14 de junho, 2008

 Nota do autor: Não foi lido durante a cerimónia de inauguração o que está entre [    ]
JACINTA MARTO
MEMORIAL NO CEMITÉRIO DE OURÉM – ALGUMAS PALAVRAS
No fim da tarde, quase noite, de 25 de Fevereiro de 1920, entrava neste cemitério um cortejo triste de algumas pessoas da Quinta da Alcaidaria e das Quintas da Mota e da Olaia, que tinham ido à estação de Chão de Maçãs buscar o corpo da pequenina Jacinta, uma das privilegiadas crianças que tinham visto o Anjo de Portugal e Nossa Senhora em Fátima.
[Uma nota muito completa do Dr. Formigão, datada de 9 de Abril de 1920, informa-nos: “A Jacinta adoeceu no dia 22 de Dezembro de 1918. Ainda no dia 20 tinha ido com a mãe à procissão de penitência de Boleiros, promovida por Manuel Paulo, indo o SSmº Sacramento de Fátima para Boleiros. Esteve uns oito dias de cama. Levantou-se, apareceu-lhe um tumor no lado esquerdo, tornou à cama no mês de Janeiro ou Fevereiro. Rebentou o tumor. Dois os três meses depois, foi para o hospital de V. N. de Ourém, em Junho ou Julho [de 1 de Julho a 30 de Agosto de 1919]. Depois do tumor rebentar, foi a mãe com ela ao colo ao médico Dr. Preto, duas vezes, com diferença de 15 dias ou mais. Da 2ª vez é que ele disse que fosse para o hospital. No fim de dois meses, disse ele à mãe que a retirasse, que mais não lhe podia fazer; só uma operação em Lisboa, mas que, mesmo assim, naturalmente não melhorava. Foi durante a doença muitas vezes a cavalo num burrinho à Cova da Iria, a pedido dela, que insistia. No dia 13 de Janeiro [de 1920] foi lá pela última vez. Quando chegou à estrada, disse à mãe: cale-se agora, não diga nada, que eu quero rezar dois terços, e na Cova da Iria oferecê-los a Nossa Senhora, porque não queria que lhe fizessem perguntas, que não lhe dissesse nada. Pouco dormia durante a doença. Mas não dava incómodo durante a noite. Rezava o terço. Às vezes dizia: ó minha mãe, já não posso rezar senão sentada. Então, dizia a mãe: se não puderes rezar, não rezes. Durante a doença, enquanto podia andar de pé, chamava as crianças dos vizinhos e ensinava-lhes a doutrina. Enquanto foi viva, havia sempre crianças à porta. Ela tinha dois laços de fita de seda que lhe tinham dado. Pediu à mãe, para os ir oferecer a N. Sª à Cova da Iria. Pendurou-os e depois disse: nunca mais cá torno.
Uma vez que ela se confessou em Lisboa antes de ir para o hospital, não percebeu bem o padre, e a mãe perguntou-lhe se tinha percebido a penitência e disse que sim e se se tinha confessado bem e disse que sim, e acrescentou que não tinha pecados grandes, mas só ralhar aos cachopos quando faziam barulho ou rixavam e faltas de paciência com o tratamento do buraco. Tinha sempre muitas dores. Queixava-se, quando lhe mexiam da cintura para cima. Mudava de roupa, duas ou três vezes por dia, por causa do pus, e isso custava-lhe muito. Ia, de vez em quando, a pé (e só uma vez a cavalo) à igreja paroquial para se confessar e comungar. Em Lisboa confessou-se uma ou duas vezes e comungou três vezes, sendo duas na igreja da Estrela. Fez a primeira comunhão há dois anos, um ano depois da última aparição” (DCF 3, 2, doc. 469, p. 233 e 234).
 Jacinta esteve internada no hospital de Santo Agostinho, em Vila Nova de Ourém, desde 1 de Julho a 30 de Agosto de 1919, com uma pleurisia purulenta (DCF 3, 2, doc. 399). O médico, Dr. Justiniano da Luz Preto, chegou a dizer que não havia mais nada a fazer. Efectivamente, a saúde da Jacinta foi-se deteriorando, pondo em perigo a sua vida, como tinha acontecido com o Francisco, que adoeceu na mesma data da Jacinta e veio a falecer no dia 4 de Abril de 1919. Era o que escrevia o Dr. Formigão, a 24 de Julho, em artigo publicado no jornal “A Guarda”, de 16 de Agosto: “A epidemia bronco-pneumónica, quase a declinar, roçou com a sua asa negra a pobre criança [o Francisco], ferindo-a de morte. A mais nova das videntes, irmã do finado, encontra-se actualmente no hospital de Vila Nova de Ourém, com um tumor no estômago [sic], sendo convicção dos médicos que está irremediavelmente perdida (DCF 3, 2, doc. 403, p. 405; cf. Docs. 401 e 405; 420). D. Maria Joaquina Tavares de Proença Almeida Garrett, em carta para o Dr. Formigão, dizia-lhe: “A Jacinta não diz se N. Senhora lhe anunciou que morreria depressa? E o segredo que N. Senhora lhe confiara morrerá com ella?” (DCF 3, 2, doc. 411, p. 131).
Desde os finais do ano de 1919, algumas pessoas começam a interessar-se vivamente pela Jacinta, tentando por tudo salvar a sua vida. Uma delas era o Dr. Manuel Nunes Formigão, o qual já conhecia os videntes desde o dia 27 de Setembro de 1917, e que, em carta, pediu aos pais da Jacinta, através do pároco de Fátima, Padre Manuel Bento Moreira, que permitissem a sua saída de Aljustrel. A resposta do pai foi evasiva: “agradece muito o empenho e protecção do Snr. Dr., mas vê pouca vontade de a pequena sair daqui, e, além disso, desejava falar primeiro com V. Revª; se, pois, cá vier no próximo dia 13 [de Janeiro], terá então ocasião de falar e combinar o que ele entender” (DCF 3, 2, doc. 421 de 7 de Janeiro de 1920, p. 154).
Ao mesmo tempo, o Dr. Eurico Lisboa, famoso oftalmologista de Lisboa, resolveu estrear o seu automóvel novo, numa visita a Fátima, nesse dia 13 de Janeiro. Conta ele, em 1934: “Em meado de Janeiro de 1920, fomos à Cova da Iria, por termos resolvido que seria com uma tal viagem que iniciaríamos o uso do automóvel que, havia poucos dias, compráramos. De passagem por Santarém, fomos cumprimentar o Revº P. Dr. Formigão, que sabíamos ser quem nos poderia instruir sobre tudo o que se tinha passado em Fátima, e de que tinha sido testemunha presencial. O Sr. Dr. Formigão, que só então tivemos o prazer de conhecer, iniciando-se assim a firme amizade que nos liga, teve a gentileza de nos acompanhar a Fátima, sendo por seu intermédio que conhecemos as pequenas videntes Lúcia e Jacinta. Depois de termos ido à Cova da Iria com a Lúcia, e termos sob a sua direcção rezado o terço, com uma inesquecível ternura e devoção, regressámos a Fátima, onde estivemos falando com a Jacinta e com as mães das duas videntes” (VF 12 (136) 13 Jan. 1934, p. 4, col. 3).
Estava também presente nesse encontro o Dr. Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos, advogado em Ourém, filho dos barões de Alvaiázere, que tinha falado com os videntes, pouco depois de 13 de Outubro de 1917, deixando um importante depoimento de 30 de Dezembro do mesmo ano, do qual consta o encontro com a Jacinta: “No regresso [da Cova da Iria], paramos novamente junto da Igreja da Fátima e ali conseguimos falar à outra pequena, cujo nome não me recorda. Subiu ao estribo do automóvel que nos conduzia, mas não conseguimos arrancar-lhe uma palavra por mais diligências que empregámos para esse fim. Tinha esta um aspecto muito jovial e uns olhos expressivos. Devia ter sete ou oito anos de idade”. (DCF 1, doc. 28, de 30 de Dezembro de 1917, p. 235-236).
E a sua irmã, D. Celeste Alvaiázere (+ 16.o9.1977), benemérita senhora que tão ligada esteve aos acontecimentos de Fátima e ao seu Santuário e que também falara com os pastorinhos nesse mesmo ano de 1917, escreveu: “Diz meu irmão, nos seus apontamentos: “Datam da hora em que nos conhecemos em casa do Senhor Prior de Fátima, para convencer os pais da Jacinta a deixá-la ir para Lisboa, as relações de verdadeira amizade que nos ligam ao Senhor Marto, que vinha muito a minha casa e a quem muito apreciávamos pelas suas belas qualidades morais e pela delicadeza dos seus sentimentos, apesar de ser analfabeto”. (Eu vi). 
Foi o Dr. Eurico Lisboa, como médico, que mais urgiu, junto dos pais da Jacinta a sua ida para a capital (disse à mãe que “ela seria responsável pela morte da filha, se não a deixasse ir para Lisboa” (DCF 3, 2, doc. 431, p. 171). É o Dr. Formigão que dá conta do que se combinou com uma outra senhora que também vai entrar na vida da pequenina vidente: D. Maria da Purificação Godinho. Informado que esta estava disposta a recebê-la em sua casa, explica: “Ela teve a pneumónica e em seguida uma pleurisia. Esteve dois meses no hospital de Vila Nova de Ourém, onde foi tratada pelo sr. Dr. Vaz Preto [sic]. Este disse que não lhe podia fazer mais nada e que a criança precisava de ir para Lisboa, a fim de aí fazer uma operação que, segundo me parece, consiste na ressecção de uma costela, afectada de tuberculose óssea. Há três meses que está em casa sem tratamento e, devido a isso, acha-se muito fraca. Os pais não tinham muita vontade de que ela fosse para Lisboa, sobretudo porque ela não queria ir de maneira nenhuma”. O Dr. Vasconcelos Alvaiázere tomou a responsabilidade de que nada lhe faltaria. (DCF 3, 2, doc. 424, p. 159-160). O Sr. Marto e o próprio Dr. Vasconcelos escreveram à mesma Senhora, no dia 19 de Janeiro (DCF 3, 2, docs. 426 e 427, p. 163-165)].
 
 
A Jacinta partira para Lisboa, no dia 21 de Janeiro de 1920, com o seu meio-irmão António, e a mãe, Srª. Olímpia, que levava uma carta de recomendação do Dr. Luís de Vasconcelos (Alvaiázere), para D. Maria da Purificação Godinho (DCF 3, 2, doc. 429). Em carta para o Dr. Formigão, o Dr. Luís comprometia-se também a pagar as despesas da viagem dos pais para irem visitar a filha, que não pudessem ser suportadas por eles.
A Jacinta foi internada no Hospital de D. Estefânia, no dia 2 de Fevereiro e operada no dia 10, mas a 19, já D. Maria da Purificação Godinho prevenia o Dr. Formigão: “Vou dar-lhe uma notícia pouco agradável: a Jacintazinha vai morrer” (DCF 3, 2, doc. 438, p. n183). Efectivamente, faleceu no dia seguinte, dia 20, às 10 horas da noite.
No dia 22 de Fevereiro, escrevia o Dr. Eurico Lisboa ao Dr. Formigão sobre os preparativos para o funeral. O corpo foi depositado na igreja dos Anjos e resolveu-se enviá-lo num furgon para Chão de Maçãs, partindo daí para Fátima ou Vila Nova de Ourém, conforme quisesse a família. Dizia-se que “ela mostrou desejo de não descer à terra”. Fizeram-se subscrições para pagar essa trasladação “porque me parece consolador para a família que o corpinho seja conduzido para Fátima”, no dia 24. Pedia-lhe que logo que se soubesse em que comboio seguiria, o Dr. Formigão o esperasse na estação de Santarém para o acompanhar até Chão de Maçãs. Se fosse julgado conveniente que o corpo ficasse em Lisboa, seria depositado num jazigo do cemitério dos Prazeres (DCF 3, 2, doc. 443, p. 194). “Estava tudo disposto para que o funeral se realizasse em Lisboa. A Madre Purificação Godinho tinha dado passos, nesse sentido, conseguindo até que uma amiga, D. Angelina da Conceição Lopes, oferecesse o jazigo de família para repouso da inocente menina”. (F. Leite, Jacinta de Fátima, p. 315-316). “O Dia” e “O Século” chegaram a noticiar isso, e o próprio Sr. Marto perguntava a D. Maria da Purificação Godinho que lhe dissesse como tinha sido o funeral (DCF 3, 2, doc. 448, p. 199). Uma nova carta do Dr. Eurico para o Dr. Formigão, no dia 23, elucidava-o sobre o transporte: o corpo seguiria para a estação do Rocio às 5 ½ da tarde, mas a urna só segue no comboio 2059, que daqui sai às 4 da madrugada de quarta-feira [dia 25], em comboio de mercadorias. Seria bom, que o meu amigo seguisse na 4ª feira no comboio nº 3, que sai daqui às 10 horas da manhã e aí [em Santarém] deve passar cerca do ½ dia, pois não pode seguir no comboio em que vai a pequenita porque não recebe passageiros (DCF 3, 2, doc. 449, p. 201).
O Dr. Eurico Lisboa escreveu, em 1934: “Finalmente, na 3ª feira, 24 de Fevereiro, às 11 horas da manhã, três dias e meio depois do falecimento, foi colocado o corpo dentro dum caixão de chumbo e este encerrado, tendo assistido a este acto, além do soldador e do Snr. [António Rebelo de] Almeida [sócio da firma Almeida & Quintas, agentes funerários, na Rua da Escola Politécnica, 26], [ou Agência de funerais de Abílio M. Quintão] que tinham sido encarregados de fazer o funeral], as autoridades e algumas senhoras entre as quais a Snrª D. Maria de Jesus Oriol Pena, falecida acerca de um ano, que afirmou a várias pessoas, que ainda o podem testemunhar, que o aroma exalado pelo corpo, no acto do encerramento, era agradável como o de flores, facto muito estranho, atendendo à natureza purulenta da doença e ao largo período de tempo que esteve insepulto” (LISBOA, Eurico – Notas sobre a doença e morte de Jacinta Marto, uma das videntes de Fátima, em “Voz da Fátima” 12 (136), 13 Jan. 1934, p. 4, col. 3-5)
E o Padre Fernando Leite, o melhor biógrafo da Jacinta, escreveu: “Mais tarde, “com grande acompanhamento de que faziam parte pessoas de elevada categoria social que faziam o percurso a pé, debaixo de chuva” [talvez tenha acompanhado o Dr. José Pereira dos Reis, pároco dos Anjos, ou o seu coadjutor, Pe. José dos Anjos Gaspar Borges, que fez o assento de óbito], seguiu às 17.30 o préstito para a estação do Rossio, donde saiu em comboio de mercadorias, às 4 da madrugada, com destino à estação de Chão de Maçãs, actualmente denominada Fátima. Velavam a urna a Madre Godinho, a dedicada Madrinha de Lisboa, D. Maria da Conceição Ramos e mais outras duas senhoras, todas da capital. No cemitério de Fátima não havia jazigos. Eram tudo  campas rasas. Por isso e porque a pequenina tinha mostrado desejos de não descer à terra [Nota 4: Assim o testificou o Dr. Eurico Lisboa, em carta de 22 de Fevereiro de 1920], o barão de Alvaiázere, a pedido do Dr. Formigão, ofereceu o jazigo da sua família em Vila Nova de Ourém”. (F. Leite, Jacinta de Fátima, p. 317-318].
O Dr. Luís Vasconcelos, nos finais de 1932, enviou um relatório ao Dr. Luís Fischer, sacerdote alemão que se dedicou ao estudo da história e mensagem de Fátima e escreveu uma belíssima biografia da Jacinta, a pequena florinha de Fátima, em que dizia que, de Lisboa, não tinha seguido nenhum sacerdote, a acompanhar o cadáver, talvez porque o telegrama chegou tão tarde que já não era possível contactar um.
Mas D. Celeste, anos mais tarde, escreveu: ”No dia 24 [25] de Fevereiro do mesmo ano [no texto está: mês], meu irmão Luís foi avisado, por telegrama enviado pelo Dr. Eurico Lisboa, da chegada dos restos mortais de Jacinta, às 3,30 horas da tarde (como então se dizia) à estação de Chão de Maçãs, hoje estação de Fátima. Como ele se encontrasse no tribunal, numa audiência geral de responsabilidade que não podia abandonar, pois nesses tempos era advogado, pediu ao Juiz a cedência do oficial de diligências, o honrado e piedoso católico, Joaquim [António] Casimiro, a quem incumbiu de vir à Quinta combinar com o nosso pai tudo o que era preciso para o funeral, pois o tempo era escasso. [A factura da Câmara Municipal era de 1$50 para o depósito no jazigo e $50 para a placa de numeração].
O corpo da Jacinta foi transportado num carro nosso, de cavalos, ornamentado com flores, e, como não sabíamos quantas pessoas vinham no séquito, pedimos também os carros da Quinta da Mota e da Quinta da Olaia, pertencentes a vizinhos e amigos nossos.
Por esse motivo, só foram à estação o Senhor Prior de Vila Nova de Ourém, Padre [Manuel] José Alves e o dito Joaquim Casimiro, que foi encarregado de dirigir tudo.
Todos de casa e o pessoal esperámos ao fundo do ramal da Quinta o triste cortejo que, devido ao péssimo estado das estradas, passou quase ao anoitecer, e ali deitámos flores.
A luz do crepúsculo, de mistura com a chuva miúda, eram uma moldura triste do quadro que envolvia as nossas almas, pesarosas pela morte da Jacinta.
Não parecia para nós o cortejo de um Anjo que tinha voado para o Céu, onde já certamente gozava o prémio das suas muitas virtudes.
Ela, sim, estaria contente, mas nós, sentindo humanamente a sua morte, bem tristes nos encontrávamos.
Os carros lembravam barcos no mar alto, tanto baloiçavam nas fundas covas das estradas intransitáveis, nesse tempo.
Ordinariamente cheias de pó, quando chovia logo se transformavam num pântano de lama.
A primeira ideia fora fazer seguir o corpo da vidente Jacinta para a igreja de Fátima, mas receavam-se complicações com as autoridades por se aproximar a noite.
Em Fátima não havia jazigos, na igreja não podia ficar e foi então que se resolveu que os restos mortais da Jacinta fossem para o nosso jazigo onde ficou carinhosamente depositado esse Anjo que, aureolado de santidade, fez cair sobre nós, nessa altura, uma chuva de graças e bênçãos do Céu. (M. Celeste Alvaiázere, Eu vi, p. 22-23).
Na sua segunda Memória, escrita em 1937, a Irmã Lúcia diz que ficou muito triste com o falecimento da Jacinta, pouco tempo depois do Francisco (4 de Abril de 1919), e, depois, do próprio pai (31 de Julho do mesmo ano), explica que, recebida a notícia que a Jacinta “havia voado ao Céu” e de terem trazido o seu cadáver para Vila Novas de Ourém, a tia Olímpia a tinha levado, um dia, “junto dos restos mortais da sua filhinha”, com o fim da a distrair. “Mas, por largo tempo, a minha tristeza parecia aumentar cada vez mais”. (Memórias da Irmã Lúcia, II, III, 8).
Ainda durante alguns tempos, se pensou levar a Jacinta para Fátima. Mas, havia receios justificados de haver algum desacato. De facto, conhece-se um comunicado da Federação Portuguesa do Livre Pensamento, para Artur de Oliveira Santos, datado de 23 de Abril de 1920, em que se afirma: “soubemos que os elementos reaccionários desse concelho se preparam para consagrar a vidente de Fátima, já falecida, continuando assim a torpe exploração religiosa já em uso. Pedimos, pois, a V. Exª a fineza de se dignar informar-me até que ponto vão esses manejos, a fim de vermos se em conjunto nós, o governo e V. Exª, podemos realizar aí alguns trabalhos que neutralizem essa manobra jesuítica” (DCF 3, 2, doc. 478, p. 255). 
Efectivamente, a 13 de Maio desse ano, foi impedida a procissão que havia de levar a nova Imagem de Nossa Senhora de Fátima para a Cova da Iria, o que só foi possível, no mês seguinte, a 13 de Junho, faz hoje precisamente 88 anos. Entretanto, a 15 de Maio, era nomeado D. José Alves Correia da Silva, bispo da diocese restaurada de Leiria, sagrado a 25 de Julho e entrado na diocese no dia 5 de Agosto. Por isso, foi resolvido aguardar para melhores dias, mantendo-se o caixão da Jacinta neste jazigo, como sendo de um familiar muito querido, até ao ano de 1935.
Nem por isso, o Dr. Luís deixou de insistir na trasladação para o cemitério de Fátima, o destino natural, para se juntar ao Francisco, falecido a 4 de Abril de 1919: escrevia ele ao Dr. Formigão, a 19 de Julho de 1920: “Veja o meu bom amigo se não fica no esquecimento a construção do jazigo na Fátima para serem transladados para lá os restos mortais da pequena Jacinta. Já tive que mandar reparar o caixão que estava exalando mau cheiro e este é construído com mau chumbo, de modo que receio muito da sua duração. A subscrição para tal fim em breve cobrirá o orçamento”. (DCF 3, 2, doc. 552, de 19 de Julho de 1920, p. 309-400). [A factura da agência funerária era de 199$00 e só o caixão de chumbo era de 80$00]
Foi uma convivência de 15 anos, em que esta família sentiu uma protecção especial da Jacinta. Demos, uma vez mais a palavra a D. Celeste. “Tínhamos combinado todos entre família que, à medida que morresse cada um de nós, passaria pelo lugar que a Jacinta ocupou no nosso jazigo. Foi meu irmão Luís que gozou desse privilégio e muito bem, pois foi um dos que mais se interessou por ela, mas, depois, infelizmente, o jazigo estava tão cheio e eram tão difíceis as mudanças que se não cumpriu esse desejo, pois todos igualmente ficariam debaixo do mesmo tecto.
Durante o tempo que a Jacinta esteve no cemitério de Vila Nova de Ourém, era muito visitada, e várias vezes correu o boato que o seu caixãozito crescia, mas confesso que nunca percebi diferença nenhuma”. 
Mas ia chegar a hora da separação. Estamos em 1935. O Sr. Barão de Alvaiázere recebe uma carta respeitosa de D. José Alves Correia da Silva, datada de 6 de Julho de 1935: “Havendo conveniência em reunir no cemitério de Fátima os restos mortais dos 2 pequenos videntes, Jacinta e Francisco, venho pedir a colaboração de V. Exª para consentir na trasladação do pequenino cadáver da Jacinta, que V. Exª tem guardado, com tanto carinho, no jazigo da sua Exma. Família, em Vila Nova de Ourém, para o cemitério de Fátima.
O Sr. Dr. Fischer, que publicou um belo livro sobre Jacinta - a flor de Fátima - , vem, em Agosto, assistir à trasladação.
Com a maior veneração e estima, me subscrevo,
De V. Exª, muito atento, venerador e obrigado, + José, Bispo de Leiria”.
Explica D. Celeste: “com o coração apertado, dissemos logo que sim. Nem havia outra resposta. Ela não era nossa e apesar de muito gostarmos de a ter à nossa guarda (pois os democratas do tempo queriam fazer desaparecer o corpo dos videntes), era somente até se fazer, em devido tempo, a entrega ao Senhor Bispo” (Eu vi, p. 23-24).
O Dr. Luís respondeu ao Senhor Bispo: “Com lágrimas nos olhos, veremos abandonar o nosso jazigo, essa relíquia que, do Céu, tantas e tão grandes graças alcançou para mim e para os meus.
Constam elas de vários depoimentos verbais e por escrito que tenho feito.
Agrava a nossa dor saber que, afinal, passarão os seus restos mortais de um cemitério para outro e não para o Santuário de Fátima.
Se me fosse lícito, ousaria ainda pedir a Vossa Excelência Reverendíssima que se dignasse adiar a trasladação para quando, concluídas as obras da Basílica da Cova da Iria, se fazer então, directamente, para esse templo.
Isto é tão-somente um pedido que espero a bondade e a indulgência de V. Exª Reverendíssima me relevarão, pois, de resto, sei bem que nada mais me cumpre do que obedecer às determinações do meu Prelado, súbdito obediente que sou, e como digno servidor que desejaria ser” (AEL). 
O Senhor D. José voltou a escrever, em 19 de Julho de 1935:
Exmo Snr.
Recebi a amável carta de V. Exª que muito agradeço. Os restos mortais das duas crianças não podem ainda ser trasladados para o Santuário, porque o lugar que lhes é destinado, não está em condições de os receber. Mandei fazer um jazigo de pedra no cemitério de Fátima onde serão recolhidos. Agradeço, pois, a V. Exª e Sua Exma. Família não só o carinho com que conservaram os pequeninos despojos da Jacinta como, agora, a facilidade de os transferir para o jazigo do cemitério de Fátima. Apresentando a V. Exª e à Exma. Senhora Baronesa os meus respeitosos cumprimentos e pedindo a Nosso Senhor os abençoe e a seu querido Fernando, subscrevo-me, de V.Exª, servo em Jesus Cristo, + José, Bispo de Leiria] (Eu vi, p. 24-25).
A trasladação fez-se, efectivamente, no dia 12 de Setembro de 1935.
Diz-se na introdução à primeira Memória da Irmã Lúcia, a propósito da abertura do caixão da Jacinta:
 “Nesta ocasião, tiraram-se diversas fotografias ao cadáver; algumas delas foram enviadas pelo Sr. Bispo à Irmã Lúcia que, então, se encontrava em Pontevedra. Agradecendo essa lembrança, com data de 17 de Novembro de 1935, entre outras coisas, Lúcia dizia: «Agradeço   reconhecidíssima as fotografias. Quanto as estimo, não posso dizer. Em especial à de Jacinta eu queria, mesmo à fotografia, tirar aqueles panos que a cobrem, para vê-la toda; estava como numa impaciência de descobrir o rosto do cadáver, sem me dar conta de que era um retrato; estava meio abstracta, tal era a minha alegria de voltar a ver a mais íntima amiga de criança. Tenho esperança de que o Senhor, para glória da Santíssima Virgem, lhe concederá a auréola da santidade. Ela era criança só de anos. No demais, sabia já praticar a virtude e mostrar a Deus e à Santíssima Virgem o seu amor, pela prática do sacrifício...»
Estas recordações tão vivas de Lúcia sobre a sua primita Jacinta induziram o Sr. Bispo a mandar-lhe escrever tudo o que se recordasse dela. E, com efeito, o escrito, começado na segunda semana de Dezembro, estava terminado no dia de Natal de 1935. Quer dizer, em menos de quinze dias, Lúcia redigia este escrito que conserva uma unidade perfeita e faz um retrato de Jacinta, em que o seu íntimo fica iluminado com essa luz de Fátima, que é o Coração Imaculado de Maria. O conteúdo deste escrito dá-nos, sobretudo, um retrato de Jacinta. (Introdução à primeira Memória).Também D. Celeste Alvaiázere se refere àquele momento: “No dia da sua transladação para o cemitério de Fátima, à saída do jazigo, foi aberto o caixão e, com grande admiração dos presentes, o seu rosto estava ainda bem conservado. Terminadas as formalidades oficiais, novamente ornamentámos, com flores e uma linda colcha de cetim amarelo, bordada a matiz, um automóvel aberto de meu irmão Luís que, acompanhado de seu filho Luís Miguel, de 5 anos de idade, [falecido a 20.10.1995], a transportou para a Cova da Iria, no dia 12 de Setembro de 1935.
Ali ficou durante algumas horas, na primitiva Capela das Confissões, já demolida, para receber as homenagens dos peregrinos que, queriam, por força, que se abrisse o caixão porque a desejavam ver, mas era impossível porque estava soldado.
Rezou missa de corpo presente Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. Manuel da Conceição Santos, Arcebispo de Évora que, no fim das cerimónias, acompanhou a vidente e os supostos ossos do Francisco (como mais adiante explicarei) ao modesto mausoléu do cemitério de Fátima, onde ficaram depositados até ao dia 30 de Abril de 1951.
No cortejo tomaram parte desde Vila Nova de Ourém, os pais dos videntes e família, o Reverendo Cónego Dr. João Pereira Venâncio, Dr. Luís Fischer e minha família (Eu vi, p. 25-26)
Os restos mortais da Jacinta ficaram no jazigo, mandado fazer pelo Sr. D. José, então à esquerda da entrada do cemitério paroquial de Fátima, e hoje à direita de uma nova entrada, aberta em 1943, onde vieram a ser exumados, no dia 30 de Abril de 1951 (estando presente também D. Celeste Alvaiázere) até ao dia 1 de Maio, em que foram trasladados para a basílica do Santuário de Fátima, onde se encontram agora, na companhia da prima Lúcia, desde o dia 19 de Fevereiro de 2006, um ano depois do seu falecimento, a 13 de Fevereiro de 2005, e do beato Francisco, falecido em 4 de Abril de 1919, e trasladado a 13 de Março de 1952.
Os túmulos do Francisco e da Jacinta foram visitados pelo Papa João Paulo II, na sua primeira peregrinação de 13 de Maio de 1982. Dizia a Jacinta, um dia, segundo diz a Irmã Lúcia, nas suas Memórias: “Quem me dera ver o Santo Padre! Vem cá tanta gente e o Santo Padre nunca cá vem”. Acrescentava a Irmã Lúcia: “Na sua inocência de criança, julgava que o Santo Padre podia fazer esta viagem como as outras pessoas”. (Memórias, I, I, 11)).
Afinal, veio nesse dia, e também no ano de 1991, e, pela terceira vez, no dia 13 de Maio de 2000, em que não só visitou os túmulos dos dois pastorinhos, mas também os beatificou.
P. LUCIANO CRISTINO
  
 
 

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