13 de maio, 2011

Peregrinação Internacional Maio 2011
Homilia 13 de Maio
CARDEAL  SEAN O´MALLEY, OFM Cap


Eminência Reverendíssima Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom José da Cruz Policarpo,
Excelência Reverendíssima Monsenhor Rino Passigato, Núncio Apostólico,
Excelência Reverendíssima Senhor Bispo de Leiria Fátima, Dom António Marto,
Senhor Padre Carlos Cabecinhas, novo reitor do Santuário de Fátima,
Meus irmãos no Episcopado, sacerdotes, diáconos, religiosos,
irmãos e irmãs em Cristo
e todos os que nos acompanham através da televisão, rádio ou internet.
Há menos de quinze dias, a nossa família Católica viveu uma grande alegria. Era como uma festa de anos, comemoração e ordenação tudo junto. Refiro-me, claro está, à Beatificação de João Paulo II. Perto de dois milhões de pessoas, vindas de toda a parte do mundo, se reuniram numa extraordinária demonstração de fé e amor pelo homem que calçou as sandálias do pescador durante tantos anos e serviu Deus e a Sua Igreja de tantas maneiras, no vigor da sua juventude e no sofrimento da sua velhice.
Quando eu era bispo nas Ilhas Virgens, havia uma senhora fantástica que me costumava dizer: «Sabe, Senhor Bispo, eu valho-me sempre de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.» Pois hoje, chamamos Beato a alguém que não só se valia de Nossa Senhora de Fátima, mas era também o seu filho querido, o seu apóstolo devoto, o seu valente paladino. Podemos ter a certeza que o Beato João Paulo está na feliz companhia dos Beatos Jacinta e Francisco e da Serva de Deus, irmã Lúcia, olhando sorridentes a nossa celebração, aqui em Fátima.
Tempos atrás, tive conhecimento de uma família com uma história muito trágica. Nesta família, a filha tinha vergonha da mãe por causa das suas mãos muito deformadas e feias. Desde criança, se os amigos iam lá a casa brincar, a filha insistia para que a mãe usasse luvas, e em adolescente, não saía à rua com a mãe sem as ditas luvas, tal era o constrangimento.
Passaram-se os anos, a senhora envelheceu e morreu. A filha chegou cedo à capela funerária com um par de luvas dentro da carteira. Quando pediu que calçassem as luvas à mãe, o pai interveio e não o permitiu. Comovido, disse-lhe que não podia consentir nisso. «Há uma coisa que sempre te quis dizer mas a tua mãe nunca me deixou. Quando eras muito pequenina tivemos um fogo terrível em casa. A tua mãe correu ao teu quarto e apagou o fogo do teu berço com as suas próprias mãos. É por isso que eram tão feias e desfiguradas. Mas nunca quis que soubesses isto para não te sentires mal ou responsável por ela ter as mãos naquele estado».
Ao ouvir esta explicação, a filha ficou desolada e consternada. Começou a soluçar convulsivamente dando-se conta de quanto tinha sido tonta. As mãos da sua mãe, que lhe causavam tanta vergonha e embaraço, eram afinal uma medalha de honra e de bravura e sinal do amor sacrificial da sua mãe.
Haverá porventura algo mais trágico do que passar pela vida sem perceber o quanto somos amados, amados por Deus, pela nossa família, pelos nossos amigos, e pela nossa Mãe do Céu que se tornou nossa mãe no Calvário quando uma espada trespassava de dor o seu coração?
Se a maior tragédia é não saber quanto somos amados, a maior alegria é fazer a experiência do amor incondicional do nosso Pai do Céu e de Nossa Senhora, que é a nova Eva, a mãe da nova humanidade. Quando Deus bateu à porta da humanidade, foi Maria que abriu essa porta em nome de todos nós. Ela disse «sim» a Deus e esse sim permitiu a Deus entrar na nossa história e na nossa família humana. De facto, Maria é a mãe da humanidade porque faz a vontade do Pai do Céu.
Ao dar o seu sim total ao plano de Deus, Maria era completamente livre perante Deus. Ao mesmo tempo, sentia-se pessoalmente responsável pela humanidade, cujo futuro estava ligado à sua resposta.
Deus coloca o destino de toda a humanidade nas mãos de uma jovem. O sim de Maria era a promessa de cumprimento do plano que Deus, no seu amor, tinha preparado para a salvação do mundo. O Catecismo da Igreja Católica resume sucintamente o valor decisivo para toda a humanidade do consentimento livre de Maria ao plano de salvação divino. «A Virgem Maria cooperou com fé e obediência livres na salvação humana. Pela sua obediência tornou-se a nova Eva, mãe dos viventes.»
Pela sua conduta, Maria lembra a cada um de nós quão séria é a nossa responsabilidade quando se trata de aceitar o plano de Deus para a nossa vida. Em total obediência à vontade salvífica de Deus, expressa nas palavras do Anjo, Maria tornou-se o modelo para aqueles que o Senhor chama benditos porque ouvem a palavra de Deus e a guardam. Na resposta à mulher que na multidão proclama Sua Mãe abençoada, Jesus revela a verdadeira causa da bem-aventurança de Maria: a sua adesão à vontade de Deus, que a levou a aceitar a maternidade divina.
Na encíclica Redemptoris Mater (Mãe do Redentor) o bem-aventurado João Paulo II chama a atenção para o facto da nova maternidade espiritual de que Jesus fala, dizer primeiramente respeito a Nossa Senhora. Com efeito, no é Maria a primeira entre todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática? E desse modo, a bênção dada por Jesus em resposta à mulher na multidão não diz respeito primeiramente a ela? De certa maneira, portanto, Maria é proclamada a primeira discípula de seu Filho e pelo seu exemplo convida todos os crentes a responder generosamente à graça do Senhor (Audiência geral de 18 de Setembro de 1996).
Há muitos anos, um aristocrata inglês dirigia-se da Escócia para Londres afim de tomar parte numa sessão urgente do Parlamento. O seu coche ficou atolado na lama e ele estava à beira do desespero quando um jovem camponês apareceu com a sua junta de bois e puxou o seu coche para a estrada seca. O lorde inglês ficou tão grato que perguntou ao rapaz como lhe poderia agradecer.
O rapazito respondeu que no era preciso nada, que ficava feliz por ter sido útil. Mas o aristocrata insistiu, perguntando-lhe: «com certeza tens um sonho, alguma coisa de que gostarias na vida?» O jovem camponês respondeu: «Sempre sonhei tornar-me médico mas isso nunca será possível para mim». Quando o lorde chegou a Londres tomou providências para que o jovem escocês recebesse uma bolsa e estudasse nas melhores escolas. Anos mais tarde, numa altura decisiva da Segunda Guerra Mundial, Sir Winston Churchill estava a morrer com a gripe pneumónica. Nessa ocasião foi-lhe administrado um novo remédio que lhe salvou a vida. Era a penicilina. O remédio tinha sido descoberto pelo Dr. Alexander Fleming que era, nem mais nem menos, que o jovem camponês escocês. E o lorde inglês que lhe tinha dado a bolsa era o pai do próprio Winston Churchill. Esta é uma história magnífica sobre a nossa ligação uns aos outros e sobre como actos gratuitos de bondade tocam as vidas de todos à nossa volta.
Tudo começou com um simples gesto de bondade da parte de um rapaz do campo. A resposta foi um outro acto de bondade que se tornou benéfico para toda a humanidade. Milhões de pessoas foram curadas de doenças terríveis graças à milagrosa penicilina.
Na Anunciação, a fé de Maria e o amor de Deus encontram-se - e toda a humanidade se torna beneficiária desse encontro. Porque Maria disse sim a Deus, o Verbo fez-se carne e habitou entre nós. Maria entregou-se totalmente ao plano de Deus e todos nós nos tornámos beneficiários do seu sim. A sua fé, o seu sim, mudou o curso da história - mais do que qualquer remédio milagroso. Se Maria não tivesse dito sim, se não tivesse escolhido a vontade do Pai, temo que o nosso Salvador nunca tivesse vindo.
Deus não improvisa. Tal como João Paulo II, eu também estou convencido que Nossa Senhora de Fátima interveio no dia 13 de Maio de 1981 para salvar a vida do nosso Papa quando ele foi baleado na Praça de São Pedro. A sua vida foi poupada de modo que ele pudesse ser o instrumento de Deus para derrubar a Cortina de Ferro e acabasse a opressão política do comunismo no mundo. Vemos que o sim de Maria continua a influenciar o curso da história e a enriquecer as nossas vidas com a misericórdia e a graça de Deus. Essa bala está agora na sua coroa aqui em Fátima.
Nenhum ser humano contribuiu tanto para a humanidade quanto Maria. Na sua vida, nos seus sofrimentos e alegrias encontramos significado para as nossas vidas. A sua vida foi uma caminhada com Deus e essa caminhada passou a ser a nossa caminhada. Pela fé e pelo baptismo tornámo-nos parte da família de Cristo. Às vezes embelezamos a vida de Nossa Senhora, tornando-a irreal, distante e glamorosa, como um conto de fadas. Na realidade, a sua vida foi uma participação na difícil missão de Jesus.
Quando a encontramos pela primeira vez nos Evangelhos, Maria é vítima de um boato terrível: espera uma criança sem estar casada. José, seu noivo, pondera desmarcar o casamento. Através dos tempos, muitos sofreram por causa de falsos boatos e mexericos, muitos tiveram o seu bom nome manchado, foram incompreendidos e caluniados. Tudo isto, Maria experimentou na sua vida. Quando o Seu Filho nasce milagrosamente, os pastores e os anjos alegraram-se, mas os poderosos conspiraram para matar o seu bebé. Queriam a sua vida, a sua inocência. Hoje, como noutros tempos, os pais enfrentam terríveis ameaças contra os seus filhos, por parte dos que lhes querem vender droga, dos média que fazem do sexo livre algo de desejável, dos materialistas e ateus que lhes dizem que vivemos só de pão... Quantos, tentam matar espiritualmente as nossas crianças!
Maria tem que fugir com seu Filho e marido, tornando-se uma refugiada em terra estrangeira e assim se junta aos incontáveis deslocados, aos sem-abrigo embrulhados nos vãos das portas e dormindo sobre as grelhas do metro deste mundo e aos 27 milhões de refugiados que vagueiam pela terra nos dias de hoje. Estas pobres pessoas que tanto precisam de ser dignificadas, elas também se podem identificar com Maria.
Anos mais tarde, Maria perde o Seu Filho e depois de uma procura longa e angustiante, encontra-O numa cidade cheia de gente. Ela é como qualquer pai, professor, mentor da história que sente dificuldade em comunicar com o adolescente, que o vê perder-se nas drogas ou nos gangues, todos esses, cujos filhos se juntaram aos pequenos exércitos de foragidos, errando pelas ruas, explorados, abusados e destruídos. Muitos se podem identificar com Maria quando cheia de aflição procura o seu Menino.
A certa altura, não se sabe quando, esta esposa e mãe, fica viúva. Enterra o seu querido marido, e todos os que perderam o cônjuge, choram as lágrimas de Maria, sentem como ela a dor pungente no aperto do coração. Quando o seu Filho cresce, parte da casa materna para começar a Sua missão e deixa para trás uma Mãe viúva. De repente, todos os pais e mães que vêem os seus filhos crescer e deixá-los, especialmente os que estão nos lares, sabem o que Maria sente no seu coração.
Quando Ela ouve dizer que o Filho está a pregar nas redondezas, vai com algumas pessoas da família ter com Ele mas não se consegue aproximar por causa da multidão. Tem que se contentar com mandar dizer que está lá fora, à margem. O mensageiro previne Jesus que a sua Mãe e família querem-no ver e Jesus, fazendo sinal para a multidão, declara: «Quem são minha Mãe, meus irmãos e minhas irmãs? Quem faz a vontade de meu Pai, esse é minha mãe, meu irmão e minha irmã». Até parece uma afronta, uma indirecta para mandar a Mãe embora, mas Nossa Senhora sabe interpretar o que o Filho diz, aquilo que sempre soube: a sua glória não é principalmente de ser a Mãe biológica de Jesus mas sim de estar mais próximo dEle do que qualquer outra pessoa por causa do seu amor a Deus e pelo facto de fazer sempre a Sua vontade, até mesmo quando não a entendia. Assim, qualquer pessoa arredada do centro da acção, posta de parte, que não percebe o mundo à sua volta mas simplesmente se agarra à vontade de Deus, pode identificar-se com Maria.
Depois, o Seu Filho é traído por Judas, alguém que ela acolheu muitas vezes em sua casa para jantar. Jesus é submetido a um pretenso julgamento, é espancado, humilhado e pendurado numa cruz. E a partir de agora, qualquer pai que tenha visto o seu filho numa cruz, ou visto o filho ser agarrado e levado para a prisão, qualquer pai que daria tudo para ajudar o seu filho crescido a livrar-se do alcoolismo, ou de uma vida de pecado, que assiste ao seu filho não ter nada com que educar os próprios filhos, perder o trabalho, passar pelo divórcio, qualquer pai que presenciando todas estas crucificações é forçado a se manter à distância, pode-se identificar com Maria.
E por fim, soluçando, ela embala o corpo despedaçado e inanimado do próprio Filho: e cá está de novo - qualquer pai que tenha perdido o seu filho, qualquer amigo que tenha perdido o seu amigo, ou colega que tenha visto morrer um colega de overdose ou desastre de automóvel ou de doença, ou a tiro... pode identificar-se com a Maria da Pietá.
Esta é a mulher, a peregrina, que sofreu os altos e baixos da vida; esta é a eterna mulher que nos deixou um legado. «Filho, eis a tua Mãe.» E cá estamos nós hoje, a contemplá-la. Ela não é alguém distante, sem experiência do nosso sofrimento mas pelo contrário está bem perto de nós. Ela é, como diz o poeta, a «solitária glória da nossa natureza manchada» (William Wordsworth). A esta mulher que é da mesma carne que nós, que viveu a nossa experiência, chamamos bendita. Nela entrevemos o que somos chamados a ser: discípulos que seguem Jesus fielmente, fazendo a vontade do Pai, seguindo-O até ao calvário e regozijando-nos perante o túmulo vazio. Maria é a promessa cumprida, a humanidade completada, a fidelidade recompensada. Continua a ser a Virgem Peregrina, acompanhando-nos na nossa vida neste vale de lágrimas.
Na Visitação, João Baptista saltou de alegria no ventre de sua mãe ao ouvir a voz de Maria. Nós também saltamos de alegria quando ouvimos a voz de Maria.
Alegramo-nos porque Maria nos ensina a nos tornarmos membros da família de Cristo. Ela diz sim a Deus, sim ao amor, sim à vida, sim à cruz. Em Cana proferiu as suas últimas palavras: «Façam tudo o que Ele vos disser». O Santo Padre diz na Carta Apostólica ´O Rosário da Virgem Maria´ (Rosarium Virginis Mariae # 10) que «os olhos do coração de Maria se voltaram para Cristo na Anunciação e a partir daí, o olhar de Maria, sempre cheio de adoração e assombro, nunca mais se separaria d´Ele». Para nós que aspiramos a ser discípulos de Jesus, aprender a contemplar Jesus pelos olhos de Maria e experimentar a alegria dos mistérios da nossa fé, é uma parte importante da nossa vida espiritual. Possam essas alegrias suavizar os nossos fardos e aliviar o nosso coração e nos permitir dançar diante da Arca da Aliança como David, e saltar de alegria como João Baptista no seio de sua mãe só de ouvir a voz de Maria.
No Evangelho de hoje assistimos a um fenómeno carregado de simbolismo. Vemos como as multidões impedem Maria e outros membros da família de se aproximarem de Jesus. Muitas vezes nos Evangelhos a multidão afasta pessoas do Senhor, impedindo-as de chegarem perto: o cego Bartimeu, o cobrador de impostos Zaqueu, até as crianças eram afastadas quando tentavam chegar a Jesus. No nosso mundo é também muitas vezes a multidão que afasta as pessoas de Deus, que as impede de se aproximarem. A pressão do grupo, a opinião pública, a cultura materialista da morte que nos envolvem.., afastam muitas vezes as pessoas de Deus. Mas nos Evangelhos há outro tipo de multidão: e a comunidade da fé. E a família de Cristo. Assim como a multidão afasta de Deus, a comunidade aproxima as pessoas de Deus, ajudando a ultrapassar os obstáculos que se interpõem no caminho. Somos chamados a ser uma comunidade dessas, indo ao encontro dos outros para os convidar a uma vida de discipulado.
A família de Jesus reúne-se à volta do altar em oração. Há poucos meses tive o privilégio de celebrar a Eucaristia no Cenáculo, no sítio mesmo em que Jesus e os seus discípulos celebraram a primeira Eucaristia, o sítio mesmo em que Maria se juntou com Pedro e os discípulos em oração intensa antes de Pentecostes. Aqui, em Fátima, somos uma grande comunidade de crentes reunidos com Maria à volta do altar pedindo um novo Pentecostes na nossa Igreja, rezando para que Deus reacenda esse espírito missionário que permitiu aos nossos antepassados partir e enfrentar - até a morte - para proclamar a boa notícia do evangelho de Jesus Cristo.
No Pentecostes, Maria ajudou Pedro, o nosso primeiro Papa, a perseverar na oração em união com a Igreja. Maria também ajudou o Beato João Paulo a perseverar na oração e a nos guiar, povo de Deus, numa caminhada missionária. Não queremos fazer parte dessa multidão que afasta as pessoas de Deus; queremos sim fazer parte da família de Jesus que faz a vontade do Pai e ajuda os outros a encontrar o caminho que conduz a Deus. No Calvário Jesus disse: «Eis a tua Mãe». Hoje voltamo-nos para a nossa Mãe e com as palavras que João Paulo II gravou no seu brasão, clamamos com alegria: «Totus tuus», Maria somos todo teus.
Santuário de Fátima, 13 de Maio de 2011
† Seán O´Malley, OFM Cap,
Arcebispo de Boston
Homilia do dia 13 de Maio de 2010, pelo Cardeal Sean O´Malley
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