01 de abril, 2008

Discurso do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, na abertura dos trabalhos da 168ª Assembleia Plenária da CEP:
 
A Iniciação Cristã continua a ser prioridade  
Discurso do Presidente da CEP
na abertura dos trabalhos da 168ª Assembleia Plenária

 

Fátima, 31 de Março de 2008

 
           
            Com esta Assembleia Plenária encerramos um triénio durante o qual procuramos reflectir sobre a conjuntura que nos toca viver, consciencializando-nos da mudança cultural  a suscitar novas opções pastorais. A responsabilidade de transmitir a fé acompanhou-nos e o Santo Padre veio confirmar as nossas intenções aconselhando uma verificação da “eficácia dos percursos de iniciação actuais” e recordando que “a palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão”.
            Com o vasto programa, reservado para esta Assembleia, queremos intensificar a comunhão entre nós, como dom ao Santo Padre e expressá-la, particularmente, ao D. Joaquim Augusto da Silva Mendes, no início do seu ministério episcopal, ao D. José Francisco Sanches Alves e D. Amândio José Tomás pelos novos encargos que lhes foram confiados, como Arcebispo de Évora e Bispo Coadjutor de Vila Real. Não esquecemos os Bispos Eméritos e os doentes, assegurando-lhes que continuam presentes nas nossas orações. Aos cristãos das nossas Dioceses oferecemos, iniciando os nossos trabalhos, a alegria duma entrega incondicional à Boa Nova de Cristo. A todos os portugueses asseguramos uma partilha efectiva das suas alegrias e sofrimentos. Conscientes duma evolução da pobreza em Portugal e atentos às interpelações que a Escola e outras instâncias lançam à sociedade, reafirmamos o compromisso de ser peregrinos duma mesma viagem e colocamos o que temos e somos ao serviço do Bem Comum.
 
1. Apaixonar-se pela sociedade, relativizar o Estado
 
A caminhada eclesial pode e deve, na actualidade, confrontar-se com realidades estatísticas ou com resultados de sondagens. Fixar-se, porém, nesta atitude, levar-nos-ia a exultar, com os resultados positivos, em determinados sectores, ou a provocar sentimentos de culpa, por causa da pouca ousadia na acção evangelizadora ou por razões estranhas e atribuídas a factores exógenos.
Mais do que alvo de estatísticas – que servem sempre como alerta – teremos de situar-nos no “mistério” que a Igreja encerra. Vivemos numa contextualização peculiar, mas como Povo Peregrino nascido da Trindade e orientado para horizontes que nos transcendem.
Nesta convicção, que anima a nossa esperança, não poderemos ignorar a responsabilidade histórica de quem, na identificação com a realidade humana, assume a alegria de lutar pela edificação dum Reino, propondo um pensamento capaz de suscitar opções congruentes com a fé que professamos e queremos propor.
Mergulhados na actualidade, deparamos com um desafio inédito, que pode motivar-nos ou refugiar-nos em saudosismos. Para que a paixão e encanto, no momento presente, aconteça, há uma mentalidade a adquirir ou confirmar. A Igreja tem de viver em relação permanente e responsável com a Sociedade e relativizar o Estado que, sabemo-lo bem, pode proteger ou hostilizar e fazê-lo de um modo claro ou camuflado. Todos conhecemos o que deveríamos poder esperar duma autoridade legitimamente constituída: sublinhar a liberdade de culto e de consciência e ao mesmo tempo proporcionar todas as condições para que ela seja exercida em espírito de igualdade e tolerância.
Cristo enviou-nos para o mundo mas nunca prometeu que este nos compreenderia. A Igreja passou por momentos que parecem contraditórios, desde um cesaro-papismo nítido a uma teocracia clara, desde uma proposta de separação colaborante a um clima de hostilidade e perseguição. Hoje sentimo-nos no seio da sociedade e a responsabilidade de ser semente, que para dar vida morre, é o paradigma que nos acompanhará sempre. Advogando uma laicidade inclusiva não podemos aceitar ser excluídos dum processo de humanização integral. O Estado democrático não pode ser militantemente ateu e deixar de reconhecer, respeitar e procurar satisfazer a opção dos cidadãos a quem proporciona as condições necessárias para viver a sua religião, respeitando as outras crenças. Se isto acontecer, a missão de colocar o Evangelho nos meandros da sociedade será mais fácil; se não se der, resta-nos o caminho do serviço a todos e, preferencialmente, aos mais pobres.
 
2. Proposição serena e consciente do Evangelho
 
Cientes de que a Igreja “vem do alto”, é chegada a hora de apostarmos numa inteligência criativa capaz de propor razões credíveis para a fé que professamos.
Não temos uma doutrina rígida e monocórdica a transmitir. Há o amor a uma Pessoa que devemos colocar no coração da humanidade para, a partir desta experiência original, responder a questões existenciais, não nos contentando em insistir em códigos de vida alheios ao quotidiano e que, por isso, são ininteligíveis. Em diálogo persistente com a sociedade, teremos de ser capazes de mostrar que o catolicismo, como fenómeno religioso, não pertence apenas à história da humanidade mas orgulha-se do passado, vive apaixonadamente o presente e acredita num futuro marcado pelos valores que professa.
            Toca-nos demonstrar que o cristianismo não é um passado amargo e contraditório da felicidade humana mas encerra uma possibilidade infinita de promoção de vida em todas as suas dimensões. É uma herança a tornar fecunda[1].
            Urge passar da herança à proposição, da transmissão como dado estruturado à proposição inovadora, delineando uma pastoral de itinerância, que sai dos espaços habituais, entra na aventura do encontro com o quotidiano de todos (cristãos praticantes, indiferentes ou ateus) e oferece a arte dum viver comunitário como alternativo à convivência social que, perante a fragmentação e interesses, pessoais ou partidários, levará, mais cedo ou mais tarde, os nossos concidadãos a perguntar: “Mas quem é este homem de quem ouço tanto falar?” (Lc 9, 9).
 
3. O passado como fidelidade
 
Ao propor somos acompanhados pela riqueza histórica e perspectivamos novos caminhos. Aprendemos com o passado e interpretámo-lo como lição eloquente.
 
            3.1  Presença e intervenção
           
Nesta perspectiva a Igreja nunca poderá prescindir de dar o seu contributo à edificação dum país mais justo. A intervenção na vida social é estruturante do cristianismo. Só que parece imergir uma singular contradição. Por um lado, verificamos a tolerância como base duma sociedade pluralista onde todas as posições culturais, ideológicas, éticas devem ser consideradas legitimas e igualmente dignas de consideração; por outro lado, presenciamos uma incrível exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos quase que pretendendo refugiar-nos no simples âmbito privado.
            Estas atitudes são contrárias ao principio da liberdade, da simples tolerância  e duma efectiva democracia onde todos, na diversidade de pensamento, são chamados a participar na construção do bem comum. Os cristãos portugueses devem, por isso, manifestar que nunca abdicarão, em princípios e acções, dos seus direitos e das responsabilidades inerentes que derivam da simples cidadania[2]. Daí que os cristãos, como exigência da fé, devem acordar para uma maior responsabilidade sócio-política e, neste contexto de post-modernidade, afirmar a sua capacidade de intervenção, não tendo medo de congregar ideias, suscitar iniciativas e delinear uma cultura.[3]           
 
3.2  O Comunitário como paradigma
           
Iremos delinear um programa para recordar a implantação da República. Não nos preparando para celebrar um centenário, queremos evocar para reconhecer que os acontecimentos adversos suscitaram coerência e fidelidade. Importante foi o testemunho que  classifico de comunitário, ou seja, de interpretação conjunta duma resposta de todos e de cada um perante uma nova situação. Ninguém ignora as dificuldades que os Bispos Portugueses tiveram para redigir uma Carta Colectiva[4] e da aventura audaz que diversos sacerdotes atravessaram, indo contra as proibições, de a ler e de explicar aos seus fiéis.
            Também, hoje, teremos de “transbordar para os outros, a vida que Cristo faz irromper em nós” e entre nós, para que a Igreja não se distraia da sua verdadeira missão que “não deve falar primeiramente de si mesma, mas de Deus” (Discurso do Santo Padre em 10-11-07). Para isso necessitamos de descobrir o essencial cristão sintetizado por S. Paulo como “fé operante pelo amor” (Gal 5, 6). Não basta proclamar a existência de Deus. O grande desafio reside na coragem de O aceitar como um “Deus que fala”, que interpela, que intervém na história, o que exige capacidade de O ouvir, para construir uma rede duma solidariedade activa e interventiva. É esta Igreja onde acontece o Primado da Fé, como compromisso social, que resistirá ao mundo das rivalidades e dos conflitos, impondo-se não pela lógica dos comportamentos agressivos ou da ambição dos princípios mas pela diferença do amor por Cristo e a partir de Cristo[5].
           
            3.3  Ano Paulino como experiência de anúncio
 
O Ano Paulino, na autonomia e programação específica de cada Diocese, será um momento para consolidar um conjunto de dinamismos pastorais que proporcionarão um rosto renovado às nossas comunidades. Tudo deve partir do pôr em questão o processo evangelizador que estamos a protagonizar, regressando às fontes e mudando critérios e opções.
A figura de S. Paulo será sempre emblemática e aparece na história da cristandade como o apaixonado por uma Boa Nova que comunicou, fugindo aos esquemas que estavam a ganhar corpo e consistência. Tudo se inicia por um processo de reformulação doutrinal onde muitas “escamas” caíram para uma visão nova dos acontecimentos. Não despreza o judaísmo, orgulha-se dele mas rejubila pelo facto de poder dizer “ para mim viver é Cristo”.
A Igreja, como comunidade de crentes, tem de recuperar a alegria do anúncio centralizado em Cristo, e não em meros moralismos e tradições, e fazê-lo como acção de todo o povo de Deus, a acontecer dentro e fora da comunidade.[6]  S. Paulo ousou olhar “para fora” da Igreja que nascia. Hoje sabemos que a Igreja deve estar onde o humano acontece e daí que a arte, a literatura, a música, os diversos âmbitos da ciência, os desafios  do ambiente e da natureza são ou continuam a ser “areópagos” a usar.
 
4.  Conclusão
 
Neste contexto de mudança cultural, talvez não seja inadequado recordar que, a Exortação Apostólica Pos-Sinodal “Ecclesia in Europa” sobre “Jesus Cristo, vivo na Sua Igreja, fonte de esperança para a Europa” continua repleta de actualidade e orientações. A Europa é um velho continente e uma nova realidade. Oferece-nos novas potencialidades e coloca-nos novas questões. Aqui e agora, acompanham-nos as palavras de S. Pedro: “Não temais (…), nem vos deixeis perturbar. Mas venerai Cristo Senhor nos vossos corações e estai prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança” (1ª Pedro, 3, 14-15).
Nesta Assembleia Plenária que pretende abrir-se à continuidade, depois da Visita ad Limina que avaliaremos e para que o nosso anúncio seja “alegria” para a Europa, rezo, por mim e por todos, a Maria: “Aurora dum mundo novo, mostrai-Vos Mãe da esperança e velai por nós! Velai pela Igreja na Europa (e em Portugal), que ela seja transparência do Evangelho; seja autêntico espaço de comunhão; viva a sua missão de anunciar, celebrar e viver o Evangelho da esperança para a paz e a alegria de todos.” (Ecl. in Eur. 125).
 
 
Fátima, 31 de Março de 2008
 
 
+ Jorge Ortiga, Ar. Primaz e
Presidente da C.E.P.

[1] Os Bispos Franceses já em 1966 afirmavam: “Não podemos mais contentar-nos somente com uma herança por mais rica que ela seja. Temos de acolher o dom de Deus em condições novas e encontrar ao mesmo tempo o gesto inicial da evangelização: o da proposição simples e decidida do Evangelho de Cristo” (Conf. Epis. Franc. Cerf, Paris 1966).
[2] O Papa João Paulo II na Christifideles laici é muito claro: “os fiéis leigos não podem de modo nenhum abdicar da participação na “ politica”, ou seja, na múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (n. 42).
[3] Acordando desta apatia nunca nos resignaremos a uma simples declaração de princípios mas reconhecemos que urge uma preparação adequada para responder aos novos desafios que nos esperam. (“ A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela vida da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura de inteligência e da vontade às exigências do bem” Cf. nº 28 - Deus Caritas Est.)
[4] A Pastoral Colectiva do Episcopado Português, 24 de Dezembro de 1910, mostra que não havia motivo para atacar a Religião Católica professada pela maioria dos Portugueses. Mas, perante o conjunto de medidas de feição anti-católica decretadas pelo Governo depois da implantação do novo Regime, os Bispos enumeraram os prejuízos que delas poderiam advir para a Igreja e sociedade civil e deram aos cristãos os conselhos que consideraram mais oportunos e necessários.
[5] Um anónimo no longínquo século XIV referia: “Só a Igreja é a Bíblia que, hoje, a gente lê, ela é a última mensagem de Deus, escrita nos comportamentos e nas palavras dos seus membros”.
[6] “Missão primária e imediata (dos leigos) não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial – que é o papel específico dos pastores -, mas é o colocar em movimento todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes na realidade do mundo. O campo próprio da sua actividade é o mundo vasto e complicado da política (Conf. Evangelii Muntiandi, n. 70).
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