21 de junho, 2019
Fátima “é uma meta provisória” de um caminho de encontro com Deus, afirma teólogo José Rui TeixeiraA condição de peregrino foi tema das intervenções desta tarde no Simpósio Teológico-pastoral “Fátima, hoje: que caminhos?”
“Ser peregrino não é um estatuto ou um dado adquirido”, disse José Rui Teixeira, na sua reflexão sobre “A Criação como paradigma da peregrinação”, que inaugurou a segunda sessão do primeiro dia do Simpósio Teológio-pastoral “Fátima, hoje: que caminhos” que decorre no Centro Pastoral de Paulo VI, na Cova da Iria entre hoje e domingo. O diretor da Cátedra Poesia e Transcendência, da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, refletiu sobre o paradoxo entre uma certa “tendência fixista” com que nos habituámos a conceber a Criação no sentido de completude, a partir da alegoria do Livro do Génesis e a necessidade de contrariar um certo reducionismo com que entendemos a peregrinação vista a partir de um contexto especifico concreto ou uma expressão devocional. Por isso, afirmou que equacionar a Criação como paradigma da Peregrinação “supõe aceitarmos que o peregrino toma parte dessa criação continua”. “O Peregrino é alguém em processo de desproteção, que abdica do hiato de tempo e espaço, que abdica do conforto”, com o propósito “de se deixar encontrar e de se encontrar”, afirmou. Segundo José Rui Teixeira, “uma Igreja que não assume a sua condição peregrina, acaba por cair no esquecimento e na vaidade, presa aos males menores”, e o pior que pode acontecer é “a Igreja tornar-se um mal menor”. “A Igreja precisa de mais santos do que propriamente dos ‘polícias’ do costume”, e nesse sentido a peregrinação “não é metáfora no caminho de santidade, é sim a afirmação da condição pascal de passagem em passagem, até à Páscoa definitiva”. O teólogo afirmou ainda que “Fátima é lugar maior de peregrinação em Portugal”, no entanto o Santuário “é meta provisória, da peregrinação em caminho para Deus”. José Rui Teixeira é natural do Porto. É licenciado em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa, mestre em filosofia e doutorado em Literatura pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É, ainda, diretor da Cátedra Poesia e Transcendência, na universidade Católica Portuguesa, no Porto. É um dos teólogos incumbidos da redação da “Positio super vita, virtutibus et fama sanctitatis” do Processo de Beatificação e Canonização da Irmã Lúcia.
Fátima, local de pertenças religiosas não católicas A investigadora Helena Vilaça, socióloga e professora no Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apresentou a “pluralização” religiosa do Santuário, como sendo a principal novidade de Fátima no século XXI, não só marcada pela proveniência diversificada dos peregrinos em termos geográficos, mas também pelas diferentes religiões aqui representadas. Na conferência “Fátima: um espaço global e multirreligioso”, Helena Vilaça sublinhou uma certa “reconfiguração de Fátima” que, à semelhança de outros espaços, é hoje lugar de acolhimento de crentes e não crentes. E, embora ainda estatisticamente pouco relevantes, cerca de 3% num total de mais de 6 milhões de peregrinos, os dados apontam para “novas tendências em curso” na vivência e experiência do campo religioso e a grande questão é saber qual vai ser o “ percurso de Fátima” na resposta a esta nova realidade. “Vai ser interessante percebermos se a Igreja católica vai continuar a promover uma ação de catequização, mantendo a sua ortodoxia ou se, em nome da globalização, vai começar a incorporar fenómenos mais individualizados de vivência da fé e da espiritualidade”, interpelou a socióloga depois de ter afirmado, ainda, que Fátima é, no contexto nacional, um “espaço de reconciliação entre as esferas política e religiosa”. Aliás, segundo a investigadora, o que acontece em Fátima verifica-se também noutros lugares. “Os rituais religiosos contemporâneos continuam a inscrever-se num terreno que escapa ao controlo das Igrejas oficiais e surgem combinados com outras esferas da vida social exteriores ao campo religioso”, afirmou. “Quando olhamos para Fátima hoje, a política, a sociedade, a economia, o turismo... tudo está presente em Fátima” e isso provoca como que uma “metamorfose” que nos obriga a pensar “na sua reconfiguração” E, hoje, em muitos lugares como em Fátima, a principal evidência é, segundo Helena Vilaça, “ a privatização da religião”. “Há uma privatização da religião: a sociedade é mais individualista e as pessoas muitas vezes estabelecem com o religioso uma relação instrumental, querendo, cada vez mais, viver uma fé individualizada e afastada das estruturas e da ortodoxia”. “Apesar de uma vivência comunitária a experiência de Fátima é individual e hoje esta é a tendência de quem vive o religioso”, concluiu.
Turismo, peregrinação, hospitalidade O Pe. José Paulo Abreu, vigário geral e moderador da Cúria Arquidiocesana de Braga foi o último orador deste primeiro dia de trabalho do Simpósio Teológico-Pastoral. Seguindo de perto a intervenção do Papa Francisco, dirigida aos reitores de Santuários, em Roma, no ano passado, o sacerdote frisou a importância do turismo religioso como “um ativo económico fundamental” num contexto mais genérico do fenómeno turístico e apresentou os santuários como os grandes responsáveis por essa dinamização. A procura crescente das viagens direcionadas para os lugares santos, transversal às várias religiões e crenças, responsabiliza, por seu lado, mais o papel dos santuários, sendo o acolhimento uma das dimensões pastorais mais importantes destes lugares, referiu ainda o sacerdote bracarense. “Tratando-se de lugares de chegada, o acolhimento é ponto de honra, sendo um cocktail onde se juntam a bonomia, a educação, a simpatia, a compreensão e a generosidade” sublinhou, frisando que “quem não tem bom feitio não deve estar à frente de um Santuário nem estar ao seu serviço”. De resto, lembrou que o Santuário é sempre uma meta de alguém que caminha e que, por isso, “cansado da caminhada procura uma almofada e não um monte de silvas”. Aliás, o Pe. José Paulo Abreu alertou para o facto do acolhimento poder levar um turista a transformar-se num peregrino, advertindo que o contrário também poderá acontecer traduzindo-se depois “numa abstinência religiosa prolongada”. O sacerdote deixou ainda pistas sobre outros aspetos que fazem do Santuário um lugar de eleição, nomeadamente no que respeita à liturgia, às questões do património e outras.
O segundo dia do Simpósio Teológico -pastoral centrar-se-á na Peregrinação a Fátima com intervenções de António Martins, Marco Daniel Duarte, Adrian Attard, José Manuel Pereira de Almeida, Ana Luísa Castro e Carlos cabecinhas.
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