10 de outubro, 2007

O chamado “ciclo angélico” é constituído pelas aparições do anjo em 1916 na Loca do Cabeço. Foi revisitado na pertinência pedagógica da sua mensagem nas três aparições aos Pastorinhos. Foram relevados três grandes momentos dessas aparições angélicas: o momento da manifestação em si, o apelo à conversão e o apelo à comunhão com Deus.
A própria manifestação da aparição angélica constitui para os Pastorinhos o início de uma vida interior nova, de uma nova espiritualidade e duma nova intimidade com Deus. A conhecida oração pela conversão dos pecadores “Senhor eu creio, adoro-Vos, espero-Vos e amo-Vos, peço-Vos perdão pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam” imprime um carácter trinitário. Nesta oração aparece o Deus trinitário crido como Deus teologal enquanto Deus da fé (creio), como Deus da Promessa (espero), como Deus da glória (adoro-Vos) e como Deus Amor (amo-Vos). A fé neste Deus vai então traduzir-se na adoração reparadora pela remissão dos pecadores enquanto memória do sacrifício e participação da obra redentora de Cristo. É pedido aos Pastorinhos o sacrifício pela conversão dos pecadoras.
Foi salientado como o primeiro sacrifício pedido aos Pastorinhos foi a oblação das suas próprias vidas. A adoração reparadora foi mostrada não como algo contra a natureza humana ou como algo ineficaz, mas como precisamente a concentração máxima das forças e da condição humana.
A segunda parte das aparições angélicas evidencia o apelo à conversão pelos pecadores e pela santificação dos homens. Este apelo foi mostrado na continuidade da dinâmica teologal do Cordeiro que manifesta a acção pedagógica do próprio Deus enquanto traduz humanamente aquilo que é possível ser feito pela redenção da humanidade na condição de participantes da obra redentora de Cristo. O desejo ardente para dar aos outros a salvação do evangelho é uma acção pedagógica fruto da própria acção de solidariedade entre Deus e os homens e dos homens entre si.
A terceira parte das aparições angélicas são um forte apelo à comunhão com Deus, o que pedagogicamente envolve o ser humano no próprio processo de participação na acção redentora de Cristo.
Depois do ciclo angélico foi revisitado o segundo bloco da mensagem de Fátima no chamado “ciclo das aparições”. Foi revisitado como sendo substancialmente uma narrativa segundo o modelo da visitação, à luz da visitação de Nossa Senhora a sua prima Isabel. As aparições continuam esta visitação e a prática da própria acção contínua de Deus em visitar o seu povo. Nesta continuidade foi salientada a autenticidade do testemunho da Irmã Lúcia em cujos sinais e conteúdo essa visitação é atestada.
A mensagem de Fátima foi resumida em dois grandes conceitos: oração e conversão, o que faz da mensagem de Fátima a continuidade da actualização da profecia, o mesmo é dizer, a continuidade do próprio evangelho. Neste sentido, não traz nada de novo. Se trouxesse seria uma apócrifo do séc.XX. A importância da mensagem de Fátima consiste em salientar dois pontos importantes da própria mensagem evangélica: a penitência e a necessidade de conversão.
No que à mensagem sobre a oração diz respeito, a mensagem de Fátima mostra como a oração é um espaço primordial para o encontro com Deus. Nossa Senhora reza e manifesta-se a rezar, em clima de oração. Pede para que se reze o Rosário. Foi justificada esta oração pela sua simplicidade. De facto, a questão foi colocada: porquê a oração do Terço? Por ser mais acessível para todos.
Quanto ao convite à conversão, ela foi apresentada a partir dos seus propósitos, sobretudo como denúncia do pecado do mundo. Rezar pela conversão própria e do mundo faz parte da própria ascese. Não existe experiência mística sem ascese. Então rezar pela conversão visa e consegue, à luz da teologia do corpo místico de Cristo, melhorar todo o corpo melhorando um membro do corpo. Elevando um membro é elevado todo o corpo.
Foi depois revisitado todo o ciclo cordimariano da mensagem de Fátima, revisitando todas as referências ao Coração ao longo de toda a mensagem, desde as aparições do anjo até às aparições em Tuy em 1929.
Foi explorada a simbólica do coração como património comum da humanidade ao longo da história e da espiritualidade. Esta simbólica tem já raízes na Idade Média. São Francisco de Sales fez do coração de Maria o lugar de encontro do Espírito Santo, e S. João Eudes foi o apóstolo do coração de Maria fundando várias congregações ligadas ou referidas aos corações de Jesus e de Maria. Mas foi notado como o adjectivo “Imaculado” a seguir ao coração de Maria é uma referência relativamente recente.
Foi notado como na mensagem de Fátima o coração de Maria começa por surgir ao lado do coração de Cristo até ficar isolado nas revelações em Pontevedra e em Tuy.
O coração de Maria adquire uma relevância simbólica e teológica enquanto chave de leitura da própria imagem de Deus na mensagem de Fátima. Este coração vai ao longo da mensagem de Fátima sendo percebido com um símbolo de Deus. Daí a aproximação que foi feita ao livro e à simbologia do Apocalipse, com afinidades evidentes com a mensagem de Fátima. Na mensagem, o coração de Maria e o Apocalipse vão-se transformando gradualmente em missão a partir das visões. Fátima foi então lida como símbolo de uma teologia apocalíptica do coração, para a partir daí repensar a imagem de Deus que a fé professa bem como a acção e proposta do santuário para o mundo contemporâneo.
No primeiro momento, foram exploradas as referências ao Coração de Maria nas aparições do anjo em 1916. Essas referências são graduais. Foram citadas as referências mais significativas: a primeira com a promessa aos Pastorinhos que “os corações de Jesus e de Maria estão atentos à voz das vossas súplicas”; a segunda o pedido para rezar muito, “orai muito, os Santíssimos corações de Jesus e de Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia”. Por isso, a simbologia do coração não se limita a permitir olhar para Nossa Senhora apenas como alguém a quem escutar, mas tem igualmente consignado um projecto, apresenta um plano; a terceira citação exorta à súplica pedindo aos Pastorinhos que supliquem pela intercessão dos pecadores graças aos méritos do coração de Jesus e do coração de Maria.
Foi depois revisitada a simbologia do coração nas aparições de 1917. Nesse processo, a referência ao coração imaculado de Maria surge de modo implícito na primeira aparição. Implícita, porque é apenas um reflexo que chega ao fundo da alma dos próprios videntes e a partir de onde começa a ser pressentido. Enquanto tal, o Coração de Maria revela-se na segunda aparição em 13-06-1917. Aí Nossa Senhora mostra-lhes o Coração rodeado de espinhos. Na terceira aparição de 13-07-1917 o Coração surge como alvo dos pecados e dos ultrajes da humanidade. E assim, o Coração de Maria surge integrado no todo da mensagem de Fátima nas suas três partes essenciais do segredo composto pela ligação ao inferno na primeira parte, pela forma como é apresentado como meio para escapar desse inferno (na segunda parte do segredo), e finalmente como espaço de misericórdia que acolhe a multidão dos mártires (na terceira parte). Por tudo isto, Nossa Senhora pediu a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração. Nas aparições de Pontevedra de 10-12-1925 e de Tuy em 13-06-1929, a Irmã Lúcia descreve o mesmo Coração cercado de espinhos mas também como símbolo da graça e da misericórdia. Estas são as notas que são deixadas como mensagem mais importante e final de toda a mensagem. A colocação do Imaculado Coração de Maria ao lado do sol dá então em Fátima uma mensagem materna de Deus, da qual o sol é o símbolo maior.
Por último, foi ensaiada uma leitura apocalíptica da mensagem do coração Imaculado de Maria, dadas as semelhanças entre a simbologia do Apocalipse e a simbologia das aparições. Ainda que não tenha sido muito desenvolvida, esta leitura em clave apocalíptica permite mostrar Maria como o rosto materno de Deus enquanto símbolo da própria misericórdia divina. Deus manifesta-se assim como coração, como coração materno. Neste sentido, o símbolo do Imaculado Coração de Maria pode ser apresentado e lido como o melhor símbolo para falarmos de Deus. O coração de Deus é experimentado no símbolo do coração. O coração é Deus. Deus sendo coração então pode deixar a certeza da promessa de que “o meu coração triunfará”.
Da parte da tarde foram apresentados os momentos e personagens mais marcantes que ajudaram a difundir e expandir a mensagem de Fátima. Tal aconteceu também devido ao próprio dinamismo da mensagem, a qual levou vários actores e intervenientes a querer difundir a mensagem das aparições. Foram ressaltados sobretudo três momentos marcantes na difusão e conhecimento das aparições: a carta episcopal de 1930 que oficialmente reconhece a credibilidade das aparições e deixa celebrar a eucaristia na Cova da Iria; a primeira consagração mundial a Nossa Senhora em 13-05-1931; e a trasladação dos restos mortais da vidente Jacinta em 1935, pois abriu a redacção das Memórias por parte da Irmã Lúcia.
Finalmente, foram referidos alguns promotores e divulgadores da mensagem de Fátima ao longo destes noventa anos: Pe. Joaquim Maria Alonso (investigador de mariologia e dos primeiros que se ocuparam com a mensagem de Fátima), Pe. José Fernandes (fundador da rádio de Fátima), Pe. Fernando Leite, Dr. Sebastião Martins dos Reis, Ir. Maria José Martins, Pe. António Maria Martins, Pe. Messias Dias Coelho (fundador do jornal “Mensagem de Fátima”), Pe. José Geraldes Pereira, o Pe. Luis Kondor (vice-postulador da causa dos Pastorinhos). Não deixou de se evocar a memória dos bispos e reitores que ao longo destes anos ajudaram a cimentar a credibilidade dos acontecimentos da Cova da Iria.
Depois de evocada esta história, foi revisitado papel das devoções em Fátima. Foi mostrado como o discurso dos Pastorinhos com o céu tem como gramática a própria devoção dos portugueses na época. Neste sentido, foi mostrado como não existe qualquer novidade nas devoções em Fátima na medida em que já são partilhadas, são património geral do devocionário português.
Nas devoções de Fátima nem sempre as devoções traduzem a devoção ao evangelho de Jesus do qual a mensagem de Fátima é apenas uma releitura, a ênfase de alguns aspectos. Na verdade, a mensagem de Fátima concentra-se no lugar da Santíssima Trindade em relação com a celebração da Eucaristia, cuja celebração é já um acto de reparação. Esta ponte hermenêutica estabelece uma ligação salvífico-sacramental entre o sinal e a adoração, entre o gesto simbólico-ritual e a origem (ou meta) da devoção com cariz mariano. Este cariz é uma nota distintiva. A adoração trinitária articula-se na adoração eucarística como acto de reparação em sinal de conversão. Aqui ganham relevo a devoção ao rosário, a devoção ao Imaculado Coração nos primeiros sábados e a devoção eucarística que recebe estas devoções como acto de louvor. No entanto, a própria adoração dos Pastorinhos não se confina à adoração do sacrário. Está muito para além disso. A adoração foi efectivamente mostrada como ela é e está, desgeograficalizada.
Não podiam deixar de ser apresentadas as peregrinações como momentos devocionais fortes. As condições para a peregrinação foram expostas como necessárias para o valor salutar das mesmas. Na sua condição de peregrino, o visitantes de Fátima reouve o eco da mensagem central da redenção cristã, e confronta-se novamente consigo mesmo e com a verdade bíblica do próprio Deus. Neste sentido, a devoção cristã, que em Fátima assume uma evidente carga mariana devido à intercessão materna da Virgem, ajuda o peregrino a ver o alcance da própria devoção como proposta crítica de muita mentalidade acrítica e infernal de uma cultura de morte que configura a sociedade actual em algumas das suas realizações. Neste contexto, a devoção mariana foi apresentada como crítica de cinco blasfémias contra a maternidade divina de Maria Mãe de Deus: 1ª o desprezo da superabundância da graça, 2ª o desprezo da superabundância da encarnação, 3ª o desprezo do significado transcendente da sexualidade humana quando é negada a maternidade e a virgindade de Maria como momento da vivência da feminilidade e da verdadeira humanidade amorosa, 4ª o desprezo pela limpidez do olhar das crianças quando a vida das crianças é tantas vezes desprezada na cultura actual, e 5ª o desprezo das expressões culturais da fé acontecida em muitas profanações de figuras e imagens de Maria.
José Carlos Carvalho

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