12 de agosto, 2015

“Amarás o estrangeiro, porque também tu foste estrangeiro na terra do Egipto” (Dt 10, 19) 
Rev.mo Senhor D. António Marto, ven. Bispo desta Diocese de Leiria-Fátima,
Caros peregrinos,
o Antigo Testamento prescreve ao judeu piedoso a obrigação de, duas vezes por dia, fazer uma profissão de fé no Deus verdadeiro, libertador e providente. E a seu respeito, em muitas passagens bíblicas, aparece um inciso, cheio de ternura e sensibilidade pedagógica: se as crianças interrogarem o seu pai sobre a razão dessa oração, ele deveria explicar-lhes que os seus antepassados emigraram para o Egipto e acabaram por serem reduzidos à condição de escravos pelo faraó; mas que o Senhor os retirou de lá com mão forte e braço poderoso (cf Dt 6, 20 ss). Deste modo, enquanto se cantavam os louvores do Deus Salvador e se transmitia a religião aos filhos, também se criava uma específica sensibilidade ética de recusa da injustiça e de grande respeito pelo migrante.
            De facto, a defesa da dignidade e dos direitos do migrante é transversal a toda a Bíblia. As leituras desta Missa, agora escutadas, confirmam isso mesmo. Na primeira, o autor do livro do Deuteronómio é taxativo: “Amarás o estrangeiro, porque também tu foste estrangeiro na terra do Egipto” (Dt 10, 19). O imigrante não aparece aqui como um ser a quem se olha com desconfiança, tolerado ou objecto de comiseração, mas como alguém que, positivamente, tem de ser amado e acolhido com o mesmo timbre e intensidade de afecto que se devotam a Deus. Por isso, recolhendo essa sã e certeira teologia, já no Novo Testamento, em contexto especificamente cristão, o autor da Carta aos Hebreus vê o acolhimento de todos, particularmente dos mais carenciados, como derivado necessário da fé: “Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, é como se hospedásseis anjos” (Heb 13, 2). E não nos esqueçamos que o Anjo, na mentalidade bíblica, se apresenta como manifestação de Deus e sua presença eficaz na história do homem. Quer isto dizer que a hospitalidade, concretamente se exercida em favor do estrangeiro, é o mesmo que acolher Deus. Razão mais que suficiente para, como nos diz Jesus, no juízo final sermos confrontados com o exercício deste acolhimento: “Vinde, benditos de meu Pai […] porque era estrangeiro/peregrino e recolhestes-me” (Mt 25, 35).
            Esta hospitalidade, expressão do amor preocupado com quem sofre ou é portador de especial carência, aparece-nos magistralmente exemplificado na parábola do bom samaritano, escutada no Evangelho. O Senhor Jesus não faz discursos teóricos, mas refere a vida quotidiana, tão cheia de surpresas e de sobressaltos, porque a história do homem concreto é o «lugar» onde se acolhe ou recusa o reino de Deus. Por isso, a parábola «faz pensar», provoca, importuna a nossa consciência muitas vezes adormecida. E faz-nos ver que, tal como no caso da energia eléctrica que supõe sempre os dois fios por onde circulam a electricidade dita positiva e negativa, desapareceria a vida religiosa cristã se separássemos o amor a Deus do amor ao próximo, este traduzido em acolhimento activo, promoção e integração.
É evidente que tudo isto que venho referindo à base das leituras desta Missa sobre a necessidade de acolher o outro, tem consequências. Uma, porventura a mais evidente, diz respeito à problemática que tradicionalmente fornece o tema a esta Peregrinação Aniversaria de Agosto: as migrações e as suas dificuldades nunca completamente resolvidas e, ultimamente, os novos dramas com que nos confrontamos diariamente. Sobre isto penso voltar a reflectir na Missa de amanhã. Mas outra consequência, que agora gostaria de evidenciar, relaciona-se intimamente com as aparições de Fátima. Ainda antes do 13 de Maio de 1917, o Anjo pedia aos Pastorinhos: “Orai, orai muito e fazer sacrifício pelos pecadores”. E logo na primeira aparição, Nossa Senhora ordena-lhes: “Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios”. Por quem? Por eles mesmos? Também. Mas os Pastorinhos compreenderam perfeitamente que essa oração deveria ser pelos tais “pecadores”, aqueles que não amam a Deus nem respeitam os irmãos.
Pode-se dizer, portanto, que no centro da mensagem de Fátima está o amor oblativo e adorador a Deus e o amor preocupado e solícito pelos outros. O que, aliás, se tornou bem visível na curta vida dos dois videntes mais pequeninos: enquanto para Francisco a sua alegria era ir à igreja, junto do sacrário, para estar com “Jesus escondido”, a Jacinta passou a levar tão a sério a conversão dos pecadores que arrancou da prima Lúcia este comentário: “A Jacinta parecia insaciável na prática do sacrifício” (Memórias, vol. I, 47). Os dois não se excluem, mas completam-se.
Caros peregrinos, a espiritualidade que se respira neste santuário e os motivos profundos da peregrinação pedem-nos uma interiorização desta mensagem. Disponhamo-nos ao respeito activo dos outros, mesmo dos que não conhecemos, de alguma maneira representados na figura do migrante. Estejamos na linha da frente dos que os acolhem e dos que reivindicam os seus direitos, como faz a Bíblia. E reequacionemos a nossa existência na direcção do Amor, esse amor de adoração ao mistério de Deus e, simultaneamente, amor empenhado pela sorte dos homens e mulheres, nossos irmãos, particularmente dos mais desafortunados e infelizes. No fundo, foi esta a mensagem que a Senhora aqui deixou, vai fazer cem anos.
 
D. Manuel Linda
Bispo das Forças Armadas e de Segurança de Portugal
 
 
 
 
 
 
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