13 de agosto, 2015

Só a fé cristã faz nascer um novo povo
Caros fiéis em Cristo, como eu, peregrinos de Fátima,
Senhor D. António Marto, rosto da Igreja de Leiria-Fátima que nos acolhe,
Senhor Reitor deste Santuário Nacional,
 
Gostava de começar esta reflexão com algumas questões. Não perguntas ociosas, mas ajuda ao trabalho de bem pensar. Ao criar o homem e o mundo, Deus tinha em mente algum plano? Se sim, esse projecto ou plano concretizou-se plenamente? E se não se implementou na sua totalidade, isso deve-se a quê: à fraqueza de Deus ou à força do homem que se lhe opõe? Mas, então, quem é mais forte: Deus ou o homem?
Estas questões vêm-me à mente ao escutar as leituras agora proclamadas. A primeira é um hino de alegria e exultação porque o profeta vislumbra na salvação operada pelo Messias, verdadeira restauração do plano originário de Deus, o gérmen do nascimento de um mundo novo. Mundo já não regido pelos asfixiantes limites das fronteiras, raças, línguas, nacionalismos, costumes ou outros, mas mundo global, no qual o próprio estrangeiro possua os mesmos direitos que o nacional, o pobre possa saciar-se em igualdade de circunstâncias com o rico e a todos esteja assegurado um futuro de paz, de harmonia e de contentamento. É a felicidade messiânica, aqui expressa em chave de alegria, com verbos tais como alegrar-se, rejubilar, regozijar, saborear delicias, acariciar, consolar, pular de júbilo, retomar vigor, etc.
Curiosamente, não foi isto o que Jesus experimentou na sua própria terra, como nos dizia o Evangelho. Os habitantes de Nazaré, pequeníssima localidade onde todos se conheciam e, portanto, poderiam viver como família, deixaram-se tomar por aquele clima de desconfiança, desvalorização do outro, inveja e maledicência. E rejeitam Jesus. E o Senhor sofre esta afronta, a ponto de se queixar: “Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa” (Mt 13, 57). E a cena é descrita com termos negativos, tais como escândalo, desprezo, falta de fé, etc. Repare-se, pois: enquanto o profeta da primeira leitura sonha e exulta com a dimensão social do projecto de Deus para o mundo, Jesus vê-se confrontado com o anti-plano, com a recusa do projecto de Deus, com a força desagregadora de uma humanidade que teima em introduzir do seu e expulsar Deus. Esta acção humana exprime-se em fechamento, recusa, desagregação, conflito, barreiras, isolamento, desconfiança, ódio e morte.
De facto, a história do mundo tem-se jogado entre estes dois pólos. E quantas vezes parece que só fica o homem com as suas desordens e que Deus é obrigado a «bater em retirada»! Foi assim nas duas guerras mundiais –estamos no centenário da primeira e, depois de amanhã, comemoraremos os 70 anos do final da segunda-, foi assim em Auschwitz e parece ser assim em tantos dramas do presente. Mas nós, no Credo, a respeito de Jesus, rosto visível de Deus, professamos solenemente: “O seu reino não terá fim”. Isto é: o único soberanos do mundo é Deus e não qualquer outro poder ou realidade.
Sim, eu creio firmemente que, não obstante a força desagregadora do mal, do egoísmo e do pecado que o homem introduz no mundo, a história segue o plano de Deus e se encaminha para um futuro de unidade do género humano e de fraternidade entre todos. Tal como não caminhamos da sabedoria da idade adulta para a ignorância dos tempos de bebé, também a história não caminha do mais para o menos, da abertura para o isolamento, da universalidade para o particularismo. Ora, esta visão ajuda-nos a compreender a problemática, tão actual, das migrações, a qual, aliás, tradicionalmente dá tema a esta Peregrinação Aniversaria de Agosto. Eis algumas considerações.
Os judeus antigos tinham consciência clara que viviam numa terra que não lhes pertencia, que era propriedade de Deus cedida gratuitamente ao povo (cf Lev 25, 23). Por isso, sentia-se também ele como que perenemente estrangeiro e, consequentemente, com o coração mais desperto para amar o migrante: a estes se concediam os mesmos cuidados e atenções que aos órfãos e às viúvas, os mais pobres dos pobres (cf Dt 24, 19-21). Tinha-se presente a experiência histórica do povo de Israel no Egipto: como o acolhimento do emigrante facilmente se transformou em hostilidade e exploração, até à sua redução à escravatura.
É desta consciência que, hoje, o nosso mundo necessita. Chega de muros de cimento armado e de mentalidades que se isolam e se fecham ao exterior! Basta de cimeiras para descortinar formas de impedir que os povos da fome se aproximem da nossa casa, apenas para apanharem as migalhas que caem da nossa mesa! Não mais o travar caminho aos que fogem à carnificina horrorosa e bárbara dos que matam em nome de uma fé! Deixe-se de invocar falta de recursos por parte da União Europeia –ela que até os esbanja em acções não muito éticas - para se continuar a fazer do Mediterrâneo a «vala comum» onde se sepultam os transportados nas obsoletas «carretas funerárias»! Considere-se a xenofobia e o racismo como crimes contra Deus e contra a humanidade! Arranjem-se formas de vedar definitivamente a possibilidade de se viver à base do sangue sugado ao trabalhador escravizado, como tantas vezes as notícias nos referem! Fiquemos a pensar nestas palavras sábias do Papa Francisco: “À globalização do fenómeno migratório é preciso responder com a globalização da caridade e da cooperação, afim de se humanizarem as condições dos migrantes. Ao mesmo tempo, é preciso intensificar os esforços para criar as condições aptas a garantirem uma progressiva diminuição das razões que impelem populações inteiras a deixar a sua terra natal devido a guerras e carestias” (Mensagem para a Jornada Mundial do Migrante e Refugiado 2015).
Sei bem que estas questões não são de fácil solução nem esta passa por se abrirem as fronteiras de forma indiscriminada. Mas temos o direito de exigir aos políticos do mundo soluções sérias e sustentáveis. Mas temos também de criar e difundir uma nova mentalidade: a do tal projecto universal de Deus que se há-de sobrepor aos regionalismos e às barreiras humanas.
Caros emigrantes, convoco-vos para esta nobre missão: levai aos homens e mulheres dos países onde viveis esta abertura de espírito, esta verdadeira evangelização. Mostrai-lhes que a nossa Igreja não possui fronteiras e, é mãe de todos. Apresentai-lhes uma Igreja que é migrante por natureza: começou com um Fundador, Jesus, que, mal nasceu, teve de se refugiar no Egipto; nos seus Apóstolos, foi enviada a todo o mundo; e muito deve aos cristãos de Jerusalém que tiveram de deixar a sua terra após a perseguição que martirizou Estêvão, pois estes tornaram-se os primeiros evangelizadores além-fronteiras. Também hoje vos convido a irdes à sociedade onde residis levar a luz da fé e de uma mentalidade mais humanizada. Fazei-o com alegria e são orgulho: vós dais mais aos povos que vos acolheram do que trazeis deles. Dais mais economicamente –se eles vos dão cinco, vós gerais riqueza de quinze ou vinte- e dais muito mais em luz da fé, pois, alguns deles, deixaram apagar a vela do seu baptismo.
Queria, neste momento, felicitar e agradecer aos que vos ajudam no dia-a-dia a manter viva a vossa fé e as vossas tradições de origem: os missionários sacerdotes, religiosas e religiosos e leigos. A Igreja portuguesa tem fracos recursos. Mas saberá disponibilizar alguns deles para vos acompanhar. Sim, a Igreja, que reivindica a honra de ter estado convosco desde a primeira hora, muito antes do Estado ou de qualquer outro organismo, continuará a fazer caminhada convosco. Abri-vos a ela. Caminhai também vós com ela.
Sabeis que estamos a preparar o centenário das aparições de Fátima. A imagem peregrina de Nossa Senhora anda a visitar as Dioceses portuguesas. É a Senhora, mais uma vez, a deixar a sua «casa» e a fazer-se migrante. Ela participa, portanto, da vossa condição. Participai, também vós, da sua condição de discípula de Jesus e membro proeminente da Igreja.
Que ela vos alcance de seu Filho Jesus as graças indispensáveis à vossa vida. E que a intercessão dos Beatos Francisco e Jacinta Marto e da serva de Deus Irmã Lúcia vos obtenha o atendimento dos pedidos que trazeis a esta Peregrinação.
D. Manuel Linda
Bispo das Forças Armadas e de Segurança de Portugal
 
 
 
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