10 de julho, 2011
Caros irmãos
Chegou o dia do nosso encontro nesta catedral: a porção do Povo de Deus, a Igreja Local que é a diocese de Coimbra, com o bispo, que agora chega ao meio de vós, em resposta ao pedido da Igreja, expresso na bula de nomeação do papa Bento XVI, há pouco lida.
A Igreja, enquanto mãe que cuida de todos os seus filhos, nunca deixa de providenciar para que não falte o pão da Palavra e da Eucaristia, todos os sacramentos da salvação que o Bom Pastor dispensa generosamente ao seu rebanho. É em nome de Jesus Cristo, o único Salvador, que aqui me encontro no meio de vós, disponível para colaborar com o Senhor, no serviço alegre e humilde que sou chamado a realizar em vosso favor. Não venho por mim, mas por vós e pela Igreja de que todos somos membros vivos, para que juntos, alcancemos as fontes da salvação.
Agradeço a Deus por me ter conduzido até vós e peço-lhe que nos confirme nos laços de comunhão que queremos que continuem a crescer, assentes nas relações humanas e fraternas, mas, acima de tudo, assentes nas invisíveis e profundas relações espirituais. De facto, o que verdadeiramente nos une é o baptismo que recebemos e nos torna membros do Corpo de Cristo, assembleia de fiéis convocada para formar um povo santo no seguimento do nosso Mestre e Senhor. Peço-vos que, comigo, deis também graças a Deus e O louveis por ter preparado tudo a fim de que este encontro, hoje, fosse possível.
A liturgia de hoje convida-nos a acolher a Palavra de Deus como uma semente lançada à terra, que, regada pela chuva e pela neve, deve dar muito e bom fruto.
Esta é uma forma de a Sagrada Escritura nos centrar em Jesus Cristo, o Filho de Deus e a Palavra ou o Verbo de Deus, por meio do qual nos chegam as propostas de Deus e uma maneira nova de ler a realidade, a vida e o mundo.
Se o texto de Isaías usava a linguagem figurada da semente, da chuva e da neve, o texto do Evangelho de S. Mateus, explicava essa realidade com o uso da parábola do semeador, contada por Jesus. Pelo meio cantámos parte do Salmo 64, que narra o processo minucioso e lento utilizado pelo agricultor no trabalho da terra, imagem do trabalho de Deus no cultivo da sua Palavra nos nossos corações.
Por feliz coincidência, há uma grande proximidade entre a temática da Liturgia da Palavra deste XV Domingo do tempo comum e o meu lema episcopal, cuja primeira palavra é precisamente “anunciamos Cristo crucificado, sabedoria de Deus” (praedicamus, no latim da Vulgata). A partir da fé, recebemos como missão, por um lado, escutar e acolher a voz e a pessoa de Cristo, o Verbo de Deus; e, por outro, a missão de O anunciar aos quatro ventos, enquanto Palavra que orienta e que salva. Sinto, por isso, que a minha missão no meio de vós passa fundamentalmente pelo anúncio, pelo descobrir juntamente convosco os caminhos da nova evangelização a que a Igreja tem dado tanto relevo, sobretudo nestas últimas décadas, e na qual quer investir tantos dos seus esforços no presente. Esta é tarefa da Igreja de todos os tempos, mas torna-se um imperativo no mundo hodierno que, apesar da sua originária matriz cristã, está muito longe de Cristo nos seus valores e nos seus horizontes de realização. Reconhecemos que é necessário um novo ardor em nós, pois, a tarefa da Igreja está dificultada pela cultura ambiente e por um conjunto de preconceitos anti-cristãos. Significa isso que, muito mais do que pela palavra, o anúncio tem de fazer-se por meio do testemunho. Desse modo aprendemos de Jesus Cristo, Aquele que se aproximou da humanidade como um irmão e um amigo, pronunciou palavras de vida eterna e que, acima de tudo, empenhou a totalidade da sua vida – até à morte de cruz – por aqueles que amou. Eis o único modelo para a Igreja, profeta do anúncio. A leitura da Primeira Epístola aos Coríntios, propositadamente escolhida para esta missa, fornece-nos alguns elementos relativos ao conteúdo do anúncio, e que quis que figurassem também no lema episcopal. A centralidade do mistério pascal de Cristo, crucificado, morto e ressuscitado, verdade fundamental da nossa fé e sinal maior do amor de Deus por nós, constitui o primeiro anúncio da Igreja Apostólica e fornece-nos a chave do anúncio de hoje. O contraste estabelecido pelo Apóstolo entre a sabedoria humana e a sabedoria divina da qual nos fala Cristo crucificado, dá-nos a oportunidade de nos aproximarmos da humanidade do nosso tempo com o único argumento válido: o do amor que vence tudo e se oferece como a única linguagem acessível a todos. O texto do Evangelho apresentava-nos um outro quadro altamente inspirador da nossa acção: Jesus que sai de casa e se vai sentar à beira do lago, onde se junta numerosa multidão para se encontrar com Ele e ouvir o seu ensino. Este episódio reflecte a atitude do Pastor que sai à procura das suas ovelhas, do Deus que vai ao encontro do seu povo, do ministro da Igreja que se sente inquieto diante do mundo por evangelizar, dos leigos que sentem como sua a missão da Igreja. Ao contrário do que acontecia há dois mil anos, quando a dimensão religiosa fazia parte integrante da experiência quotidiana, estamos num tempo em que os horizontes se projectam noutras direcções. Continua a haver muita sede de Deus e de infinito, continua a perceber-se um grande vazio no coração e na vida das pessoas, mas procuram-se as soluções por outros caminhos, tentam preencher-se os vazios com outras realidades. As multidões não se aproximam agora de Jesus e da sua Igreja com a mesma naturalidade, como acontecia junto ao lago da Galileia. A Igreja tem de ensaiar, por isso, uma nova maneira de estar no mundo, precisa der sair, de ir ao encontro dos homens onde quer que eles estejam. O nosso modo de ser cristãos passa pela abertura ao mundo e aos outros, sem complexos nem temores, porque, afinal, levamos um tesouro inestimável, que ultrapassa toda a sabedoria humana e nos projecta para horizontes de eternidade. É urgente ir ao encontro dos que estão adormecidos na sua fé, dos que perderam o sentido da existência em virtude da dureza das circunstâncias em que se encontram; ir ao encontro dos doentes, dos idosos e dos que sofrem calados a sua falta de esperança; precisamos de ir ao encontro dos pobres, dos desempregados, dos perdidos nos fossos cavados por si mesmos ou pela sociedade, para lhes levar o conforto da confiança no futuro e o primeiro auxílio para as necessidades materiais. Precisamos de ir à procura dos jovens em quem morreu o optimismo próprio da juventude e que agora olham para o futuro com desconfiança. Em todas essas pessoas estão as marcas de Cristo crucificado e também nelas, pela acção da Igreja, se pode manifestar a verdadeira sabedoria de Deus. Esta acção da Igreja supõe uma fé profunda e esclarecida, que se alimenta na assembleia dominical, na catequese devidamente organizada para as diferentes fases etárias, nos momentos especiais de oração, de encontro e de festa, nos retiros espirituais. A fé viva e adulta constrói-se com a ajuda de actividades sérias, profundas, bem preparadas, adequadas aos diferentes tipos de pessoas e sempre impregnadas de uma forte dimensão espiritual. Na dinamização desta dimensão da vida da Igreja tendes lugar especial vós, os presbíteros e diáconos que, não podeis chegar a todo o lado, mas tendes de centrar-nos no que é específico do vosso ministério. A acção da Igreja supõe igualmente um empenho total na vida da sociedade, sobretudo por meio dos fiéis leigos, que têm um lugar insubstituível na construção do mundo, segundo os critérios da sua fé e o modelo inspirador de Jesus Cristo. Vós, caríssimos leigos, procurai ser elementos activos na vida da sociedade, como sal e como fermento de autenticidade e de verdade, bem ancorados na palavra do Evangelho e no respeito sagrado pelos outros e pelas suas opções. Este tempo pede-nos que não nos dispersemos com coisas acessórias, mas nos centremos no essencial, numa forte pastoral da fé, que forneça às pessoas condições para conhecer e amar Jesus Cristo, como o Deus próximo e presente em todas as situações. Neste processo é fundamental o desenvolvimento de momentos de oração pessoal, familiar, comunitária, de momentos de interiorização e contemplação, meios privilegiados de encontro com o Deus Vivo num ambiente de amizade e familiaridade essenciais ao crescimento da fé. Este tempo pede-nos também uma melhor organização da vida da comunidade diocesana e das comunidades paroquiais, que poderá exigir algumas mudanças para as quais devemos criar espírito de abertura. Se todos somos capazes de reconhecer as dificuldades provenientes da escassez de clero e de vocações sacerdotais, a necessidade de uma melhor formação dos agentes da pastoral, a urgência da reorganização de algumas estruturas humanas e físicas de apoio à acção pastoral, havemos de criar o espírito de união que nos permita traçar objectivos e trabalhar para os alcançar. Não tenhamos medo de dar o nosso contributo para esta reflexão nas diferentes estruturas de participação eclesial, nem de dar passos firmes na renovação da Igreja Diocesana. O semeador saiu a semear, dizia o Evangelho. Tanto o bispo, como todos vós, sacerdotes, religiosos e leigos, havemos de sair a semear a Palavra de Deus, que é a verdadeira semente, com Cristo, que é o verdadeiro semeador. Pela força do Espírito Santo que nos une seremos povo de peregrinos, felizes no caminho da santidade que o Senhor espera de nós. Pedimos a intercessão de São Teotónio e da Rainha Santa, nossos padroeiros e da Virgem Santa Maria, de quem a nossa diocese de Coimbra tem sido fiel e devota ao longo dos séculos. Coimbra, 10 de Julho de 2011 Virgílio do Nascimento Antunes |