03 de julho, 2011
O Bispo, Servidor da Beleza do Amor que salva!
Santo Agostinho conta-nos que após a sua ordenação sacerdotal se retirou para um lugar escondido e chorou. O que é que lhe acontecera? Depois do seu baptismo, decidira regressar a África e aí, com os seus amigos, fundara um pequeno mosteiro. A sua vida seria totalmente dedicada ao colóquio com Deus, à contemplação e meditação da beleza e da verdade da sua Palavra. Assim passou três anos felizes nos quais julgava ter alcançado a realização da sua vida. Porém, num domingo em que participava na celebração da missa na catedral de Hipona, o bispo, com o aplauso do povo, chamou-o para ser sacerdote. Agostinho compreendeu então que o belo sonho da sua vida contemplativa ficava desfeito, que a sua vida mudava totalmente. Mas compreendeu também que precisamente perdendo a sua vida, dando-se a si mesmo por Cristo e pela sua Igreja, encontrava a verdadeira Vida para a levar aos outros. Foi assim, na partilha humilde da vida quotidiana dos seus cristãos que se tornou o grande mestre, o grande doutor da Igreja, capaz de ensinar uma fé encarnada no seu tempo. Imagino, caro D. Virgílio, que algo de semelhante te aconteceu quando chegou o chamamento do Santo Padre para seres bispo de Coimbra e entrares num novo tipo de vida pastoral. Mas tal como o povo de Deus acorreu à catedral de Hipona para dar coragem a Agostinho, assim hoje acorreu a esta Igreja da Santíssima Trindade para te dar ânimo participando na celebração do dom da tua ordenação. Aqui estão também os irmãos bispos que se sentem particularmente próximos de ti no comum destino de graça e ministério, para implorar sobre ti a graça sacramental do episcopado. A ti, caro D. Virgílio, a todos os irmãos no episcopado e no sacerdócio, a todos os fiéis leigos e religiosos/as saúdo com viva alegria e fraterno afecto. Agora desejaria meditar convosco sobre a beleza do ministério episcopal e a responsabilidade que o acompanha, à luz Palavra de Deus que escutámos e dos símbolos da liturgia da ordenação. O Bispo leva no coração, nos olhos e nos lábios a Beleza de Deus-Amor Na primeira leitura, o profeta Jeremias, já adulto, transmite-nos a experiência religiosa da sua vocação que começa pela contemplação e pelo reconhecimento da grandeza e da santidade do mistério de Deus. Um Deus que se faz próximo, abrindo horizontes novos de salvação e pedindo colaboração para uma missão precisa a desempenhar em Seu nome, no mundo. Jeremias é tomado pelo pânico, sente-se pequeno e humanamente inadequado; mas, ao mesmo tempo, sente-se envolvido e deslumbrado pela intimidade que o Senhor estabelece com ele. O Senhor toca-lhe os lábios balbuciantes, coloca neles a Sua Palavra de fogo e lança-o pelos caminhos do mundo. Jeremias recebe uma Palavra que escutou no silêncio interior e torna-se o homem apaixonado da Palavra escutada, Profeta da consolação na noite escura do seu tempo. Sobre a cabeça do novo bispo vai ser colocado aberto o Livro da Palavra, o Evangelho, a mais bela palavra do Amor que sai do coração do Pai para os homens em Jesus Cristo. Significa que o bispo é criatura da Palavra de Deus, homem da escuta dócil e fiel do Verbo de Deus feito homem. É por isso anunciador da Palavra da Vida enquanto soube percorrer primeiro os caminhos da escuta e do silêncio. Também ele recebe este conhecimento do mistério de Deus que é Jesus Cristo; e recebe-o para todos os homens e mulheres do seu tempo a quem deve comunicá-lo com as suas palavras e os seus gestos, como Evangelho da luz, da misericórdia e da paz na noite escura do nosso tempo carregado de tantos problemas, incertezas e desumanidade. Caro D. Virgílio, sê bispo contemplativo do mistério da intimidade do Deus Santo. A santidade como participação da vida de Deus e reflexo do Seu amor manifestado no rosto de Cristo é o contributo maior dos cristãos à história e à renovação do mundo. Como bom pastor leva no coração, nos olhos e nos lábios a beleza de Deus, Amor Trinitário, conduz a ela o teu rebanho e tende para ela com todo o empenho da inteligência, do coração e da vida. Homem da contemplação e da escuta, serás homem da Palavra, evangelizador fiel do teu povo para te tornares palavra generosa e fecunda que bate à porta dos corações de quantos te são confiados. Assim serás mestre da fé! O Bispo, Pai e Pastor Um outro símbolo da beleza do ministério do bispo é o báculo pastoral que lhe vai ser entregue. É expressivo da sua missão de Pastor e Pai, da autoridade apostólica para presidir e guiar o povo de Deus, a exemplo de Jesus, o Pastor bom e belo, “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida para a redenção dos homens”. A grandeza do Pastor Jesus Cristo e a beleza do seu serviço são a norma e o modelo de todo o ministério episcopal. “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). É a recusa de uma interpretação meramente sociológica de um estilo de governo onde o mandar é sinal de honra, poder, prestígio, privilégio, sucesso. Para Jesus, a maior honra é para quem mais ama; e manifesta maior amor quem mais serve. O ministério episcopal é um serviço de amor. Só se aceita e exerce por amor e com muito amor; e encontra o seu apoio e o seu alimento naquele que é a fonte eterna e inesgotável do Amor, que no-lo oferece quotidianamente na Eucaristia. Se é Ele a amar-nos, a amar todos, a tornar possível o amor que parece impossível, então cada bispo sabe que é capaz de ser Pai com o coração de Deus, de amar naquele que ama a todos, não exclui ninguém. “Ubi amor, ibi oculus”: onde está o amor do pai e pastor, aí está o olhar novo capaz de reconhecer, chamar, acolher, regenerar. Um bispo oferece o coração, a mente, a acção, a paciência e o sofrimento por todos os que lhe são confiados. Ninguém deve nunca sentir-se excluído do coração do bispo. E como diz Santo Agostinho: “Não há maior convite ao amor do que antecipar-se em amar”. Caro D. Virgílio, sê bispo com coração de pai, muito humano e compreensivo, de coração universal, aberto a todos de dentro e fora da Igreja, santos e pecadores, grandes e pequenos, elevados e humildes, que cultiva o colóquio de coração a coração, de pessoa a pessoa. Serve a todos a beleza do Amor que salva! O Bispo, Animador da Comunhão e da Esperança Por fim, o símbolo do anel recorda a relação de aliança, isto é, de comunhão amorosa e fiel do bispo com a sua Igreja; é expressão visível do amor terno e misericordioso de Cristo na cruz – segundo o belo lema que escolheste “Anunciamos Cristo crucificado, sabedoria de Deus” (1 Cor 1, 23-24) - e nos une a todos tão diversos na unidade do Corpo de Cristo. Este aspecto mostra-nos que o bispo não está só no seu ministério nem o exerce isoladamente. Com ele está a Igreja; e ele está na Igreja ao serviço da comunhão. Por isso, o bispo não é o tudo de uma diocese. Mas forma um todo com a sua Igreja, com os seus sacerdotes, com a sua comunidade diocesana tal como um pai faz um todo uno com a sua família. Como diz Sto Agostinho: “Para vós sou bispo; convosco sou cristão… Para vós somos pastores; convosco somos apascentados”. É belo ser bispo que anima e confirma as comunidades a viverem o Evangelho na simplicidade fraterna e na alegria da comunhão e que irradiam entusiasmo e esperança para o mundo! É belo ser bispo que se sente confortado pela fé e comunhão dos seus irmãos padres e leigos e das comunidades cristãs! Caro D. Virgílio, sê um bispo irmão que infunde em todos um grande sentido de fraternidade e desperta a esperança: que vive a comunicação e a proximidade com os sacerdotes e os fiéis, que valoriza as suas iniciativas, que integra as suas esperanças, que promove a sua corresponsabilidade, que conta com os carismas e as realizações que florescem no povo de Deus, que aceita um ritmo por vezes mais lento nos projectos pastorais mas que conta com mais probabilidades de adesão e persuasão para fazer caminho juntos. Uma Igreja episcocêntrica, onde não funcionam as instâncias intermédias, não goza de boa saúde espiritual e pastoral. A ordenação episcopal comporta, sem dúvida, um salto de qualidade, uma novidade na tua existência humana e espiritual: uma novidade que todavia está em continuidade com o que já viveste como padre. Comporta um novo chamamento à santidade e uma nova responsabilidade, correspondentes à nova efusão de graça do Espírito Santo – Espírito de fortaleza, de sabedoria, de amor e doação até ao fim – que, de seguida, invocarei sobre ti, através da imposição das mãos e da oração de consagração. Não tenhas medo! Tem confiança! Maria, a Mãe do Pastor bom e belo que é Jesus, acompanhando-te e intercedendo por ti, será a estrela e a doce companhia do teu episcopado, que todos nós te desejamos longo e fecundo, sereno, alegre e feliz! + António Marto, Bispo de Leiria-Fátima |