22 de setembro, 2004

XXIV Domingo do Tempo Comum
Ano C

Fátima
12 de Setembro de 2004

1 - Gen. 1,26-28.31a
2 – 1 Tim. 1,12-17
3 – Lc. 15, 1-10
Partilhando naturalmente das alegrias e esperanças do mundo, somos testemunhas do seu estado e das suas transformações. Lê-se nos textos do último Concílio que “é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los á luz do Evangelho”. E ainda: “A humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra” (G.S. n°4)
Era no fim do Concilio que se alertava para estas mudanças, contradições e desequilíbrios (cf. G.S. nos 4-8). Estávamos no ano de 1965.
Entretanto, em 1985, numa Exortação Apostólica pós-Sinodal ( “Os cristãos leigos”) o Papa fazia uma nova análise sociológica do mundo. Denunciava o indiferentismo religioso, o secularismo e o ateísmo do que chamava o “primeiro mundo” dos ricos, que vivem “como se Deus não existisse”, e cuja fé, mesmo sobrevivendo “em algumas manifestações tradicionais e ritualistas”, tende a desaparecer nos momentos mais significativos da existência - os momentos de nascer, de sofrer e de morrer. Por outro lado, dizia, conservam-se ainda vivas tradições de piedade e religiosidade popular, mas fortemente afectadas pela secularização e investida de numerosas seitas.
Porque se não tinha invertido o sentido das transformações enunciadas no Concílio, antes se tinham acentuado em difusão e intensidade, o Santo Padre vinha apelar a uma nova evangelização, porque era urgente “refazer em toda a parte o sentido cristão da sociedade humana”, na condição de “se refazer o sentido cristão das próprias comunidades eclesiais que vivem nesses países e nessas nações” (“Os cristãos leigos”, n° 34).
Poderíamos ser tentados a pensar que estas análises da sociedade e da Igreja estavam já desactualizadas ou se não aplicavam à nossa sociedade e à nossa Igreja. Mas em 28 de Junho de 2003 o Papa publicava nova Exortação Apostólica, sobre a Europa – “Igreja na Europa”. Falando do ofuscamento da esperança nas Igrejas da Europa recorda a crise da memória e herança cristã (aliada a um agnosticismo prático e indiferentismo religioso), o relativismo moral e jurídico, a “cultura da morte”, o paraíso prometido pela ciência e pela técnica, os vários messianismos, o hedonismo, o consumismo, os estupefacientes, a espiritualidade esotérica, as tentativas de fazer prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo (com o homem feito centro absoluto da realidade), e a “apostasia silenciosa” que caracteriza a actual cultura europeia (cf. nos 7-9).
Esta leitura crítica da sociedade e esta análise preventiva da Igreja, que foi enviada e está e cumpre a sua missão nesta sociedade, não é uma interpretação ou crítica negativa e total. É apenas um esforço de discernimento destinado a evitar confusões ou nivelamentos, fugas ou demissões, e destinado também a manter defender divulgar os valores e a cultura que são património da Igreja (da nossa Igreja) nesta Europa que ganhou unidade e cresceu à sombra e por mérito dos valores cristãos. De resto, é este mesmo o sentido e o espírito da Exortação sobre a Igreja na Europa. Vêm de trás e de há muito as mudanças e os caminhos escolhidos para a passagem de ideias e ideologias, de modelos e ideais, de sistemas e de interesses que contrastam com a mentalidade cristã e a ela se opõem, sem no entanto se lhes poder negar a liberdade e o direito de existir, de actuar, de se expressarem e de conviverem.
Mas é por isso mesmo que, quando falamos do esmorecimento da Esperança e respectivos sintomas, também falamos da nostalgia da esperança, como exigência inata, e dos sinais de esperança, como a colaboração e intercâmbio das várias culturas, a liberdade e a democracia, o reconhecimento e formulação dos direitos humanos, o primado dos valores éticos e espirituais, os testemunhos da fé cristã, os exemplos de santidade, um cristianismo mais livre, mais responsável, menos protegido, mais meritório.
Esta análise sociológica é fruto da nossa exigência humana, pessoal e social, é necessária como condição para conhecermos o sentido e valor da nossa fé e vocação cristãs, e é imprescindível para compreendermos e aceitarmos a situação existencial e concreta da própria vida, actividade, comportamento e missão, individual e colectiva. Estamos no mundo sem nos apropriarmos dele. Mas temos que conciliar esta situação e moderação objectiva com a consciência desperta respectivamente para aquilo que S. Paulo dizia aos cristãos de Corinto: “Tudo é vosso: ... o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é Deus” (1 Cor 3, 22-23)
De facto, seria fatal se nos perdêssemos e ficássemos prisioneiros em análises sociológicas que dizem respeito ao que somos, às nossas origens, vocação, fé e missão. Como se lê na “Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no Mundo (31 de Maio de 2004), “os primeiros três capítulos do Génesis colocam rios no contexto do ‘princípio’ bíblico, no qual a vontade revelada sobre o homem como “imagem e semelhança de Deus’ constitui a base imutável de toda a antropologia cristã” (n° 3). Imagem de Deus como todas as criaturas, imagem e semelhança pela sua razão e liberdade, homem e mulher na igual dignidade das pessoas como complementaridade física,  psicológica e ontológica, em “unidualidade” relacional, o homem recebe de Deus Criador o estatuto de superioridade sobre as outras criaturas, e recebe a capacidade, dom e responsabilidade da propagação.
Este é o projecto de Deus sobre o homem que criou, projecto que em linguagem pré-científica contém a verdade profunda sobre o homem e as suas relações com Deus e com as outras criaturas. “Era tudo muito bom” (Gen. 1, 31a).
A liberdade que faz do homem “imagem e semelhança de Deus é a sua nota característica e distintiva mais nobre, mas é também (porque foi) a raiz da sua resistência à vontade e bondade de Deus. Se foi o homem na sua “unidualidade” que pecou, é na mesma “unidualidade” que assenta a promessa divina de um Salvador: “Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela” (Gen. 3, 15). Mas a história da salvação passa pelo projecto anunciado, pela resistência original, pelo Antigo Testamento das prefigurações, pela realização das prefigurações e por uma humanidade ferida apesar da Redenção, redimida por causa da ferida que a afectou.
É neste contexto histórico que aparece a figura do Redentor, que é o cumprimento da promessa nas origens de uma situação humana a precisar de perdão.
Quando o Evangelista S. Lucas (Lc. 15, 1-10) introduz os publicanos e os pecadores, os fariseus e os escribas, no cenário em que Jesus é protagonista, coloca-nos a todos nós em questão para apreciar o comportamento do Mestre e o confrontar com as nossas ideias e sensibilidades, criticas e temperamentos, compreensão e resistência, ‘Este homem acolhe os pecadores e come com eles” (Lc. 15, 2): É a mesma vontade e constatação para todos os crentes e não crentes, cristãos ou infiéis. As parábolas da misericórdia, como a parábola da ovelha perdida ou a parábola da dracma perdida, têm a interpretação autêntica que Jesus lhes dá: “Alegrai-vos comigo”. Estamos perante a alegria, paz, certeza e esperança que nos vem da fé cristã: o Senhor perdoa-nos, alega-se por isso e chama-nos à alegria e felicidade com Ele.
A misericórdia de Deus, concretizada em Jesus Cristo, está presente na Igreja dos Apóstolos. S. Paulo (1 Tim 1, 12-1 7) parte da própria condição de pecador (a nossa condição) para lembrar que “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores” (1 Tira 1, 15) e dá graças, diz, “Àquele que me deu força, Jesus Cristo, Nosso Senhor, que me julgou digno de confiança e me chamou ao seu serviço”, …para que, em mim primeiramente, Jesus Cristo manifestasse toda sua magnanimidade, corno exemplo para os que hão-de acreditar n’Ele” (1 Tim. 1, 12.16).
Meus caros sacerdotes e fiéis leigos:
Neste santuário de Fátima onde ecoa permanentemente o apelo à penitência e oração, demos graças à Mãe do céu pela mensagem que nos trouxe, e demos graças a Deus pela misericórdia com que nos envolve para vivermos na paz do perdão e nos alegrarmos na disponibilidade ministerial de ser testemunhas do amor de Deus e anunciadores da paz e da Esperança que nos vem da Fé.
Fátima 12 de Setembro de 2004
D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto
 
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