03 de outubro, 2021
“Fátima é lugar antropológico de vivência, interpretação e recapitulação da história, porque o horizonte do tempo é rompido pela promessa da eternidade”Padre José Nuno Silva conduziu o Encontro na Basílica IV desta tarde
A Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima acolheu esta tarde o Encontro na Basílica IV, conduzido pelo padre José Nuno Silva, que apfresentou uma meditação sobre “A fragilidade como lugar teológico e espiritual”. O capelão do Santuário de Fátima falou do tempo de pandemia que a humanidade atravessa e que permite e “empurra-nos mesmo, para pensar a fragilidade como lugar teológico e espiritual”. “A história humana é um lugar teológico porque é a história deste diálogo, desta interação, desta relação entre o Criador e Redentor e as suas criaturalmente frágeis criaturas”, disse o sacerdote. Isto acontece porque a história é “um lugar espiritual, é o processo de desenvolvimento da humanidade que procura o sentido da sua existência terrena, nos confins do tempo e para além deles, e para além da terra”. “É a procura do sentido que está inscrita no mais profundo do coração humano que torna a história lugar espiritual e é o oferecer-se de Deus como sentido ao coração humano que a torna lugar teológico”, acrescentou, lembrando que os tempos atuais “podem ser ditos como o tempo em que a fragilidade humana se impôs como nome dos dias, cada dia”. É possível afirmar “que estamos a viver os tempos, ao fim de tanto tempo, em que a fragilidade voltou a afirmar-se como história”, e deste modo “percebemos a fragilidade como história, de tal forma a consciência dela marca indelevelmente a perceção dominante e dominadora da nossa existência em sociedade”. A humanidade foi projetada para a consciência da fragilidade partilhada pela experiência da vulnerabilidade a que a pandemia trouxe mesmo depois de conquistas a nível científico e da técnica, considera o padre José Nuno Silva lembrando que “somos tão frágeis como os dois frágeis irmãozinhos de Aljustrel que nesta Basílica estão sepultados, Francisco e Jacinta, vítimas da pandemia da pneumónica, que podemos agora reler como trágico e desastroso prólogo do que as presentes gerações estão a atravessar”. “A vulnerabilidade que experimentamos não é mais do que a fragilidade intrínseca da condição humana a manifestar-se historicamente na doença e na morte de tantos e tantos”, afirmou, acrescentando que a vulnerabilidade revela a fragilidade. Assim, “a fragilidade humana é lugar espiritual, porque a interrogação sobre o sentido da vida, percebida como mistério maximamente diante do sofrimento inocente e da morte, se ergue com agudeza e radicalidade singularmente específicas através da fenda que a pandemia abriu; a fragilidade humana é lugar teológico, porque o processo nunca concluído de compreensão do que Deus disse de si mesmo aos homens encontra, nessa fenda traumática dos eventos dramáticos que vimos e vivemos, uma possibilidade única de ir mais longe na inteligência contemplativa do mistério do Deus uno e trino, criador, redentor e santificador”. Fátima é narrativa próxima “deste tempo do assombro surpreendente e esplendoroso que a história, a atravessar a sede e as sombras, pede como fonte e luz”.
“Fátima foi uma narrativa originalmente pequenina, do tamanho dos seus pequeninos protagonistas do lado da sede e das sombras, mas já tinha dentro dela a desmedida, a desmesura da intervenção de Deus”, acrescentou o capelão, recordando que os desenvolvimentos da Cova da Iria aconteceram “num tempo marcado por uma experiência traumática global, primeiro a grande guerra, depois a pneumónica; aconteceram num tempo que passou pelo que nós passamos, mas sem as artes de que nós dispomos para lidar com a vulnerabilidade que nos revela a nossa fragilidade”. Fátima é, hoje, “uma narrativa particularmente significativa e significadora: significativa, porque portadora de um horizonte de sentido para interpretar o tempo que nos atravessa; significadora, porque oferece o sentido de que é portadora como coordenadas topográficas para descobrir o caminho de reinvenção da sociabilidade humana, rumo a modos antropologicamente mais realizadores dessa expressão paradoxal da fragilidade humana que dita a necessidade de, para cada um ser quem é e responder ao que é chamado a ser, viver em sociedade”. Na Cova da Iria “cruzam-se todas estas linhas da fragilidade como história de busca de uma fonte e de luz a partir da experiência e da consciência da sede e das sombras”. “A fragilidade humana é a matéria-prima de Fátima, e este lugar é antes de mais, o lugar em que a fragilidade humana se faz procura de fonte e luz, e Deus se oferece, maternalmente, à sede e às sombras que projetam o homem que como tal experimenta conscientemente a sua fragilidade para a procura e a invocação da misericórdia”, afirmou o sacerdote. Fazer a leitura de Fátima enquanto narrativa significativa e significadora da fragilidade humana, “pede-nos que olhemos para Fátima como espaço que se define como lugar antropológico e, enquanto tal, lugar também teológico e espiritual, e de algum modo, na narrativa que desde há mais de um século aqui se inscreve, é uma condensação da história situada neste espaço”. O Santuário de Fátima “é um lugar antropológico por excelência, porque, movido pela experiência da essencial e radical fragilidade antropológica, o homem faz-se peregrino em busca de uma experiência que só o facto de Fátima ser lugar teológico e espiritual lhe permite aqui encontrar”. “Fátima é um lugar antropológico de redefinição identitária, porque é apelo à conversão a Deus e à necessidade de emenda de vida; Fátima é um lugar antropológico de refundação das relações, porque é proposta de uma pauta misericordiosa para reconfigurar a sociabilidade humana, confiando à responsabilidade de cada um a salvação do outro; Fátima é um lugar antropológico de vivência, interpretação e recapitulação da história, porque aqui o horizonte limitado do tempo é rompido pela promessa da eternidade, o céu é reintroduzido como horizonte da terra, enfim, a história é percebida como peregrinação”, explicou o padre José Nuno Silva. Deste modo, Fátima “é lugar antropológico, é lugar privilegiado de experiência e interpretação da fragilidade humana como lugar teológico e espiritual; hoje, tão atual como há um século atrás”. O capelão, lembrando os acontecimentos recentes, considera que “a consciência da fragilidade mora no silêncio e também no silêncio mora a experiência da misericórdia que a redime e Fátima é o lugar deste silêncio, lugar antropológico, teológico e espiritual, como a fragilidade, onde acontece cada dia este encontro que salva”. “Fátima é o evento maternal que narra o olhar de Deus para os seus filhos”, concluiu. José Nuno Ferreira da Silva é presbítero da diocese do Porto desde 1989. Foi Capelão do Hospital de S. João, no Porto, desde 1998. É assistente da pastoral da saúde na sua diocese desde 2004. De 2002 a 2012 foi coordenador nacional das capelanias hospitalares e membro da Comissão Nacional de Pastoral da Saúde. Integrou o comité da Rede Europeia de Capelanias Hospitalares e é responsável pela criação, em Portugal, do Grupo de Trabalho inter-religioso Religiões/Saúde. Integrou a Comissão de Ética do Instituto Nacional de Saúde Pública Ricardo Jorge e lecionou em diversas Escolas Superiores de Saúde. Presentemente leciona Antropologia Médica na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e a Unidade Curricular de Cristianismo e Cultura na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto. É, desde outubro de 2016, Capelão no Santuário de Fátima. O Encontro terminou com um recital de órgão, com António Mota, organista do Santuário desde março de 2020. O quinto e último Encontro na Basílica deste ano pastoral terá lugar a 7 de novembro e será protagonizado pelo diretor do Departamento de Acolhimento e Pastoral do Santuário, André Pereira, que falará de Fátima como acontecimento, lugar e mensagem de esperança a partir dessa certeza que Nossa Senhora deixou a Lúcia “Eu nunca te deixarei”. O recital de órgão será com Sílvio Vicente, organista do Santuário de Fátima. |