13 de julho, 2024

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Dario Viganò: “Devemos aprender a ser inteligentes em termos missionários”

A comunicação da Igreja não pode ter uma receita única, mas pode tirar partido dos múltiplos canais que hoje existem, afirma o antigo diretor do Vatican News, que participou nas IV Jornadas de Comunicação do Santuário de Fátima.

 

O que distingue a comunicação do Papa Francisco dos seus antecessores?

O Papa Francisco está na continuidade dos seus predecessores, mas cada um traz consigo a sua humanidade e, no caso concreto do Papa Francisco, a humanidade latino-americana. Percebemos facilmente a diferença de comunicação em relação ao seu predecessor, exatamente porque temos duas humanidades que cresceram em ambientes culturais muito diferentes. Um papa alemão, muito rigoroso, de poucas palavras. O outro, crescido na Argentina, proveniente de uma família italiana, muito empático e próximo, com alguma dificuldade para cumprir os protocolos. É uma mudança semelhante à que aconteceu entre Paulo VI e João Paulo II. Tínhamos Paulo VI, um homem frágil, proveniente da Secretaria de Estado, e a seguir um jovem, um homem muito jovem que vinha da Europa de Leste e que conquistou facilmente as pessoas, peregrinos, crentes e não crentes, pela sua corporalidade e pela forma como geria as suas aparições públicas.

 

Recorda-se de algum momento em particular, em que essa corporalidade tenha ficado expressa?

Recordamos todos, por exemplo, aquela belíssima imagem, na Praça de São Pedro, em que o Papa João Paulo II estava com uma capa vermelha sobre a veste branca, quando uma criança se aproxima, e ele, com um gesto súbito, a esconde debaixo do manto. Era alguém que tinha crescido no meio de jovens, que escreveu e fez teatro. E estas mudanças percebem-se porque cada um traz consigo a sua cultura, a sua formação e a sua humanidade.

 

Referiu que o Papa Francisco é muito empático. Essa postura expressa-se pela comunicação verbal, mas também pela linguagem não verbal. No Papa Francisco, qual das duas é mais forte?

A comunicação não verbal, sobretudo quando o Papa Francisco estava ainda muito bem de saúde, era evidente. Recordamo-nos todos de quando mandava parar o papamóvel e descia, ou levantava os polegares, ou saudava, ou apanhava alguns objetos que eram lançados sobre o papamóvel. O Papa Francisco fala muito com os gestos, com imagens, com o rosto. Quando coloca as mãos na barriga de uma grávida sem nada dizer ou pega ao colo um menino que corre na sua direção, durante a audiência geral.

 

E a linguagem verbal?

A linguagem verbal do Papa Francisco também tem as suas especificidades. Usa sempre imagens, usa narrativas muito concretas, dificilmente faz referência a ideias abstratas ou a conceitos. Conta histórias, cria palavras e modos novos de dizer, como, por exemplo, quando desafia os jovens a sair do sofá, ou quando se referia às sogras, na jornada mundial das famílias, porque é alguém que parte da experiência de vida dos que o escutam.

 

Como pode a Igreja Católica melhorar a comunicação?

A Igreja Católica é uma estrutura muito complexa de definir. É o Vaticano, são as Conferências Episcopais, são também os santuários como este. A Igreja Católica é um pouco tudo isto, e não é possível ter uma receita única, pensada idealmente, porque depende de muitos fatores, do contexto, do território.

Certamente existem muitos aspetos que, mais do que melhorados, devem ser mudados. Se penso na Igreja institucional, oficial, por exemplo no Vaticano ou nas Conferências Episcopais, não podemos pensar numa comunicação segundo o modelo do broadcaster, ou seja, um ponto emissor que chega a todos: faço um documento, distribuo-o e este torna-se do domínio comum, torna-se público. Isto não é assim.

Devo ter em atenção as mudanças tecnológicas que ocorreram e que alteraram a relação entre os media e os utilizadores, e sobretudo a relação entre os media e a sociedade.

 

O que pode ser feito, então?

Há certamente muito trabalho para repensar as estratégias de comunicação a nível institucional. E se penso nas paróquias, ou nos santuários, como este de Fátima, falamos provavelmente de um outro tipo de comunicação. Creio, por exemplo, que os melhores padres devem estar num santuário. Porque um santuário, ao contrário de uma paróquia, é um local onde as pessoas vêm, mesmo depois de muitos anos sem se aproximarem da prática religiosa.

Muitas vezes vêm com perguntas, com feridas profundas, e precisam de um acolhimento tanto na escuta como na direção espiritual, na confissão, num ambiente calmo, num local destinado a estes encontros onde experienciem o que realmente significa a filiação que Deus nos dá através do Espírito Santo no dia do batismo. E isto creio que seja um dos elementos fundamentais.

Outro elemento é a organização, porque um santuário é também um local, não só para indivíduos, mas para peregrinações de grupos muito grandes. Que tenha os seus ritmos, a sua ritualidade, a sua constância, porque isso fideliza. Sem querer desrespeitar com a comparação, é como a programação de uma sala de cinema. Se existe uma sala de cinema com cinema de autor, sei que posso ir a esta sala de cinema ainda que não saiba o título do filme, porque sei que, certamente, será um filme com qualidade que me pode interessar.

 

É também uma questão de identidade?

Esta ritualidade, esta programação e organização criam uma identidade forte e permitem gerar uma expetativa que não é frustrada com a chegada de mais um grupo de peregrinos,

dando-lhes a possibilidade de se inserir num percurso bem definido, que lhes permite movimentar entre elementos que facilmente reconhecem.

E penso também em todos os elementos próprios de um gabinete de comunicação de um santuário, mantendo canais de comunicação através de newsletters, com as várias peregrinações que chegam, com os responsáveis, dando-lhes as novidades, mandando algumas imagens, criando um envolvimento, fazendo-os sentir parte de uma família maior. Creio que isto é muito importante.

Por último, se existe uma revista no santuário, deve contar histórias de esperança, não necessariamente com um final feliz, mas em que a participação nas esperanças e sofrimentos dos outros torne mais fácil suportar os próprios sofrimentos; histórias concretas de homens e mulheres, de famílias, porque esta narrativa permite a quem a lê fazer um pouco sua aquela história.

 

E as redes sociais, é possível evangelizar por essa via?

Sou um pouco cauto em dizer que se pode evangelizar com as redes sociais. As redes sociais são o lugar do narcisismo, do exibicionismo, que no fundo é a manifestação do individualismo, da pessoa totalmente dobrada sobre o seu próprio umbigo, que é exatamente o contrário de ser filho, e filho de Deus. Tanto é assim que Jesus nunca fala de si, mas quando fala refere-se sempre ao Pai.

As redes sociais potenciam as nossas fraquezas, embora existam algumas que julgo que possam ajudar. Penso, por exemplo, no Instagram. Naturalmente, o Instagram deve ser usado com imagens altamente emocionais, digamos, capazes de criar um contexto, e não propriamente com fotos institucionais que, aqui, não funcionam. Posso fazer muito se contar histórias através de imagens onde essa história é feita de uma lágrima, de um pé, de um abraço, de uma vela que se acende. Assim funciona, de outro modo não.

 

As redes sociais têm a vantagem de nos permitir chegar a muitas pessoas. Desse ponto de vista, estaremos a saber utilizá-las bem?

Creio que as redes sociais nos ajudam, certamente. Mas também devemos valorizar os vários meios de comunicação que temos, tornando-os próximos uns dos outros. Se temos um jornal mensal do santuário, uma newsletter, naturalmente não posso fazer uma fotografia e metê-la no Instagram. Isto não faz sentido. Mas, de algum modo, posso fazer com que uma história contada no jornal possa ser contada por imagens. Existe uma valorização recíproca, sem confusão dos instrumentos, porque cada instrumento tem a sua linguagem, o seu sentido, o seu formato, e se eu não o conheço nem o respeito, este não serve praticamente para nada.

 

Esta entrevista destina-se ao jornal do Santuário, Voz da Fátima, que já comemorou 100 anos. Até quando existirão leitores para um jornal como este, em suporte papel?

É um problema de suporte, papel ou digital, mas não muda, digamos, uma questão. Embora estejamos habituados a pensar que o jornal em papel, o tradicional, tem mais autoridade, e pensamos que o online tem menos autoridade, o problema para nós hoje, acima de tudo, é construir jornais online que sejam muito credíveis, contra aquilo que são as fake news. Se tenho de combater as fake news, a primeira coisa é construir um jornal digital do mais alto nível, com um grande profissionalismo. Então, entre o papel ou o digital haveria apenas uma distinção no tipo de suporte, e, de momento, acho que é útil ter estas duas modalidades.

 

Porquê?

Porque, sobretudo nos santuários, grande parte da população ainda não utiliza o digital, e é importante este trabalho a duplicar, no digital e no papel, com uma linha editorial muito clara, com uma marca forte, que seja reconhecível tanto num formato como no outro, que crie identidade, massa crítica, familiaridade. Isto é fundamental, na área do marketing. Nós devemos procurar ser santos, não? No entanto, não nos esqueçamos de que também devemos aprender a ser inteligentes em termos missionários, colocando toda a nossa inteligência, a nossa capacidade para que o Evangelho possa encontrar as pessoas e as pessoas possam identificar onde está o Evangelho.

 

Para terminar, gosta muito de cinema. Posso pedir-lhe que sugira um filme aos nossos leitores?

A minha proposta é para quem quiser conhecer os momentos iniciais de um grande movimento cinematográfico italiano que é o neorrealismo. É um filme de 1944 e chama-se “La Porta del Cielo” (“A Porta do Céu”). O título, originalmente, seria “La Casa degli Angeli” (“A Casa dos Anjos”), porque o filme contava uma peregrinação a um santuário mariano que existe em Itália, o Santuário de Loreto, que tem, no interior da basílica, uma casa que, segundo a tradição, teria sido transportada para aí por anjos. Este filme foi escrito por Pratelli, em 1943. Em 44, a Itália vivia a ocupação nazi, e Vittorio De Sica é chamado para trabalhar na Cinecittà, em Roma, no período conhecido como República de Salò, e apesar de não querer ser envolvido em toda esta situação, consegue ser ele a dirigir este filme. E é interessante, porque este é um filme produzido pela Orbis Film, por Salvo Dall’Angelo, apoiado pelo Vaticano. É Giovanni Battista Montini, que mais tarde se tornará Paulo VI, que torna possível que parte do filme seja rodada no interior da Basílica de São Paulo Fora de Muros, uma das quatro basílicas papais. De Sica impôs como encenador Zavattini, alguém que, como De Sica, não era muito próximo da Igreja e, contudo, é o mundo católico que o vai financiar.

 

E não acontece o milagre. Na verdade, existe para quem não é o protagonista.

Mas todos os protagonistas, que são personagens muito bem descritas, procuram o milagre, mas ninguém o alcança. Por que razão? Porque, como diz Ennio Flaiano, no dia seguinte ao lançamento do filme, este não tem um final feliz. Mas qual é o milagre? Que cada um, vendo o outro sofrer, compartilhe o seu sofrimento e se sinta parte de um povo, de uma comunidade.

Este filme desapareceu das salas após 1945, e há cerca de um ano foi finalmente restaurado. Atualmente já está disponível, espero que em algumas plataformas.

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