13 de junho, 2020
Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima: áxis do SantuárioEm agosto de 1919, um devoto, Gilberto Fernandes dos Santos (1892-1964), mandou fazer na Casa Fânzeres, em Braga, uma imagem de Nossa Senhora para colocar na capelinha que estava a ser construída no local das Aparições. Entretanto, o P. Manuel Nunes Formigão (1883-1958) deixou, na oficina de Braga, anotações que orientaram a construção da imagem de acordo com os testemunhos dos Pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco. Havendo algumas discrepâncias na exposição dos detalhes, os relatos convergiam na descrição feita por Lúcia no interrogatório de 17 de setembro de 1917: «uma Senhora extremamente bela vestida de branco, com um manto igualmente branco, mas dourado […]; como que pousou sobre uma pequena carrasqueira, de pé, com as mãos postas donde pendiam umas contas brancas, mas lindíssimas» (Documentação Crítica de Fátima. Seleção de Documentos (1917-1930), Santuário de Fátima, Fátima, 2013, doc. 9, p. 48). A insistência na alvura das vestes determinou uma rutura nas representações marianas, tradicionalmente mais coloridas em declinações de azul, vermelho e ouro. A realização da imagem foi incumbida a José Ferreira Thedim (1892-1971). Procurando seguir o testemunho dos videntes, Thedim encontrou o modelo (ou arquétipo) na imagem de Nossa Senhora da Lapa, no catálogo da Casa Estrela no Porto, de 1910, atualmente na igreja de Nossa Senhora da Lapa, de Ponte de Lima, diocese de Viana do Castelo. Thedim introduziu algumas alterações na construção da imagem-tipo de Nossa Senhora de Fátima, de forma a corresponder às descrições. Em 1951, Thedim aproveitou uma operação de limpeza para lhe aplicar alguns retoques e pequenas alterações, no sentido de uma maior simplicidade formal, tornando definitiva a imagem que se venera na Capelinha das Aparições como tipo iconográfico de Nossa Senhora de Fátima. A imagem é representada de pé, com a cabeça ligeiramente inclinada à esquerda e o olhar dirigido para baixo. O rosto, de feições delicadas, tem uma expressão compassiva, quase plangente. Veste túnica e sobretúnica e traz um manto comprido posto sobre a cabeça e a envolver o corpo. As vestes são brancas, mas o manto é orlado por uma faixa de ornatos dourados, tal como o cordão com borla e a estrela na parte inferior da túnica. A imagem tem as mãos postas à altura do peito, em atitude de oração. Assenta os pés descalços na nuvem que lhe serve de peanha, em triângulo invertido, sobre uma base marmoreada. Sobre as mãos, apresenta um terço que constitui o atributo mais específico da sua titularidade como Nossa Senhora do Rosário. Partindo deste modelo, as esculturas devocionais de Nossa Senhora de Fátima, desde a década de 1920, proliferam por todo o mundo, seja em altares de igrejas ou em oratórios domésticos. É esta a imagem matriz de Nossa Senhora de Fátima, em função da qual se define o tipo iconográfico, um dos mais relevantes do catolicismo contemporâneo, e se elaboram os subtipos Virgem Peregrina e Imaculado Coração de Maria de Fátima. Foram os crentes que determinaram a iconografia e adotaram a imagem, tornando-a o signo material das Aparições e da devoção a Nossa Senhora de Fátima. As tentativas académicas de criar uma alternativa erudita à obra de santeiro, como a escultura de António Teixeira Lopes, criada onze anos depois, não foram aceites pela devoção popular que se projeta melhor no estereótipo de Thedim, citação literal do relato dos videntes. A imagem foi solenemente coroada a 13 de maio de 1946, com a coroa de ouro, pérolas e pedras preciosas, executada na Joalharia Leitão & Irmão e oferecida por iniciativa de um grupo de mulheres portuguesas como sinal de gratidão por os seus maridos e filhos terem sido poupados à Segunda Guerra Mundial. Nesta coroa, dita preciosa, foi encastoada a bala que, a 13 de maio de 1981, atingira o Papa João Paulo II, o que a torna num duplo ex-voto gratulatório à Virgem de Fátima. Esta coroa é reservada às grandes celebrações, sendo habitualmente usada uma coroa de prata dourada. Na Capelinha das Aparições, a imagem, protegida por uma redoma de vidro, encontra-se colocada numa estrutura pétrea que a eleva acima do olhar e marca o local da azinheira onde a Virgem apareceu aos Pastorinhos. Numa reconstituição simbólica do tema das Aparições, a imagem marca o áxis do Santuário, ponto de convergência do culto e da peregrinação.
Maria Isabel Roque, Professora de História de Arte na Universidade Católica Portuguesa (In Voz da Fátima, Ano 098, N.º 1173, 13 de junho 2020) |