12 de agosto, 2008

Missa do dia 12.8.2008, 22h00, Recinto de Oração do Santuário de Fátima
Presidida por D. António Vitalino Dantas, Bispo de Beja e presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana 

 
HOMILIA na Peregrinação dos Migrantes e Refugiados a Fátima - Ano 2008
Este ano dedicada aos Imigrantes Africanos

Tema da XXXVI  Semana Nacional da Pastoral das Migrações: Jovens Migrantes,  protagonistas da esperança
Leituras bíblicas:
Dt 10, 17-19: 18Ele faz justiça ao órfão e à viúva, ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário. 19Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egipto.
Salmo
Hebr. 13, 1-3.14-15: 1Que permaneça a caridade fraterna. 2Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos. 3Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos que são maltratados, porque também vós tendes um corpo… 14porque não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura.
Mt 8, 1-4: 2Foi, então, abordado por um leproso que se prostrou diante dele, dizendo-lhe: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me.»
Amados Peregrinos,
1.Vindos de perto e de longe, emigrantes e imigrantes, juntamo-nos aqui em Fátima, lugar que Nossa Senhora escolheu para recordar a um mundo dividido e em guerra, em 1917 e hoje também, o essencial daquilo que Jesus disse e fez na plenitude dos tempos, há dois mil anos, por nosso amor, para nosso bem e salvação.
Nesta peregrinação de Agosto celebramos o acontecimento mais significativo da semana das migrações, este ano especialmente dedicada aos jovens migrantes como protagonistas da esperança e entre estes, de modo muito concreto, os jovens africanos, que batem às portas da Europa e, normalmente, constatam que não se abrem para eles, ou até são empurrados para fora, como se fossem malfeitores, no caso de terem conseguido entrar. A recente directiva comunitária sobre as migrações veio confirmar esta atitude de uma Europa apenas preocupada com o seu próprio bem-estar, seleccionando os cérebros dos países pobres e rejeitando os menos capacitados. 
2. Nesta peregrinação queremos avivar a nossa vocação cristã, chamados a constituir a nova família dos filhos de Deus, onde não pode haver acepção de pessoas, todos peregrinos da cidade futura, a pátria celeste, pois não temos aqui morada permanente, como nos lembrava a segunda leitura desta Missa pelos Exilados e Refugiados.
A 13 de Agosto de 1917, as três crianças das aparições de Fátima, Lúcia, Francisco e Jacinta foram levadas para a prisão em Ourém e impedidas de estar aqui na Cova da Iria, para receber a visita e a mensagem da Senhora, que em Maio lhes pedira para virem a este lugar nos dias 13 dos meses seguintes. Também eles, inocentes crianças, como tantos exilados e refugiados, sentiram na pele a prisão e o afastamento dos seus entes queridos. Mas como os pastorinhos também nós queremos aprender a perdoar, a não fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós, a lembrar-nos que todos somos estrangeiros neste mundo, cidadãos da cidade futura. Por isso como os pastorinhos oferecemos a nossa oração e sacrifícios pela conversão dos pecadores, por todos os que são vítimas do exílio, expulsos da sua própria pátria. Esta Europa, que, ao longo dos séculos, continuamente evangelizada desde os tempos apostólicos, soube acolher e integrar no seu seio povos de diferentes proveniências e culturas, precisa de continuar fiel à sua vocação. Foram os valores cristãos, personalizados em Cristo, o Mestre, o Salvador e Senhor, que deram a verdadeira unidade à Europa, mesmo quando esta teve de vencer graves crises, guerras e conflitos. Fátima foi um ponto alto dessa história, pois a Senhora da Mensagem transmitiu aos pastorinhos os valores fundamentais do Evangelho, a conversão e a oração, para que houvesse paz entre as nações. Esta velha Europa precisa, hoje, de ser recordada das suas raízes cristãs e do seu dever de praticar a hospitalidade, para que abra as suas portas e colabore com os filhos dos países mais pobres que chegam às suas fronteiras, não como malfeitores, mas como pessoas, com dignidade igual à nossa, à procura de trabalho e de melhores condições de vida que nos seus países de origem, como o fizeram e continuam a fazer tantos europeus por esse mundo fora.
3. Queridos peregrinos de Fátima, hoje representamos aqui as centenas de milhares de imigrantes a residir e trabalhar no nosso país e também os 5 milhões de emigrantes portugueses, espalhados pelo mundo, cerca de um terço da nossa população. Todos temos em comum o factor da migração do torrão natal para outro local, com tudo o que isso implica de desenraizamento, de ruptura, de aventura e encontro de novas culturas, ambientes, pessoas e sociedades. Vivemos num mundo global, em constante mobilidade, à procura de uma vida melhor, mas, como crentes em Deus, à semelhança do povo eleito e de Abraão, sempre confiantes no poder e na misericórdia de Deus, peregrinos da terra prometida, dos novos céus e da nova terra, cujo esboço já antevemos na fé, mas cuja realização plena será para todos um dom de Deus, que temos de continuamente implorar com as palvras da oração que Jesus nos ensinou: venha a nós o vosso Reino.
4. Aqui em Fátima viemos também implorar a cura das nossas doenças, contraídas nos caminhos do nosso peregrinar pelo mundo. À semelhança do leproso do Evangelho, há pouco proclamado, também nós nos prostramos neste lugar sagrado e pedimos: “Senhor, se quiserdes podeis curar-me”. Aqui também poderemos ouvir a palavra da libertação pronunciada pelo Senhor através da sua Igreja: “Quero, mas vai mostrar-te ao sacerdote”, isto é, integra-te na comunidade, a começar pela família. Vai, deixa os teus caminhos de orgulho, de isolamento, reúne-te aos teus, partilha com eles as tuas alegrias, as tuas tristezas, os teus haveres, constrói com eles um mundo melhor, mais solidário, mais em comunhão, sempre aberto à reconciliação e à reconstrução da nossa cidade. Sabemos que podemos contar com o amor fiel de Deus e a protecção de Nossa Senhora, pois nunca se ouviu dizer que alguém a Ela tenha recorrido em vão. Aqui em Fátima são curadas as feridas da nossa identidade cristã e fortalecidas as nossas certezas e confiança. Por isso vale sempre a pena vir a Fátima como peregrinos da esperança. Esta peregrinação no período das nossas férias pode ser a melhor forma de refazer as nossas energias e as nossas relações com Deus e uns com os outros.
Aproveitemos a oportunidade e voltemos os nossos pensamentos e o nosso coração para Maria, a Mãe que nos deu Jesus, o Salvador e que Jesus nos deu na Cruz também como Mãe nossa. Ela convida-nos agora a aproximar-nos de seu Filho, que vai ficar realmente presente no nosso meio, no sacramento do seu Corpo e Sangue, o alimento da vida eterna.
5. Irmãos peregrinos, aqui reunidos em vigília de oração, somos uma assembleia unida à volta de Nossa Senhora, que nos quer pôr em comunhão profunda com seu Filho, Jesus, nosso Salvador, sem discriminação de raças, de cores, de ideologias políticas ou de proveniência. Aqui antecipamos simbolicamente a realidade do Céu. A Igreja tem de ser testemunho, sinal e realização da união do género humano em Deus. Mas também estamos conscientes do longo caminho que temos a percorrer até à realização total desse desígnio de Deus. Podemos dizer que Fátima antecipa essa vontade de Deus. Por isso nós viemos até aqui, percorrendo longas distâncias e sentimo-nos bem neste recinto, conscientes de que Deus está connosco e Nossa Senhora, que é Mãe, intercede por nós e nos pede, para escutarmos o seu Filho Jesus.
6. Antes de terminar esta breve exortação gostaria de pedir às nossas comunidades espalhadas pelo mundo para se abrirem aos mais jovens, dar-lhes lugar e vez nas iniciativas que vamos desenvolvendo, pois eles são mais sensíveis aos factores provenientes da sua dupla pertença, o país de origem dos seus progenitores e o pais onde vivem e se preparam para a vida e nesta encruzilhada poderão fazer surgir comunidades humanas mais ricas e coesas, para bem de toda a família humana, que só terá futuro se se abrir à diferença, à multiculturalidade, às novas gerações. Deste modo os jovens tornar-se-ão verdadeiramente os protagonistas da esperança de um mundo envelhecido e empedernido em rivalidades e nacionalismos sem sentido.
7. Aqui estamos, irmãos peregrinos, neste local bendito, para reavivar a nossa comunhão com o Senhor e uns com os outros, para nos apoiarmos mutuamente nos caminhos da nossa vida, contando sempre com Jesus, que encontrou esta maneira maravilhosa de ficar connosco, na Eucaristia, mistério de amor e de doação da vida por todos nós. Alimentando-nos do Pão descido do céu, temos parte na sua vida e na sua glória. Aprendemos a viver numa atitude de doação, de gratidão, de misericórdia, de transformação da nossa vida em oferta agradável a Deus.
A  Maria confiamos e consagramos as nossas famílias, sobretudo as que mais sofrem as consequências das migrações que separam os seus membros e dificultam a sua agregação.
Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, Senhora de Fátima e de tantos outros títulos com que sois invocada pelo mundo fora, velai por todos os que vivem e trabalham longe da sua terra natal, amparai as suas famílias, uni-as no amor, fortalecei a identidade de dupla pertença dos nossos jovens, para que sejam verdadeiramente protagonistas da esperança num mundo desiludido e triste, fechado sobre si mesmo, rogai por nós, agora e na hora da nossa morte. Ámen.

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