26 de março, 2012
![]() Agora irei, também eu, como peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea. 2 – Quase a chegarem os 100 anos das aparições de Fátima (1917-2017) qual a importância desta revelação para o mundo de hoje? Sobre a importância e o sentido das aparições foi já escrito e dito tanto. Sublinharia, mais do que as indicações gerais de espiritualidade, ainda que legitimas e oportunas para uma grande maioria dos peregrinos, o valor que a mensagem de Fátima atribui à historia, a união da visão cristã com a realidade histórica da vida. Merece grande atualidade o forte apelo a viver a própria história com fidelidade e em permanente conversão ao querer de Deus . 3 – Que mensagem especial pensar trazer para os peregrinos? Estou ainda a preparar-me, mas algumas perspetivas tenho já no meu espírito. Primeiro, valorizar o santuário como lugar da escuta da Palavra de Deus. Em segundo, chamar a atenção para a recuperação do extraordinário, para a valorização da experiência de momentos de diversidade da rotina quotidiana. Encontrar-se cada um consigo mesmo, no silêncio, permite distanciar-se de tanta superficialidade a que parece obrigar a agitação da vida contemporânea. Em terceiro lugar, um santuário mariano é lugar para recuperar a festa cristã, com a vivência litúrgica da alegria interior e da participação comunitária. Penso ainda, apelar para a descoberta da riqueza da diversidade e da pluralidade das culturas, que um lugar como Fátima acolhe e potencia. 4- Que balanço fez do encontro do Santo Padre Bento XVI, em maio de 2010, em Lisboa, com várias personalidades portuguesas do mundo da cultura? Além da beleza do espaço, relembraria a profundidade dos gestos, como a ternura do encontro entre Manoel de Oliveira e Bento XVI, descendo este da sua cadeira para ir ao encontro do cineasta, atitude da Igreja chamada a ir ao encontro da cultura contemporânea. Foram tópicos importantes da intervenção do Santo Padre: centrar na beleza da vida as expressões da arte e da literatura, atender à tradição na busca do saber, considerar o futuro nas opções da ciência. A simpatia com que tantas figuras da cultura portuguesa acolheram Bento XVI demonstrou ser campo aberto para um trabalho pastoral. Aliás sei que várias dioceses estão a percorrer esse caminho, animadas por um Secretariado da Pastoral da Cultura bastante criativo. 5 – O Conselho Pontifício a que preside tem conseguido alcançar os objetivos a que se propôs há trinta anos aquando da sua criação? Mais do que conseguir cumprir objectivos prefixados procuramos andar além. A cultura, por natureza, esta sempre em evolução. Temas que eram, então, apenas embrionários adquiriram nos últimos anos um especial vigor. Posso citar o campo da relação entre ciência e fé, entre fé e estética, a dimensão da interculturalidade, o humanismo da economia. Muito criativo e grande desafio tem constituído o Átrio dos Gentios, que desde 2010 corresponde a uma atitude com largo futuro. 6 - Sendo o diálogo entre a igreja e as culturas do nosso tempo um campo de atuação vital desse Conselho, qual a área do vosso trabalho que lhe parece mais difícil consolidar? Apraz-me registar o que há de positivo e em crescimento, mas devo confessar que o mais exigente, dada a profunda mudança, é o sector da comunicação e linguagem. Assistimos a uma viragem rápida nas formas de linguagem e a fenómenos novos da grande cultura de massas que não podemos negligenciar, mas são meios difíceis, já que requerem uma adaptação que nos despoja de retórica, embora sendo canal para centrar a mensagem cristã no essencial. 7 - Várias personalidades da Igreja, a começar pelo Santo Padre, têm qualificado esta crise que o mundo vive atualmente mais como uma crise de valores, e cultural, que uma crise económica e financeira. Será possível ultrapassar este problema apenas com este, digamos, regresso às origens, à família como célula primeira da sociedade, com a solidariedade entre as pessoas e as instituições? A crise que vivemos é de ordem global. Não é apenas financeira. A queda das ideologias levou à queda dos valores. É importante interessar-se pelos problemas económicos como primeiro capitulo e como expressão de uma dificuldade muito mais vasta. Com a economia importa conjugar a cultura, a educação, a formação. Na complexidade de um tratamento para a superação da crise, destacaria dois elementos ou conceitos a valorizar. Antes de mais, conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e individualistas. Em segundo lugar, educar para a solidariedade, nova palavra para declinar o termo amor, que é muito mais um modo para o tornar compreensível a todos, também aos não crentes. Esta atitude alimentará um empenhamento social concreto e abrir-se-á à dimensão universalista, única capaz de hoje olhar o futuro com esperança. 23 de março de 2012 |