06 de junho, 2010
Dia 05 de manhã Jan Mikrut – A Igreja no contexto do martírio O professor Jan Mikrut, pelo seu trabalho e experiência na leccionação, deu testemunho dos documentos e investigações a que teve acesso na preparação do martiriológico da Igreja austríaca para o Jubileu do ano 2000, de tantos casos, de tantas pessoas, de tantos cristãos que deram testemunho do Senhor Jesus. Isso mostrou-lhe o século XX como o século mais violento da história. Ao longo da sua exposição foram sendo dados estatísticos que comprovam isto mesmo. Foram também referidos alguns pormenores da perversidade das torturas infligidas pelos comunistas, das atrocidades cometidas nos campos de concentração, da perseguição sistemática, da abrangência das perseguições comunistas para fora da Europa, expandindo a perseguição para outros continentes. A tragédia começa com o bolchevismo na Rússia, citada na Mensagem de Fátima. Em 1917, dos trezentos bispos ortodoxos na Rússia, duzentos e cinquenta foram fuzilados. Os gulags até 1953 assassinarão cerca de três milhões de pessoas, sendo este um número provisório. Estima-se hoje que a ideologia comunista tenha assassinado ao longo do século XX cerca de dezoito milhões de cristãos, constituindo este o maior holocausto da história. Por isso, foi apresentado o exemplo do católico México, lugar de refúgio de Trotsky, como exemplo das consequências nefastas do comunismo. O mesmo foi apresentado no exemplo da Espanha. Aí, os comunistas declararam guerra à sociedade católica. A guerra civil espanhola foi um conflito entre ideologias. A causa republicana teve no seu seio a influência dos comunistas suportada pela União Soviética. Para os revolucionários, o modo de vida dos católicos era suficiente para mandar matá-los. A lista dos santos e beatos da Igreja católica espanhola oferece uma longa lista de mártires nesta época. O balanço foi trágico. Entre 1936-1939 destruíram-se setenta por cento das Igrejas. A outra perseguição referida foi obviamente a de Adolph Hitler do seu nacional-socialismo. Depois de João Paulo II ter pedido em 1991 para que as comunidades recolhessem informação sobre os seus mártires, conseguiu-se recolher informação sobre 12690 novos mártires que assim foram registados nos novos martiriológicos. A maior parte, por razões objectivas, nunca será conhecida. Apresentou também o caso da Albânia, o primeiro país ateu no pós-guerra, e que juntamente com a Roménia, foram os países onde foi mais feroz a perseguição à Igreja Católica. O professor Mikrut distinguiu as tradições, porque no caso da Rússia a grande mártir foi a Igreja Ortodoxa, se bem que também tenham sido aniquilados padres e seminaristas católicos. Finalmente, apresentou dois casos: o do bispo austríaco na Roménia – António Dubrovici, e do padre Popielusko na Polónia, tornando-se líder do movimento Solidarnosc, e assassinado pelos comunistas polacos em 1984. Conclui-se este processo com a beatificação em Varsóvia a 06 de Junho de 2010. Assim, a história dos mártires do século XX é uma história verdadeiramente corajosa. Não se pode ver esta história sem comoção. É impressionante ler as cartas destas vidas e um verdadeiro sinal, uma verdadeira prova da santidade na Igreja, da Igreja que sofre e que a Jacinta vê sofrer. Painel 2 – entrega e testemunho O pe. Emanuel André reflectiu sobre a espiritualidade sacrificial a partir da doação, caminho de recepção. Apresentou o mortificar como o segredo da vida. O tema do sacrifício está no centro da mensagem de Fátima. Por isso, foi abordado o sacrifício como caminho de doação que deixa Deus ser Deus, deixa que Deus seja Deus. O pe. Emanuel apresentou a concepção moderna e actual hostil ao conceito e à ideia de sacrifício para a colocar em causa e integrar num horizonte maior. Para tal, foi útil a referência à tradição bíblica do sacrifício como dom. Esta foi a nota deixada sobre o sacrifício e que marca a espiritualidade – a doação a Deus. Isto é o sentido do sacrifício bíblico. O professor Borges de Pinho tratou a temática da eclesialidade do compromisso cristão em três partes. Partiu da fé como atitude pessoal na tensão com o seu enraizamento comunitário. Esta dimensão eclesial da fé aparece-nos como um dado constitutivo do viver crente, desde logo por uma história de salvação em que nos inserimos, porque nos inserimos num povo de Deus, porque alguém nos testemunhou a fé. Todos transportamos em conjunto esta realidade da fé. O professor Borges de Pinho perspectivou a eclesialidade do compromisso cristão também como uma co-responsabilidade. A maturidade da fé como progressiva inserção na Igreja surge aqui como caminho, como objectivo que constrói essa responsabilidade comum. Chamou a atenção para o facto de que este processo é uma tensão, é um processo com tensões. Isto exige compreender a vocação cristã como caminho de maturação pessoal na medida em que é integrado na vida da Igreja. A vocação cristã nunca é um caminho individual e solitário. A eclesialidade é um caminho de conhecimento e de reconhecimento do projecto de Deus. Isto implica um sentido eclesial, que se traduz, entre outras coisas, num amor à Igreja. Não se ama a Igreja refugiando numa visão idealista ou absolutizando as dimensões institucionais da Igreja, esquecendo a reserva escatológica que a Igreja vive na distância constante entre o ideal e o real. Em quatro pontos, sintetizou a concretização desta existência eclesial em comunhão: a) o compromisso cristão e a concreta realidade eclesial. Neste tópico, o conferencista começou por evocar uma atitude profundamente espiritual: a vocação da fé do sujeito a ser sujeito diante de Deus e da Igreja. Sublinhou a importância crucial das estruturas de participação e de diálogo existente na Igreja. Isto não acontece sem dimensão sinodal, sem mediações concretas, sem pastoral partilhada. O sentido eclesial passa pela prática eclesial; b) O carácter representativo da existência cristã e a comunhão dos santos; este é um nível mais profundo, porque parte da consciência da eleição, enquanto dado estruturante da existência cristã. Na base da fé está sempre uma chamada e um dom de Deus. A nossa existência é uma pró-existência representativa em favor dos outros. Acreditamos com outros e por, e para outros; c) atitude missionária do compromisso cristão: em termos individuais, esta consciência exprime-se numa atitude missionária. O professor Borges de Pinho considera que esta representatividade marca de modo singular a vida da beata Jacinta dando a sua vida à Igreja e ao mundo; d) a comunhão dos santos no compromisso cristão: este horizonte de pró-existência ultrapassa à luz da fé o próprio acontecimento da morte. Neste enquadramento, a oração com Maria e com os santos é entrar numa relação que a morte não pode acabar. Por isso, a eclesialidade do compromisso cristão no mundo apresenta diversos níveis de presença cristã no mundo conforme as modalidades vocacionais. Nestes níveis, foram evocadas as dimensões da catolicidade (o cristão quando age representa a Igreja), a unidade (unido ao mesmo e único Espírito que proporciona individualmente a fé e a fé de toda a Igreja, unidade que também emerge da riqueza do ministério petrino, consciência que é muito forte). O doutor Vítor Coutinho abordou as implicações éticas da compaixão, tentando questionar o conceito de compaixão, conceito orientador da vida da Jacinta e do congresso. A Jacinta age por compaixão é algo em si moralmente bom. Será que é mesmo? Do ponto de vista não é algo dado por adquirido. O que queremos dizer que por compaixão podemos cometer todas as crueldades humanas. Que compaixão nos interessa? Uma compaixão que nos leve a um contacto com o sofrimento. A sociedade de hoje reage perante o sofrimento por uma mediatização constante da dor e da tragédia. As imagens do sofrimento não são por si mesmas geradoras de compaixão. Podem gerar apelos à vingança ou apelos à paz. A mediatização não é garantia de maior sensibilidade ao sofrimento. A exposição das vítimas, invasão despudorada do drama de pessoas tem múltiplos efeitos na forma como valorizamos o sofrimento. Pode gerar insignificância humilhante no sofrimento dos indivíduos afectados. Pode banalizar o sofrimento e do mal, devido à leveza com que são tratadas. Isto significa a instrumentalização das pessoas, em que as pessoas são usadas quase como figurantes de uma história em que não conseguem ser protagonistas. É uma expropriação do sujeito. Perante o sofrimento do outro impõe-se uma distância necessária. O conferencista chamou a atenção para o risco enorme do distanciamento de quem vê o sofrimento do outro. Ou seja, não basta ver o mal. É preciso estar perante o sofredor. Nem sempre as visões dos infernos nos levam a uma vontade de os reparar. Às vezes ver o sofrimento pode ser um alheamento. Levar a sério o sofrimento supõe reconhecer a alteridade do outro, respeitá-lo. Sendo assim, Vítor Coutinho chamou a atenção para uma compaixão entendida como expressão de uma atitude existencial e não um sentimento. Isto exige alguma possibilidade de empatia com o outro. Para exemplificar isto mesmo, Vítor Coutinho citou Etty Hillesum quando afirmava nos campos de concentração que quis ajudar Deus e que somos nós que o ajudamos a Ele. Vítor Coutinho distanciou-se da ética formal. Por isso, do ponto de vista moral e teológico, o fundamento da ética não está no saber. Daqui decorrem algumas concretizações da ética: a) Ética centrada no sujeito, na pessoa que age. Uma ética da compaixão leva a considerar não apenas o princípio rigoroso, mas a implicação do sujeito nos actos que realiza. Não chega uma ética formal, mas uma ética verdadeiramente preocupada com as próprias motivações da pessoa; b) O reconhecimento do outro real é uma outra concretização; c) O testemunho de uma Igreja compassiva, de uma Igreja junto das dores do seu povo. A Igreja terá de ser cuidadora dos mais pobres e frágeis, tornando-se uma comunidade acolhedora. Vítor Coutinho começou como começou. Jacinta mostra uma grande sensibilidade, não apenas uma emoção sensorial ou emotiva às imagens fortes que encontrava. Não tinha qualquer curiosidade mórbida. Queria conhecer o mal. O coração compassivo da Jacinta é a experiência às aparições. Neste sentido, Fátima revelou-se como abrigo dos que buscam a compaixão de Deus. Dia 05 de tarde Peter Gumpel – a teologia do sofrimento O jesuíta Peter Gumpel começou por elencar os momentos mais comuns que causam sofrimento. Na introdução da sua conferência apresentou um caso comum em que o sofrimento põe em causa a existência de Deus. Peter Gumpel aponta alguns princípios fundamentais para fazer a teologia, o primeiro dos quais proceder segundo o nosso pensar e transferi-lo a Deus, como se o seu modo de agir e reagir fosse igual ao nosso. Parte da revelação e da fé. Apresentou o caso de Adão para explicar como Deus não criou o sofrimento, criou com puro amor. Então, a teologia do sofrimento é explicada a partir da teologia do amor divino. Todo o amor dado de Deus a alguém contém o convite a uma resposta. Por isso, Deus deu a Adão a capacidade de aceitar e obedecer a este amor. Mas advertiu que é incorrecto aqui apresentar um Deus que corre o risco da doação da liberdade a Adão. Deus é eterno, Deus está na eternidade. Não existe tempo em Deus. Quando cria Adão sabia que Adão pecaria, mas mesmo assim cria-o. Poderia criar sem dar a liberdade? Não faz sentido esta pergunta. Logo não se pode perguntar se Deus poderia criar de outra maneira. Peter Gumpel aponta partir apenas da revelação que nos diz que Ele é bom. Peter Gumpel apontou um outro problema: as opções más da liberdade atingem não apenas Adão mas todos nós. Nascemos todos com o pecado original. Daí coloca a segunda questão: o que é que aconteceu depois do pecado de Adão? Deus interveio. Recuperou a clássica teologia dos méritos de Cristo. Ninguém pode acrescentar algo aos méritos de Cristo, recordou, mas Cristo pode continuar a redimir em nós. Finalmente, reflectiu sobre o negativo e o positivo do sofrimento, para que não surja apenas como algo negativo. Na fé é possível encontrar algo de positivo. Jacinta não amava o sofrimento, mas aceitou o sofrimento para mais amar a Deus e Jesus. Painel 3: Espiritualidade da reparação Sendo a reparação um conceito fundamental para a compreensão da Mensagem de Fátima e da espiritualidade da Jacinta Marto, o Congresso reflectiu sobre o significado da reparação, a partir de três diferentes perspectivas: 1) Deus sofre? 2) a compreensão teológica da reparação; 3) formas de reparação. Quanto à interrogação sobre o sofrimento de Deus, partiu-se da constatação que para a vidente Jacinta a resposta era positiva: Deus sofre, é ofendido e ultrajado. Procurou-se, pois, na linguagem bíblica a resposta para tal questão. A linguagem do Antigo Testamento, concreta e avessa a conceitos abstractos, com claras marcas de antropomorfismo, afirma explicitamente o sofrimento de Deus, que não é indiferente ao sofrimento do seu povo nem permanece impassível na relação com o homem. O esforço de tradução desta linguagem veterotestamentária num outro ambiente cultural, o da cultura helénica, obriga a interpretar a linguagem bíblica e a distinguir a sofrimento de Deus do padecimento do Filho de Deus. Deus não padece, mas sofre. Deus é impassível e imutável: impassível, pois a sua “empatia” para connosco não se altera; e imutável no seu amor para connosco. A resposta à questão do sofrimento de Deus era condição sine qua non para uma compreensão teológica da reparação, núcleo fundamental da Mensagem de Fátima. A reparação, tal como foi vivida pelos Pastorinhos, compreende-se sempre como correspondência ao amor de Deus. O conceito teológico de reparação tem sempre primeiramente Deus como sujeito e protagonista. Porém, a reflexão eclesial foi precisando progressivamente a participação humana nessa acção divina, abrindo caminho a uma espiritualidade da reparação como correspondência ao puro amor com que Deus nos ama. Desta mística do puro amor dão testemunho os videntes de Fátima no amor pelos pecadores, a quem procuravam converter; no amor ao Santo Padre; e na adoração e consolação de Deus. O Congresso procurou ainda aprofundar as formas que pode assumir esta reparação, além daquelas já exemplificadas anteriormente, na própria vivência e testemunho dos Pastorinhos. No Antigo Testamento, só Deus é sujeito da reparação: só Ele expia os pecados, só Ele renova, transforma, restabelece, repara. Com a Encarnação, Jesus Cristo torna-se, Ele próprio, a forma da reparação. Nele participamos do amor de Deus, que nos amou primeiro. Toda a reparação encontra o seu fundamento nesse amor e é sempre participação nele. Numa espiritualidade da reparação, é sempre o amor que é decisivo. Se historicamente a espiritualidade da reparação parece associada ao sofrimento, não é este que a define ou determina: não é o sofrimento que salva, mas o amor. E é este amor, nas diversas formas que assume, que fundamenta a espiritualidade da reparação. José Carlos Carvalho e Carlos Cabecinhas |