uma coisa e, depois, passaram a ser outra, infinitamente melhor e maior”. “O recluso precisa da presença de Deus e do rosto materno de Maria para entender, que ele é maior do que os atos que cometeu e que não é redutível aos mesmos”, acrescenta o padre João Torres. Este sacerdote recordou ainda uma situação, numa oração comunitária do terço, num mês de maio em que um recluso contou que nesse dia, por o pai estar doente, não recebera a visita da mãe, mas, "já que ela não me veio visitar decidi eu visitar a mãe do céu para que ela visite a minha mãe e a ajude a cuidar do meu pai", disse com as lágrimas nos olhos. Em plena pandemia, os hospitais foram o epicentro da ação. As informações, tantas vezes acompanhadas em tempo real, meteram muitas vezes em causa a humanização e a dignidade dos cuidados de saúde prestados. O hospital de S. João no Porto, tem uma das maiores capelanias hospitalares em Portugal. O padre Paulo Teixeira, Capelão e Coordenador do Serviço de Assistência Religiosa no Centro Hospitalar de São João, Porto, há seis anos, dispõe de uma equipa com cerca de 150 elementos, que ali prestam serviço pelos mais de 16 km de corredor desta unidade hospitalar. “Ser capelão hospitalar é uma experiência extraordinária, e eu gosto muito desta missão que a Igreja me confiou aqui no Hospital de S. João”, afirma o padre Paulo Teixeira, que tem na sua equipa mais três sacerdotes, uma religiosa, e 11 ministros de outras religiões. Na Capela do hospital, a eucaristia é celebrada diariamente, pelas 12h30, “fora isso passa-se muito tempo com os doentes, porque são muitos os pedidos e nem sempre é possível responder a tudo”. Em 2021, este serviço além dos doentes, atendeu em média cerca de 35 profissionais de saúde. “A fé é algo pessoal, mas tem de ser vivida de forma comunitária, e aqui ni hospital a fé é vivida de uma forma muito particular, as pessoas sentem-se tão necessitadas de saúde que vivem a fé num foro muito pessoal, muitas vezes para conseguir algumas respostas”, considera o capelão, que não esquece que “o que é vivido dentro das paredes do hospital é o retrato de muitas das vivencias do lado de fora”. Há muitas pessoas “que entram aqui sem fé, e ou acham que não têm fé, e esta situação de extrema provoca muitas vezes o exercício da fé”. “As pessoas quando estão no hospital, muitas vezes não conseguem rezar, confessam esse facto, pelo sofrimento, pelo desanimo, e isso não permite à pessoa o exercício e a expressão da fé”, diz, no entanto em muitos quartos a missa é acompanhada através da televisão e dos smartphones. Ao domingo quando os ministros saem da capela para distribuir a Sagrada Comunhão, “relatam que quando se aproximam da enfermarias, normalmente as pessoas estão a assistir à eucaristia em grande número”. Por seu turno, o terço, “é um momento mais pessoal, os telemóveis permitem esse momento de oração, que é visível pelo terço, na mesinha de cabeceira”. “Toda gente fala de Fátima, mas nem toda gente compreende o fenómeno e o conteúdo de fé que Fátima tem, e há muitos doentes que confessam a intenção de ir a Fátima, muitos a recordação de uma ida lá, mas Fátima é vivido em si por muitas pessoas”, explica o Pe. Paulo Teixeira, pois “o sofrimento e Nossa Senhora estão de facto ligados, não se pode falar de fragilidade vivida num hospital, sem trazer Fátima ao nosso pensamento e ao nosso coração”. “A ligação dos doentes a Fátima é de uma profundidade e proximidade, que quem está de fora nem sempre consegue descrever”, disse ainda o sacerdote. O Papa Francisco na sua mensagem para o 2.º Dia Internacional da Fraternidade Humana, afirma que “a fraternidade é um dos valores fundamentais e universais que deveria estar na base das relações entre os povos, para que aqueles que sofrem ou são desfavorecidos não se sintam excluídos nem esquecidos, mas acolhidos, apoiados como parte da única família humana”. “Aos muitos sinais de ameaça, aos tempos sombrios, à lógica do conflito, contrapomos o sinal de fraternidade que, acolhendo o outro e respeitando a sua identidade, o solicita a um caminho comum. Não iguais, não, irmãos, cada um com a própria personalidade, a própria singularidade”, diz o Santo Padre na mensagem de vídeo. A Covid-19 colocou em causa muitos dos valores sociais, agudizou desigualdades e agravou aquilo que muitos apelidaram da “pandemia da solidão”. A fé foi companhia e alento em muitas casas e instituições, em tempos incertos. Mas mesmo antes da pandemia, e do reajustar de rotinas que isso implicou, a vivencia da fé, era por si conforto na fragilidade. Nossa Senhora, na segunda aparição aos três Pastorinhos assegurou “Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”. É essa promessa que diariamente traz a Fátima, de forma presencial, virtual e espiritual milhares de peregrinos. |