05 de junho, 2010

Jacinta Marto: do encontro à compaixão
Congresso
Dia 04 de manhã
O congresso foi pensado a partir da categoria central da “compaixão”. Inicialmente foram desejados quatro grandes contributos do congresso: a promoção de uma sabedoria à semelhança da rica inocência espiritual das crianças, a revisitação de um Deus que não é apático nem indiferente à condição humana, mas que sabe sofrer connosco, o aprofundamento da figura de Maria como ícone da compaixão de Deus, e uma crítica a muita cultura sem compaixão a partir precisamente da espiritualidade da compaixão. Isto supunha à partida conceber a compaixão não como algo abstracto, mas como profundamente existencial e concreto. 
A santidade e a espiritualidade da beata Jacinta Marto: vida acolhida, vida dada (Pe. Molinari).
Jacinta atingiu uma maturidade tal que lhe permitia ter a consciência que a vida lhe foi dada por Deus por amor. Para nós cristãos é claro que cada um é dotado de corpo e alma, membro do corpo de Cristo que é a Igreja. A psicologia experimental diz-nos que uma criança atinge o uso da razão por volta dos 7 anos. Começa a perguntar, a reagir à violência, e a verificar o que é justo e bom. Começa a distinguir o que é bom do que não é. Mas o pecado sobretudo impede de reconhecer Deus.
Mas será que a Igreja se exprimiu explicitamente neste sentido? A resposta é positiva. Em 8 de Agosto de 1910, S. Pio X tomou uma iniciativa relevante fazendo publicar o decreto sobre a idade para comungarem as crianças acedendo à primeira comunhão. Quais os efeitos disto para a vidente Jacinta Marto? Ela também era obrigada, segundo este decreto, a confessar-se antes de comungar. De facto, a Igreja reconhece que as idades nesta idade são capazes de conduzir uma vida moral, fazendo o bem e evitando o mal.
Mas o decreto de Pio X não é novo a este respeito, não é uma inovação. Já vem do Lateranense IV em 1215 e renovada em Trento. Isto foi descuidado na Igreja devido à influência nefasta do jansenismo que com o seu rigorismo atrasava a confissão para a adolescência.
O pe. Molinari salientou as dádivas da graça do baptismo, sobretudo a docilidade ao Espírito e a capacidade de respiração do desejo de Deus. Neste sentido, Jacinta enquanto baptizada traz desde o baptismo esse dom, essa capacidade.
Partiu o conferencista da questão: será que a espiritualidade de uma criança é sempre a de uma criança ou se o leva a viver uma vida diferente de uma criança? Uma criança como Jacinta, igual a todas as criaturas afectadas pelo pecado original, poderia agir de tal maneira a viver uma vida cristiforme? Podia conseguir essa intensidade que vem denominada de heroísmo? O pe. Molinari serviu-se de Bento XIV, papa Lambertini, que admite a possibilidade de virtudes heróicas em idade jovem, mas recusa responder se alguém mais jovem o pode. Garrigou-Lagrange responderam de modo positivo a propósito dos três adolescentes. Pio XII também o fez aceitando a perfeição que até as crianças podem atingir. Sabia que a idade corporal não prejudica a alma, a qual pode conseguir a perfeição da idade espiritual. As dúvidas foram solucionadas com a fama de santidade. Começaram as peregrinações aos túmulos dos videntes. A Igreja reconhece neste fenómeno a mão de Deus. Assim se iniciou a causa de beatificação dos videntes com o processo informativo em 1952.
O reconhecimento da fama de santidade dos Pastorinhos foi muito incrementado com a voluminosa quantidade de cartas dirigidas ao Papa nesse sentido. O cardeal Palazzini solicitou ao Pe. Gumpel a justificação teológica e pastoral desse pedido.
Depois disto, o Pe. Molinari recordou o cardeal Palazzini na resposta à pergunta sobre a maturidade espiritual das crianças, sobretudo no que toca à heroicidade das virtudes. A santidade não consiste em coisas extraordinárias mas na vivência comum das coisas extraordinárias.
O Pe. Molinari serviu-se das Memórias da Irmã Lúcia para descrever a espiritualidade da Jacinta assente nos desígnios de misericórdia de Deus, na grandeza de Deus, a prostração por terra nas aparições do anjo na primavera de 1916, no amor ao Santo Padre, na aceitação dos sofrimentos em espírito de reparação pelos pecadores, na marca da aparição de Julho. Foi esta visão que impressionou muito Jacinta, com a visão do inferno e a terceira parte do segredo. Tudo isto foi acolhido pela Jacinta com uma grandeza de alma, levando-a a viver com extraordinária fidelidade os desígnios do Senhor. Jacinta quis fazer tudo o que podia para impedir que Deus fosse entristecido. Jacinta viveu intensamente o amor a Deus, participando no amor de Deus pelos pecadores. Jacinta nunca se lamentou na doença, mas louvou e ofereceu a sua vida. Jacinta sabia intuitivamente que Deus lhe deu a vida por amor, que recebeu a vida por amor e que por amor redeu a sua vida inocente.
 Dia 04 de tarde
João Duque: encontrar-se na compaixão
O conferencista definiu a compaixão a partir do título do congresso nas as categorias reais do encontro e da paixão. Começou por recordar a paixão comummente entendida na ordem do sentir. A criança sente a realidade sentindo-se nessa realidade. A paixão situa-nos a este nível do sentir no âmbito dos afectos, enquanto afectado por algo. Sentimos uma paixão sendo afectados por algo. No quotidiano é usada a paixão como paixoneta ou como sofrimento, paixão como amor e como ser afecto pelo sofrimento. Não se trata necessariamente de oposições. O termo paixão em si é ambíguo.
João Duque começou por ver as dimensões, os rostos da paixão. O ponto de partida é o de que em grande parte a condição humana é definida pelas ambiguidades da paixão. Como humanos sentimo-nos a viver entre o sofrimento e a felicidade, entre o pecado e a graça. Num nível mais existencial-metafísico vivemos entre a angústia da finitude e a infinitude. O modo como a vivemos é o modo passional. Teologicamente vivemos entre o pecado e a salvação. Ora, algumas leituras pessimistas da paixão são leituras parcelares da paixão. A leitura de Schoppenhauer desenvolve uma filosofia pessimista da paixão. Para ele, a nossa existência é negativa devido à paixão que nos habita, provocada pela finitude. É uma paixão condenatória. Definindo o ser humano como finito e ser de vontade, isto provoca sofrimento porque desejamos a perfeição e a infinitude mas não o alcançamos. Este sofrimento é provocado pelo próprio desejo, pela impossibilidade de realização deste desejo. A compaixão era então a pertença a esta condição comum a todos. Serve de resignação a quem se compadece. Apenas assume e se conforma com a sua condição. Esta é uma condição metafísica e abstracta. Logo, todos somos sofredores. O compassivo compadece-se do género humano só, não do outro sofredor concreto. Assim, acaba por se compadecer em concreto de si mesmo como membro da humanidade sofredora. Estamos condenados a sofrer, todos.
Em Freud a questão da salvação na paixão é um tema central. Para ele, a pulsão é mortal, porque dela resulta a supressão do outro, a supressão do sofrimento. A pulsão criadora está orientada para um infinito. Freud interpreta o “eros” em sentido salvífico, mas relativamente à condição humana é pessimista. Segundo ele, o eros deseja vencer a morte. Só que para ele isso não é possível ao nível humano. Segundo Freud, as fontes da condenação ao sofrimento são o corpo, a relação ao mundo e a relação aos outros. Os outros são para nós ocasião de sofrimento. Então, diz ele, há que compensar com distracções, as substituições, ou com os narcóticos para não nos deixarem sentir. No entanto, o discurso tem que ir muito mais longe, aos caminhos dos efeitos da paixão. Já não se trata de interpretar a ligação da paixão à condição humana. Trata-se de encontrar agora caminhos para lidar com os caminhos dos efeitos da paixão.
João Duque apresentou dois modos de lidar da paixão: fuga para que vivamos como se o sofrimento não existisse, ou a desistência do sofrimento. Schoppenhauer prefere a resignação, Freud prefere a fuga. Se pressuponho que o sofrimento resulta da nossa representação do mundo, a solução está na alteração desse desejo através de compensações. Desse modo, a compaixão torna-se impossível e indesejável, porque todo o compadecer-se é sofrer. E como o sofrimento dos outros é tido como representação nossa, a solução é eliminar essa representação. Então entra-se pela apatia. Assim, João Duque lê o mal estar actual na sociedade e na cultura devido à abundância de estratégias para liquidar qualquer paixão. Este sintoma da cultura é uma leitura simplista e narcisita do sofrimento, da paixão. O modo mais simples de lidar com o sofrimento é o modo de restringi-lo à nossa condição, ao ponto de considerar o sofrimento não apenas como mal menor mas considerando-nos como ser para a morte, resignando-nos ao amor fati, ao facto.
João Duque referiu a tradição budista como estratégia para superar o sofrimento como pura rendição ao que acontece, logo anestesiante. Ora, para a tradição bíblica um dos elementos fundamentais é precisamente a condenação de todas as estratégias analgésicas. Todas as tentativas de iludir o sofrimento são anestesias e fugas. Para o estoicismo a paixão perturbava a ordem e harmonia natural alheia a perturbações externas, concentrando-se no cuidado de si. Esta ideia da razão a dominar as paixões também entrou na pregação, infelizmente. Mas no cristianismo o fundamental está no porquê do sofrimento. O problema da paixão não está na afectação, mas no facto de poder perverter-se em fixação passional do indivíduo em si mesmo. A relação ao outro é o que confere grandeza salvífica à paixão. Isso faz com que a aceitação cristã dos nossos limites não seja pura resignação, mas um saber-se e sentir-se a caminho da superação desse sofrimento. A finitude das paixões é modo positivo da condição humana que a impele para o seu futuro.
Neste contexto, João Duque alertou para o facto de que a compreensão bíblica da salvação pela paixão e na paixão não é o eros de desejo do infinito, mas o dinamismo do encontro, sendo esta a marca distintiva da fé cristã. Porque a salvação dada na paixão é uma dádiva aos humanos, e não uma conquista erótica do desejo dos humanos. Por isso é fundamental compreender a paixão pelo outro. A paixão pelo outro pode significar desejo do outro, eros para os outros. O modo mais perfeito na perspectiva cristã é a benevolência. O nosso desejo não quer possuir o outro, mas quer o bem do outro. Mas a paixão pelo outro pode significar mais. Se dermos ao termo paixão o sentido do sofrimento, a paixão pelo outro implica uma básica solidariedade no sofrimento. Esse é o sentido habitual de simpatia ou da com-paixao. Aí não estamos na mera atracção erótica pelo outro, mas numa relação assumida pelo afecto, pelo sentimento do outro. Dessa afectação passional pode resultar a explícita opção ética de sofrer pelo outro, em responsabilidade por esse sofrimento. O sofrimento do outro tem sempre que ver comigo, mesmo no sentido da culpa, pois somos solidariamente culpado pelo mal que os humanos fazem aos outros. Sentimo-nos também responsáveis pela superação desse sofrimento, seja também no modo da esperança.
A tradição judaica cristã traduziu isto com a substituição. João Duque aludiu o exemplo dos sobreviventes do Holocausto como paradigmática daqueles que se sentiram culpados também por terem sobrevivido. O modo mais natural de assumir o sofrimento é assumir o lugar do outro. Nesse sentido, a paixão pelo outro transforma-se em sofrimento pelo outro. É neste modo extremo que se constrói a identidade do ser humano, porque o colocar-se no lugar do outro é sem dúvida o lugar da identidade de si. É o modo mais profundo de encontro entre mim e o outro.
Contudo a primazia do outro na relação passional não anula a consciência da identidade. Max Scheller considera que a paixão nos faz sentir com os outros. É na medida em que nos sentimos com o outro que cada um encontra-se a si mesmo através da paixão. Nós somos aquilo que padecemos, aquilo que nos vai acontecendo. Há então simultaneidade entre o encontro consigo e com o outro. João Duque citou Pannenberg para mostrar os afectos e as paixões como ponte e fonte de alegria, e não entendidas na sua relação ao mundo como factor de isolamento. As paixões e os afectos são assim fonte de salvação.
De seguida, foi equacionada a relação entre salvação e compaixão. João Duque criticou uma felicidade alegre como novo analgésico na cultura actual. Por aí vão algumas pastorais do consolo ou espiritualidades do consumo. Não é o nosso consolo mútuo que nos salvará (ao contrário do que dizia Aristóteles). Só um futuro escatológico de Deus nos salvará. A eficácia salvífica verdadeira é a eficácia da paixão de Cristo. Só tornando presente, fazendo memória dessa paixão será possível encontrar um motivo verdadeiro de esperança. Essa memória transforma-se em força performativa, concretizando essa paixão. Foi apontado Metz por apresentar a compaixão como categoria universal. Esta é uma reacção à modernidade que reduz a salvação a uma questão racional. A modernidade resolveu o problema do sofrimento afastando-o. A proposta de Metz reage à pós-modernidade que de modo nihilista relativiza tudo. Metz defende a autoridade absoluta do sofrimento do inocente como instância contra muitas leituras actuais que não lêem o real, que não fazem justiça. O sofrimento inocente do outro é o valor que mede todo o saber e todo o sentir. Por tal, é possível fazer hoje afirmações universais. A última palavra cabe à salvação definitiva da vítima que nos é dado esperar vir a ser salva. Assim sendo, estabelece-se uma relação entre a compaixão e a salvação a partir do caminho de compaixão que é o caminho pelo qual vamos ao encontro com o outro.
Dia 04 à tarde – painel sobre a “compaixão como encontro” 
Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome, apresentou a pequena Jacinta como exemplo de solidariedade. Isabel Jonet prefere o conceito de “caridade” ao de “solidariedade”. Apresentou como compaixão primeira a supressão da necessidade básica de alimentação. Abordou o direito à alimentação por abarcar todos os domínios da vida do homem. Existem obstáculos políticos, financeiros e físicos (meios de comunicação ou canais de distribuição) à realização deste direito fundamental. Foi recordado que vinte por cento da população portuguesa é pobre, 200000 pessoas só têm uma refeição por dia, e outros milhares não têm sequer uma.
A Irmã Ângela Coelho apresentou a pequena Jacinta como modelo de compaixão e de cuidado, porque ela foi de uma paciência heróica. Mesmo na doença reconheceu o sentido que tinha dado à sua vida. Apresentou o dado estatístico do aumento exponencial de mortes nos hospitais portugueses nos últimos vinte anos. Jacinta fez esta experiência da solidão na doença. A Irmã Ângela chamou a atenção para o leque alargado do significado de sofrimento no caso da doença. O sofrimento não é só o da dor, mas tem muitos aspectos que não são atingidos pela técnica médica. A Irmã Ângela apresentou o cuidado como imitação do Jesus que cuida e como concretização da compaixão. Este cuidado aplicado aos doentes obriga à humanização dos cuidados de saúde. Foram reconhecidos quatro elementos para ajudar nos cuidados de saúde: a atenção (estar com o doente), o reconhecimento (reconhecer que o doente pelo facto de o ser continua a ser pessoa), o afecto (o calor humano) e a aceitação (ajudar o doente a encarar a própria doença). Finalmente, pela sua vivência, a pequena Jacinta foi evocada como modelo para os doentes e para os profissionais de saúde.
O professor Manuel Freitas Gomes abordou o lugar da compaixão na educação. Alertou para o facto de a compaixão estar na psiquiatria conotada com o patético e o patológico. Apresentou problemas hoje na educação: violência, demissão da família, drogas, promiscuidade sexual, etc. Avisou que educar supõe estar com. Educar não é uma técnica, é essencial na educação a relação humana, e nesse sentido trata-se de um acontecimento de compaixão. O grande projecto educacional é amar a diferença. O processo educativo consiste em levar a pessoa a atribuir a si mesmo a responsabilidade pelo que fazem. Alertou para a necessidade da existência de modelos no processo educativo.
José Carlos Carvalho
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