30 de maio, 2010

 
 “Vejo o Congresso como um presente, embrulhado em ternura e gratidão,
 que oferecemos a Jacinta, neste centenário do seu nascimento”.
De 4 a 6 de Junho, decorre no Centro Paulo VI, em Fátima, o congresso nacional “Jacinta Marto: Do encontro à compaixão”.  
A uma semana desta iniciativa organizada pelo Santuário de Fátima no âmbito das comemorações do Centenário do Nascimento da vidente Jacinta Marto, a Sala de Imprensa da instituição falou com um dos elementos da Comissão Científica. A breve entrevista foi feita a Isabel Varanda, doutorada em Teologia Sistemática, pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve/Bélgica e, desde 2008, Professora Associada na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.
Desta conversa, além do gosto da entrevistada em integrar este projecto científico, ressalta que da sua descoberta pessoal, depois transformada em investigação e estudo, nasceu também o encontro pelo coração. “Se tivesse de encontrar uma outra palavra para dizer Jacinta, diria Hospitalidade”, reflecte Isabel Varanda, que vê este congresso como um presente para a mais nova dos videntes.  
Isabel Varanda foi ainda convidada a falar sobre a conferência que se prepara para apresentar, na manhã de 6 de Junho, e em que procurará “aprofundar o sentido cristão da vida e da morte e tentar construir uma narrativa que seja audível para crentes, agnósticos ou ateus”.
- Com que sentimento aceitou o convite para integrar a Comissão Científica deste Congresso?
Esta questão remete-me para 2009, para o Congresso organizado pelo Santuário de Fátima de 18-20 de Junho, dedicado a Francisco Marto. Acompanhei alguns dos trabalhos do Congresso, convocado sob o lema Crescer para o Dom. Devo confessar, humildemente, que foi durante esses dias que a minha razão começou a inclinar-se, respeitosamente, diante da singular e extraordinária narrativa de fé protagonizada por três crianças, no início do século XX. Constato, hoje, que não foram os acontecimentos extraordinários na Cova de Iria, em 1917, que me conduziram aos pastorinhos de Fátima, mas os pastorinhos de Fátima que me conduziram a um outro patamar de interpretaç ão, de compreensão e de contemplação do “lugar teológico”, do lugar mariológico e do lugar antropológico, que é Fátima. O que os olhos não vêem o coração alcança e a razão rejubila.  
A resposta à vossa pergunta sobre o sentimento com que aceitei o convite que o Santuário de Fátima me dirigiu para integrar a Comissão Científica do Congresso é óbvia, lugar-comum e dos mais previsíveis: com muito gosto e com noção clara da imensa responsabilidade que seria colaborar na concepção de um evento capaz de integrar três dimensões essenciais: informativa (conhecimento, saber, formação, rigor metodológico), performativa (actualização memorativa, testemunhal e eficaz), festiva (celebração, alegria, criatividade). Estes elementos são indicativos da forma previsível como acolhi o convite; o menos comum está no facto de eu nunca ter pensado que alguma vez passasse a falar dos pastorinhos de Fátima com o coração cheio de intimidade e de ternura, que me faz chamá-los, hoje: - “Francisquinho e Jacintinha”; com Lúcia, confesso, a minha relação ainda é um pouco distante.  
- Já “conhecia” a Jacinta, de outros trabalhos ou investigações?
 “Conhecia” sem conhecer. Penso no étimo latino cognoscere que nos introduz não só à noção de saber, mas também à noção de sabor, já que o verbo latino cognoscere está relacionado etimologicamente com sapere – ter gosto; neste sentido, posso dizer que conhecia Jacinta, não só através das representações iconográficas, religiosas e culturais, como através da colossal Documentação crítica de Fátima, mas faltava-me o gosto.
Saber e sabor – saber com sabor – transfiguram o conhecer numa luminosa e saborosa experiência de comunhão.  
- O que se lhe oferece dizer sobre esta criança? O seu colega José Carlos Carvalho, numa outra entrevista à Sala de Imprensa do Santuário, sublinha na Jacinta uma espiritualidade “muito sofrida e crucificada”, muito marcada pela “consolação” a Deus. No entanto, não lhe parece interessante verificar que esse sofrimento tinha contudo a marca da alegria?
Procuro palavras, mas soam-me todas a demasiado construídas. Jacinta não é redutível a um tema, a um discurso, a um retrato; gostaria de usar só palavras com as quais ela pudesse brincar; usar só imagens que ela pudesse reproduzir nas suas brincadeiras e nas suas tarefas diárias; usar só sons que ela pudesse cantar; usar só olhares que ela pudesse redireccionar para a contemplação do mistério que a visitou e habitou a sua vida.  
É com pudor que ouso dizer que penso em Jacinta como parábola da eternidade. Não uma eternidade fora do tempo e do espaço cósmico, mas uma eternidade no tempo, no espaço, no ser. Jacinta vê o que os olhos não vêem, intui o que a razão não revela. A pastorinha, de 10 anos apenas, transforma-se num lugar antropológico de síntese perfeita do céu e da terra. Ela é uma dessas criaturas raras que habitam o mistério do sentido do mundo e da vida com um à-vontade desconcertante. Jacinta, que tanto anseia pelo céu, não o encontra, certamente, só depois da sua vida no mundo; ela vive o céu na sua vida, certo, sob a forma de revelação-ocultação, d e ainda não totalmente e de promessa, mas a sua vida é já um tempo eterno, melhor dito, a eternidade no tempo. Não dizia Karl Rahner que o tempo, no seu fruto maduro, pode chegar a ser eternidade? A pequena Jacinta vive a maturidade do tempo, qual fruto maduro, que já não é tempo, é eternidade. Assim, ela desprende-se do tempo na plenitude da sua humanidade, iluminada pela “candeia de Nossa Senhora, que não queima nem cega” e ansiosa por repousar o seu pequenino e humilde ser nos braços do seu amantíssimo “Jesus Escondido”, a quem ela não se cansa de declarar o seu amor. “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, isso preparou Deus para aqueles que o amam” (1Cor 2,9). Jacinta é uma criança fundamentalmente feliz.< /font>
Se tivesse de encontrar uma outra palavra para dizer Jacinta, diria Hospitalidade. É esta disposição natural e intrínseca que torna Jacinta nesta figura ímpar na paixão e na compaixão: “Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro do peito a queimar-me e fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!”.  
Jacinta sabe acolher o mistério do mundo, das coisas e dos seres; ela sabe acolher o céu e a terra e o céu na terra. Por isso, consigo pensar em Jacinta qual “metáfora viva” da hospitalidade, que é a morada predilecta da compaixão.
- Qual será o fio condutor da conferência que apresentará no congresso, intitulada “A morte como momento de encontro”? À partida, o título reveste-se de um tópico de esperança…
Posso responder numa palavra: a vida. A vida é o fio condutor da reflexão a que me proponho sobre a “morte como momento de encontro”.
 Como falar desta inevitabilidade da vida, que é a morte, sem falar precisamente do sentido da vida e da morte, da morte da vida, da morte na vida, e da vida na morte?  
Concretamente, interessa-me aprofundar o sentido cristão da vida e da morte e tentar construir uma narrativa que seja audível para crentes, agnósticos ou ateus, de tal modo que os cristãos não se sintam traídos na sua razão crente e os não crentes não se sintam ofendidos na sua razão descrente.
O cristão espera porque confia; confia no Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, no Deus de Jesus Cristo, que é “um Deus de vivos e não de mortos”. Vamos tentar dar razões da nossa esperança e da nossa confiança na vida, que é promessa de eternidade.  
- “Como falar hoje da morte…” foi um dos seus trabalhos de investigação. Colocado sob a forma de pergunta: É (mais) fácil falar-se da morte?
Falar da morte é falar de um acontecimento do qual não temos experiência directa; temos experiência directa da vida e é enquanto viventes e à luz da vida que podemos reflectir sobre a morte.
 O nosso tempo é caracterizado por uma relação ambígua com o tema da morte: entre a banalização da morte e a morte tabu desdobra-se um sem número de atitudes que mostram que o ser humano se recusa a aceitar que é um ser-para-a-morte.  
Estou consciente da complexidade do tema e da audácia de tentar entrar em campos pouco visitados e controversos; mas também estou consciente da grande necessidade de voltarmos a falar da vida, da morte, da ressurreição, do além e da vida eterna. É uma urgência para a Igreja de Jesus Cristo, que vive no século XXI, “repensar” e “recuperar” a dimensão escatológica da vida.  
- Quais as suas expectativas pessoais em relação a este congresso no qual já estão inscritos 410 participantes de todo o país?  
Tanta gente! E ainda muitos mais vão querer estar connosco fisicamente ou através de outros meios que serão disponibilizados.  
Vejo o Congresso como um presente, embrulhado em ternura e gratidão, que oferecemos a Jacinta, neste centenário do seu nascimento. Junto ao presente, um cartãozinho, dizendo-lhe o quanto gostamos dela, que faz parte da nossa história; que é nossa família e que não a esqueceremos.
Num tempo em que os nossos corações estão desertificados de afectos, talvez consigamos desbravar, com Jacinta, caminhos de hospitalidade e de compaixão. Dominados pelas lógicas do benefício e do lucro, do interesse e do poder, quem sabe, talvez consigamos ver com a pequena Jacinta o que os olhos não alcançam e consigamos alcançar o que o dinheiro não compra. Num tempo marcado por encruzilhadas, sentidos confusos e provisórios, quem sabe se não podemos perscrutar, com Jacinta, horizontes de sentido último, âncoras de reforço da nossa confiança em que o céu ainda é possível.
Seria muito bom se este congresso conseguisse iluminar o lugar antropológico, pleno de actualidade, que a pastorinha de Fátima representa. Lugar antropológico que reforça esta nossa convicção profunda de que o mundo não se contenta com políticas, doutrinas, princípios, teologias, filosofias ou ideologias. O mundo actual busca “uma fé que faça viver” como um dom e uma responsabilidade.
LeopolDina Simões, Sala de Imprensa do Santuário de Fátima
Outras informações: https://www.fatima.pt/news/centenario-nascimento-jacinta-marto-2010  
Contacto com o Secretariado do Congresso: [email protected]
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