12 de setembro, 2009
Fátima, 12 de Setembro de 2009 Descobrir o sentido da cruz: prosseguir, com Maria, em sacerdotal entrega pelos outros 1.Perante os discípulos, Jesus lança a interrogação fundamental sobre a sua identidade. Alguns quiseram ir embora quando falou do pão da vida e não entenderam essa linguagem. Implicava dar a vida em alimento. Agora, o que constará para aí de Jesus? Pedro, contra as sondagens, afirma a verdade: Tu és o Messias. Pedro dá uma resposta pelo grupo, pelo povo nascente nos discípulos acolhedores do mistério de Jesus. Também Maria, ao dar uma resposta de fé ao projecto de Deus, exerce a missão de representar a humanidade. Em nome dessa humanidade é que Ela foi convidada a pronunciar o seu “sim”, a aderir ao plano de Deus e não aos seus interesses. No dinamismo da aliança entre Deus e a humanidade, quando alguém, como Maria e como Pedro, respondem com a sua decisão empenham todo o género humano. Maria e Pedro representam-nos como comunidade. Assim dão o primeiro passo que consiste em reconhecer Cristo. 2.Com Maria de Nazaré, os discípulos descobrem e confirmam o que ia passando pelo seu espírito, no seguimento de Jesus de Nazaré. Jesus, contudo, não fica embevecido na confissão, mas com uma clareza fantástica, previne: olhai que isto de ser Messias não vai ser como pensais. Com frontalidade pouco diplomática, sem deixar lugar a enganos, anuncia o caminho da sua paixão, do sofrimento. É uma linguagem ainda mais directa do que a do pão da vida, embora a mensagem seja idêntica. Cristo quer discípulos que unam fé reconhecida por palavras com obras vividas. Anuncia, então, a realidade do sofrimento, sem rodeios, directamente. Parece desarmar o entusiasmo dos discípulos. Mal descobrem que seguiam o Messias esperado, vem o que não contavam. Esse Messias não tem contornos de triunfalismo esmagador, que liberta forçosamente de todo o domínio da maldade. E o desapontamento dos discípulos não termina aqui. É que Jesus, depois de aplicar a si a continuidade com o servo sofredor do profeta Isaías, que dá a cara aos perseguidores e não recua medroso diante da adversidade, engloba os seus discípulos no mesmo barco. Quem quiser segui-lo não pense que tem diferente sorte. Os condicionamentos da condição humana, para além dos culturais, político-económicos, são muitas vezes adversos à perspectiva de Deus e dos seus enviados. Ora nós, como discípulos de Cristo, não somos retirados do sofrimento, mas a cruz é sinal de identidade da nossa vida interior. Somos seguidores de quem, como o Mestre, nos fala claro, sem fazer promessas vagas de felicidade, antes apontando o caminho da cruz. 3.Como pode o cristianismo espalhar-se, pelos quatros cantos da terra, a anunciar que a cruz é uma dimensão fundamental do verdadeiro cristão? “O Senhor Deus é que me assiste” (Is.50,10), vem em meu auxílio, está perto de mim, defende-me. Assim nos aquietava o salmo. Realmente, Deus virá em nosso auxílio, não nos sentiremos confusos. A fortaleza moral permite resistir. Deus inspira a defesa perante o tribunal das razões mundanas que nos julgam. Confiemo-nos e entreguemo-nos à oração e, como servos seguidores do Deus de Jesus, ultrapassaremos os ultrajes e as afrontas. Quem se oferece, em sacrifício, para cumprir a vontade de Deus será salvo. Neste ano sacerdotal, aqui, reavivamos a consciência de ser povo sacerdotal. Aqui, oferecemos ao Senhor nosso Deus o sofrimento e as renúncias ao mal. Aqui, o Senhor nos ajuda a entregar a vida toda e a oferecê-la, a dar sentido à cruz e a torná-la gesto redentor. Maria ensina-nos a renunciar a nós mesmos sem sermos gente frustrada, a levar a cruz sem sentir a vida mutilada? A Mãe da Igreja, sinal do cuidado materno de Deus por nós, leva cada pessoa a identificar-se com Cristo, a participar na vida de Cristo, Messias de Deus vivo. Ser cristão é uma frontalidade que a nossa condição humana não acolhe imediatamente. A força de Deus nos anime para a coragem de tomar a cruz e nos encaminharmos para a Ressurreição. Quem perder a vida pela Boa-Nova há-se salvá-la. Mergulhar na morte e glorificação de Cristo é encontrar a possibilidade de dar à própria vida o cume da eficácia, com a entrega de obras concretas que demonstram a fé. Não é por gosto que defendemos perspectivas diferentes para encarar o sofrimento e a doença, os males da vida e a morte. Não é por gosto de sofrer. Não é por tradição ultrapassada que não sabe ser moderna e actualizada. É por fidelidade à verdade da pessoa humana. Não podemos desviar o rosto dos que nos insultam ou cospem nos nossos princípios. 4.Ser peregrinos deste Santuário nos anima para resistir, em momentos difíceis e dolorosos; nos impulsiona a lutar sem tréguas pela justiça; nos incentiva a prosseguir na oferta pelos outros, no sacrifício feliz pelo bem do próximo, a tratar carinhosamente dos doentes, dos presos, dos postos de lado. Entregar-se pelos outros é essencial na proposta de Jesus. Foi o que os pastorinhos descobriram na mensagem de Maria. Maria aparece, diante de nós, como uma vida profética: palavras, gestos e acções unem-se na sua verdade inteira. Maria acredita profundamente e compromete-se inteiramente. Cada sua acção exprime fé ardente, a sua presença discreta e silenciosa é acto de amor. É por isso natural que Maria fale à Igreja e cada um de nós, como acontece aqui, em Fátima. O seu silêncio é activo, adorante da Palavra que nela se faz Vida. Não sentis a Senhora de Fátima a dizer-vos ao ouvido: - escuta o meu Jesus e segue os interesses de Deus Pai, - acolhe a tua cruz, alivia a cruz de quem vive contigo, - oferece-te para renovar a Igreja, - entrega-te por um Portugal mais livre e justo, - colabora na construção de um mundo novo? D. Carlos Moreira Azevedo Bispo auxiliar de Lisboa |