17 de agosto, 2007


Homilia do Senhor Cardeal Sean O´ Malley, Arcebispo de Boston, a 13 de Agosto de 2007, no Santuário de Fátima:
Aqui me encontro hoje, diante de vós – centenas de milhares de peregrinos vindos dos quatro cantos do mundo para estar em Fátima na casa de Maria. Perante vós, volto-me para Jesus nosso Salvador, e do mais profundo do meu coração imploro: «Senhor, a tua Mãe e os teus irmãos estão lá fora e querem ver-Te . E a resposta que Jesus dá hoje, é a mesma de há dois mil anos: «A minha Mãe e os meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática.»
Aqui hoje em Fátima, vós sois verdadeiramente a família de Jesus porque acorrestes a louvar o nosso Pai do Céu e viestes buscar a força para abraçar generosamente a palavra de Deus. O Evangelho de hoje começa com Maria e os discípulos a baterem à porta do lugar onde Jesus está. Mas a nossa história começa com Deus a bater à porta da humanidade, começa com a Anunciação. E Maria abre essa porta que permite a Deus entrar no nosso mundo, na nossa história, na nossa família. Fiat – «Faça-se em mim segundo a tua palavra». Estas são das primeiras palavras de Maria no Evangelho. Ela diz sim a Deus, sim ao amor, sim à vida.
O teólogo alemão Von Balthazar criou muitas expressões teológicas maravilhosas. Fala de Kniendetheologie que quer dizer teologia de joelhos. É mais importante conhecer Deus que saber coisas sobre Deus; e é na nossa vida de oração que descobrimos Deus. E quando descobrimos Deus, descobrimos quem nós somos, porque existimos e o que devemos fazer da nossa vida. Von Balthazar descreve o sim de Maria como Geschehenlassendes Ja - um sim que abre caminho para que algo aconteça. O sim de Maria abre a porta da História da Humanidade a Deus - que se faz um de nós em Cristo.
Na entronização do Cardeal John O´ Connor estava presente aquela santa freira, a Madre Teresa de Calcutá, que quando se cruzou com ele, lhe sorriu e disse: «Bispo, abra caminho a Deus.».
Deus está à espera de ser convidado a entrar nas nossas vidas. Como Jesus que se oculta aos discípulos na estrada de Emaús e faz menção de continuar viagem quando esses chegam ao destino. Os discípulos no entanto convidam-no: «Fica connosco, Senhor.» O Senhor quer que o convidemos a entrar no nosso coração. Está à espera que lhe abramos caminho, que lhe digamos esse Geschehenlassendes Ja - esse sim que abre caminho para que algo aconteça.
Se as primeiras palavras de Maria no Evangelho são: «Seja feito em mim segundo a tua palavra» – sim –, as suas últimas palavras encontram-se no Evangelho de João no relato das bodas de Caná: «Fazei tudo o que Ele vos disser.»
Maria é Mãe de Cristo porque ouve a palavra de Deus e a põe em prática. Ela é nossa Mãe e as suas últimas palavras dizem-nos para escutar a palavra de Deus e a pôr em prática.
Na primeira leitura da Missa de hoje, o livro do Deuteronómio pergunta: O que quer Deus de vós? Que sigais os seus caminhos, que o amais, que sirvais o Senhor com todo o coração e toda a alma e que observeis os seus mandamentos. A mesma leitura continua, descrevendo as acções de Deus: O Senhor defende o órfão e a viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe de comer e de vestir. E vós tendes que amar o estrangeiro porque vós mesmos fostes estrangeiros no Egipto.
Hoje estão aqui muitos emigrantes que trabalham em terras distantes. É bom que possais ouvir esta palavra da Escritura que nos lembra o amor especial que Deus tem pelos estrangeiros e os emigrantes.
A sorte dos emigrantes é sempre difícil, especialmente no princípio. Durante vinte anos, a minha missão de padre foi trabalhar com os emigrantes em Washington. Havia muitos portugueses que tinham deixado as antigas colónias depois da revolução e que procuravam uma nova vida na América. Mas a maioria eram refugiados hispânicos que tinham escapado da América Central onde as guerras civis tudo devastavam.
Um dia veio ter comigo um homem. Entregou-me uma carta da mulher, sentou-se e começou a chorar.  A mulher zangava-se com ele por a ter deixado à fome, a ela e aos oito filhos no devastado EI Salvador. Ela escrevia que tinha esperado mais de oito meses e ele ainda não tinha mandado notícias ou dinheiro. O homem contou-me então, que tinha deixado a sua aldeia em El Salvador e vindo ilegalmente para Washington porque se tinha tornado impossível fazer agricultura com a guerra. Estava a viver num quarto que partilhava com mais seis homens e trabalhava em dois restaurantes a lavar pratos. Disse-me que ia a pé para o trabalho para não gastar dinheiro no autocarro e que não comprava comida mas que comia os restos dos pratos sujos que lavava. Todas as semanas mandava à mulher todo o dinheiro que ganhava mas ela não tinha recebido as suas cartas. Perguntei-lhe se mandava cheque ou dinheiro. Ele respondeu-me que mandava contante e que metia o dinheiro e a carta num envelope que punha no marco de correio azul ali da esquina. Olhei pela janela e vi o marco de correio azul da esquina. Era um caixote de lixo todo chique. Mais uma vez pude constatar quantos sacrifícios os emigrantes fazem pelas suas famílias e quantas provações e humilhações passam, numa terra estrangeira, onde se fala uma língua estranha, com costumes diferentes e não poucas vezes, um ambiente hostil.
Na Missa, abraçamos todos os emigrantes. Os que foram abençoados com grande sucesso nas suas novas terras e os que ainda sofrem e lutam. O nosso Deus não vê a cor da pele nem faz diferença entre línguas ou costumes. Ele vê o seu filho e quer que nós nos amemos e nos ajudemos.
Fazemos parte da família de Jesus quando pomos em prática os ensinamentos de Jesus. Jesus veio para revelar a face misericordiosa do Pai e para nos ensinar o mandamento de amor de Deus.
Nos Evangelhos Sinópticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do Grande Mandamento. Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha directiva - é um Mandamento.
Primeiro temos que amar a Deus com todo o coração e toda a força, sobre todas as coisas. A trabalhar com pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu estava sempre a ouvir era «Primero Dios» – Deus primeiro. Deus tem que ser primeiro nas nossas vidas, depois todas as nossas prioridades estarão correctamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas – mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do Grande Mandamento é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos na parábola do Bom Samaritano que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida – aquele que sofre e por isso tem um direito acrescido sobre o meu amor.
Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais que os pagãos e os não crentes. Jesus manda-nos amar os nossos inimigos. E quão difícil isso é. Mas Ele mostra-nos do alto da cruz como perdoa os Seus carrascos e o Bom Ladrão.
Chesterton dizia que Deus nos manda amar o nosso próximo e o nosso inimigo porque na maior parte das vezes são uma e a mesma pessoa.
Mas quando chegamos ao último Evangelho, o Evangelho de João, encontramos o ensinamento do Senhor sobre o amor especial que deve caracterizar os Seus discípulos. Na Última Ceia, Jesus faz as suas despedidas e nesse momento tão emotivo, dá-nos um novo mandamento e um sacramento. Ao lavar os pés dos Seus Apóstolos diz-lhes: «Dou-vos um mandamento novo - Amai-vos uns aos outros como Eu vos amo». Este é o novo mandamento e é sobre o amor que deve existir entre nós, os que seguimos a Jesus. O Evangelho de João não fala do amor ao próximo, ao estrangeiro, ao inimigo mas do amor aos nossos condiscípulos na família de Cristo.
Jesus diz: «todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros». Jesus diz que não há maior amor que dar a vida pelo seu amigo.
Sim, antes de morrer, Jesus acrescenta ao Grande Mandamento do amor a Deus e ao próximo, o novo mandamento «Amai-vos como Eu vos amo». O amor de Jesus é a tabela, a medida do amor que os discípulos devem ter uns pelos outros.
João, o discípulo amado, autor do último Evangelho, viveu muitos anos no exílio na Ilha de Patmos. Já muito velhinho, a sua casa era uma caverna nas montanhas. Aos domingos vinham-no buscar e levavam-no em braços até à aldeia para ele pregar na missa dominical. Para espanto de todos, o seu sermão era sempre o mesmo: «Meus filhos, amai-vos uns aos outros.» Muitas pessoas se lamentavam de que o pastor fazia sempre o mesmo sermão, mas quando o pregador é São João, o que é que se há-de fazer? Até que alguém se encheu de coragem, foi ter com São João e perguntou-lhe porque é que ele fazia sempre o mesmo sermão. Ele respondeu que pregava sempre essa mensagem do novo mandamento, porque Jesus a repetia constantemente enquanto estava com eles.
Nós que somos as mães, e os irmãos e as irmãs de Jesus temos que ter esse amor especial uns pelos outros, esse amor pela Igreja, comunidade de fé, Corpo de Cristo.
Na Última Ceia, depois de nos dar o novo mandamento do amor, Jesus deixa-nos o sacramento do amor, a Eucaristia. Neste sacramento, Cristo faz-nos a entrega de si mesmo. Quando nós recebemos este sacramento com fé e devoção, encontramos a força para fazermos a entrega de nós próprios a fim de vivermos a nossa missão no mundo, o grande mandamento do amor a Deus e ao próximo - assim como o novo mandamento do amor pelos condiscípulos de Cristo.
Juntamo-nos aqui em Fátima para pedir a Maria que nos dê a sua bênção e nos ajude a sermos discípulos fiéis que seguem o Senhor nos caminhos que Ele nos abre com a Sua vida e as Suas palavras. Jesus deixou-nos o grande mandamento e o novo mandamento; Maria pediu-nos «Fazei tudo o que Ele vos disser».
Assim, se a exemplo de Maria, fizermos tudo o que Cristo nos disser, seremos de facto seus irmãos e irmãs, a Sua Família.

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