18 de junho, 2010

 
PEREGRINAÇÃO DE 13 DE JUNHO

 Caros cristãos,
 neste dia da peregrinação aniversária da aparição de Nossa Senhora em 13 de Junho de 1917, somos brindados, na Missa, com leituras de enorme densidade humana e espiritual. Na primeira e no Evangelho, referem-se casos de pecado, e pecado grave. Mas não é neles que os escritores sagrados se fixam, como morbidamente alguns fariam. O centro da narrativa e o seu valor significativo residem antes naquela tomada de consciência que conduz ao arrependimento e à mudança de vida. Em ambos os casos, a conduta escandalosa é superada não tanto pela força da vontade do pecador, embora constitua condição indispensável, mas sim pela graça de Deus que se invoca como condição de sanação do mal e penhor de bondade de vida futura. É para aqui que aponta David quando grita: “Piedade, Senhor, porque pequei contra vós!”. E vinca ainda mais a linguagem das lágrimas da pecadora referida no Evangelho, a qual, confiada na bondade do Mestre, lhe arranca a expressão máxima da sua misericórdia: “Mulher, vai em paz. Os teus pecados são-te perdoados”.
 Certamente, seria uma experiência semelhante que perpassava pelo autor da Carta aos Gálatas. Porque, porventura, experimentou o sentimento vivo da própria miséria espiritual, mas também nutriu no seu coração uma imensa confiança na bondade de Deus, é que ele pôde garantir que não são as observâncias exteriores, legalistas ou ritualistas, que nos obtêm a justificação, mas sim a fé viva e operante em Cristo, morto e ressuscitado para nossa salvação. Por isso, o seu testemunho solta-se como grito inabafável: “Eu vivo na fé no Filho de Deus que me amou e se entregou à morte por minha causa”.
 Ex.cia Rev.ma Senhor Bispo de Leiria-Fátima, Caríssimo D. António Marto, senhores Bispos, Presbíteros e Diáconos, caros fiéis em Cristo,
 os pecados tipificados na primeira leitura e no Evangelho, infelizmente, ainda não foram extirpados da nossa sociedade, não obstante o seu progresso civilizacional e até moral. Como também ainda não desapareceu aquela tentação contínua de subjugação da pessoa ao material, para a qual nos alerta o 10º Mandamento da lei de Deus, cuja tomada de consciência constitui preocupação deste Santuário no presente ano pastoral: “Não cobiçar as coisas alheias”. E que, no centenário do seu nascimento e 10º aniversário da sua beatificação, nos aparece formulado pela positiva e exemplificado na vida da mais pequena dos videntes de Fátima: “Reparte com alegria, como a Jacinta”. Porque uma sociedade hedonista e materialista faz dos bens perecíveis a sua divindade, detenhamo-nos um pouco neste âmbito.
Como todos os outros Mandamentos que se referem às relações humanas, também este décimo não se compreende fora do núcleo significativo dos dois primeiros: isto é, da relação do homem com um Deus que não admite a adoração de outros deuses nem se deixa aprisionar em qualquer estátua ou idolatria construídas pela mão humana. Por isso, este mandamento vinca bem dois dados: que a propriedade do próximo, dentro dos limites do bom senso, é inviolável e, por isso, encontra na lei de Deus uma tutela segura; e que não só se proíbe o furto como o desejo de furtar ou, por extensão, o desejo desordenado dos bens materiais, muitas vezes conseguidos à custa dos outros e no mais requintado menosprezo dos seus direitos e da sua dignidade. Desta forma, cortar com este Mandamento é deixar de ser do “povo de Deus” ou de ter o Senhor por seu Deus, porque é um virar-se para a idolatria da adoração daquilo que está abaixo de nós e desprezarmos Quem está acima de nós. Por isso, o mandamento funciona como norma ética de convivência entre pessoas, mas também como relação fiducial de quem adora o Deus Libertador de todas as escravidões dos ídolos construídos pelas mãos e pelo coração e desejo humano. É por isso que Jesus pôde sintetizar todos os Mandamentos em apenas dois: amar a Deus e amar o próximo.
Fora deste quadro crente, é difícil compreender a posição católica sobre a relação com os bens. Ela afirma um dado que a verificação histórica atesta: o processo de desumanização da economia e da sua conversão em actividade mais ou menos selvagem é paralelo à secularização e à desvinculação do religioso. A nossa época e a crise em que estamos mergulhados provam-no à saciedade. A Igreja, que «está no mundo sem ser do mundo», conhece bem as causas e os efeitos do desejo desordenado das riquezas. Sabe que isso, para além de desigualdades intoleráveis e obscenas, traz indeléveis consequências e arrasta consigo os mais diferentes tipos de pobrezas, fome, guerras, exclusão social, marginalização, prostituição, toxicodependência, etc. Sabe também que as formas usadas para a apropriação indevida de bens e a avidez de ganhos continua a ser a corrupção, usura, especulação imobiliária, fuga aos impostos, especulação bolsista, etc. E que tudo isto é, simultaneamente, causa e efeito de um coração que cobiça ou adora o «ídolo» do «ter».
Como critério moral, a Igreja continua a afirmar que a finalidade da economia não é o mero aumento dos produtos disponíveis, nem o lucro, nem o benefício pessoal, nem o poder, mas sim o serviço ao homem e ao homem integral: ao “homem todo e a todos os homens”, como diria Paulo VI. E continua a propor a liberalidade e a partilha, como a Jacinta, como condições indispensáveis para a libertação do ídolo do ter. E diz-nos ainda que é inerente à fé cristã a atitude de «repartir», «dar» e até «dar-se». O modelo, obviamente, é Jesus Cristo que fez da sua existência uma vida-para-os-outros.
De facto, a prática da comunhão de bens e a ajuda aos necessitados e aos débeis sempre constituíram como que a «imagem de marca» da comunidade cristã. Este espírito de dádiva e partilha tomou forma quer naquela caridade personalizada e escondida – a tal em que nem sequer a mão esquerda sabe o que faz a direita- quer nas inúmeras e sempre inovadoras instituições de solidariedade social, hoje artificialmente dificultadas na sua actuação. É necessário que os cristãos, seja a nível de organização paroquial, seja –o que seria preferível- a outros níveis de associação, continuem a prestar assistência e a inovar com essas obras. Mas é ainda mais necessário que inculquem os valores humanistas do Evangelho na cultura da sociedade de massas e na actuação política, sectores altamente deficitários.
Entre nós, infelizmente, muitos cristãos têm-se mantido na periferia da actuação política. Saibam esses cristãos que o Concílio Vaticano II lhes apela a que se comprometam na causa pública e que tentem chegar aos verdadeiros centros de decisão. A Igreja não lhes recomenda nenhum modelo ou partido. Mas lembra-lhes as fundamentais exigências éticas que perpassam pela Bíblia: a luta intransigente a favor dignidade da vida humana, o respeito aos pobres, a defesa dos débeis, a protecção dos estrangeiros, a desconfiança da riqueza, a condenação do domínio do dinheiro e a destruição dos poderes totalitários.
Era para isso que nos chamava a atenção o Papa Bento XVI, a quem estamos imensamente gratos pela visita apostólica que recentemente nos fez. Aqui, em Fátima, no encontro com as Organizações da Pastoral Social, depois de ressaltar o imenso valor das obras sócio-caritativas da Igreja, afirmava: “As iniciativas que visam tutelar os valores essenciais e primários da vida, desde a sua concepção, e da família fundada no matrimónio indissolúvel de um homem com uma mulher, ajudam a responder a alguns dos mais insidiosos e perigosos desafios que hoje se colocam ao bem comum. Tais iniciativas constituem, juntamente com muitas outras formas de compromisso, elementos essenciais para a construção da civilização do amor”.
“Compromisso”. Comprometer-se é a verdadeira condição do cristão. A ponto de se poder afirmar que um cristão não comprometido na Igreja e na sociedade corre enormes riscos na fé. Não chega uma vaga religiosidade, mesmo que esta passe por uma ocasional visita a um santuário. É preciso sentir-se membro da Igreja e participar da sua vida e actividades. De igual modo, a fé leva a colaborar com as boas iniciativas sociais. Neste momento, exemplifico com duas, a decorrer: o Ano Europeu da Luta contra a Pobreza e a defesa da biodiversidade. A necessidade deste compromisso é assim referida por S. António de Lisboa, cujo aniversário do nascimento para o céu hoje ocorre: “A linguagem [da fé] é viva quando falam as obras. Calem-se, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazios”.
Caros cristãos, estamos a celebrar a Eucaristia no Santuário de Nossa Senhora de Fátima. O Corpo e o Sangue do Senhor que amorosamente nos são oferecidos, são para ser amorosamente recebidos. Mas recebemo-los não só para nosso alimento, mas também para sustento de um mundo que deles bem carece. Mesmo que o não saiba. Que, a exemplo da Virgem Maria, nós lhos não neguemos. Mas saibamos levar a todos o bem dos bens: Jesus Cristo, Salvador.

+ D. Manuel Linda
Bispo Auxiliar de Braga
Fátima, 13 de Junho de 2010
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