14 de maio, 2009

A um mês do encerramento das comemorações do Centenário do Nascimento de Francisco Marto (11.06.1908), o Santuário de Fátima prepara a iniciativa final: o Congresso “Francisco Marto: crescer para o dom”.
Este congresso, com um programa que propõe uma variedade de temas que possibilitará a participação de pessoas com diferentes formações e interesses, será portanto ocasião para aprofundar a figura desta criança e também para reflectir sobre o papel da infância nas mais diversas áreas, tais como música, literatura, espiritualidade, catequese, protecção jurídica, teologia, pastoral.
As inscrições continuam abertas e podem ser efectuadas para os seguintes contactos:
Santuário de Fátima – Congresso Francisco Marto – 2496-908 Fátima
Tel: 249 539 600 – e-mail [email protected]www.fatima.pt

ENTREVISTA
Crescer é acrescentar vida aos anos
               
Convidado a falar sobre esta iniciativa do Santuário de Fátima, o Padre Emanuel Silva, moderador e participante no Congresso, sublinha em Francisco Marto as expressões de amor e a entrega a Deus. Na mesma entrevista destaca a pertinência da realização deste congresso enquanto momento que procurará colocar em diálogo diferentes áreas do saber relacionadas com a infância.

1. Justifica-se um congresso sobre Francisco Marto? 
Francisco Marto, uma das três crianças (pastorinhos) que testemunharam as aparições de Nossa Senhora em Fátima, é uma figura extremamente rica e que, por isso mesmo, desperta imensas interrogações e desafios nos mais diversos quadrantes.
Partindo dos seus nove anos de idade e do seu contexto existencial, passando pela sua personalidade ou temperamento e admirando a sua fé, deixando-nos cativar pelas suas expressões de amor, concluindo na sua total entrega (capacidade de dom) a Deus pelas mãos de Maria, a figura deste “Pastorinho” é de uma intensidade extraordinária. É impossível seguir de perto a sua história sem se deixar interrogar. É impossível acompanhar o seu percurso sem deixar que, da sua infância feita “oferta agradável a Deus”, surjam interrogações e implicações para todos os tempos e a muitos níveis.
É a multiplicidade das interrogações, inquietações e implicações que a figura de Francisco desperta, que me parece justificar inteiramente um Congresso. Colocar em diálogo diversos âmbitos do saber, partindo de diversas perspectivas e áreas, permite um maior aprofundamento da riqueza daquele que alguém definiu como tendo “um ar desempenado quando respondia às perguntas”. O Francisco que se deixar “interrogar” com ar “desempenado” é o mesmo Francisco que, com o mesmo “ar desempenado” levanta interrogações. Suas e também de todas as crianças.
Da fenomenologia à espiritualidade, passando por áreas como o direito, a pedagogia e a educação, a arte e a própria vida em Igreja, este Congresso será ocasião segura de aprender de uma criança a fazer da vida um dom para Deus.
2. O que nos diz Francisco Marto sobre a espiritualidade das crianças?
Diz-nos “espontaneidade”, “autenticidade” e “confiança”! Se colocarmos uma criança e um adulto diante de uma casa enorme e esteticamente impressionante pela beleza, colheremos seguramente duas reacções diferentes. O adulto falar-nos-á do preço da casa (“Que casa caríssima!”). A criança, por sua vez, referir-se-á à beleza da casa e, por conseguinte, ao seu valor (“Que casa bonita!”). Talvez isso aconteça porque, como diz um poeta, os adultos já não têm tempo para dar de comer aos pássaros.
Mas, de facto, a simples observância das crianças nos mostra como têm uma incrível facilidade em passar do terreno do mundo material e físico para o mundo e “experiência” do Sobrenatural. E, mais do que apenas isso, falam-nos desse mundo com uma proximidade cativante, uma convicção imensa e uma desenvoltura desconcertante.
É evidente que se torna necessário, e a educação – para o bem e para o mal – também o promove, passar da “metafísica apenas pessoal” para o campo da “física universal”. A passagem não deve, contudo ser tão rápida que nos impeça de reparar no essencial já que, à priori não tem de existir contradição nem oposição entre a metafísica pessoal e a física universal. A espiritualidade radica as suas origens no mais profundo do ser. Quase poderíamos dizer que é, como o “rir” e como a “linguagem” um dado humano fundamental.
Sobre a espiritualidade das crianças, Francisco dir-nos-á seguramente que é necessário crescer (“fazer-se um homem” como se costuma dizer na linguagem dos “adultos”) sem perder aquilo que dá sentido à vida. A história das aparições e da vida de Francisco fala-nos de uma criança pacífica, dócil, bondosa, condescendente, com sentido de humor, brincalhão, de fácil relação e amizade, atento e perspicaz, reservado, destemido, contemplativo, sincero, transparente, delicado, paciente. Tantas coisas boas que, mais ou menos naturalmente, podem despertar e ser alvo de pedagogias para se fazerem mais realidade existencial. Nessas atitudes estão todas as linhas com que se “desenha” e faz um Homem.
3. Esta criança pode ser inspiradora para uma espiritualidade cristã adulta?
Se não vos tornardes crianças não entrareis no Reino … (Mc 10, 15). O Reino é para crianças. As palavras de Jesus não deixam lugar a dúvidas. Mas o apelo de Jesus não é, de todo, um convite ao infantilismo ou à imaturidade. A possibilidade de inspiração de uma espiritualidade cristã adulta na criança que é o Pastorinho Francisco surge, precisamente, das qualidades da infância de Francisco e de todas as crianças e já acima referidas. A experiência da maturidade cristã faz do adulto não apenas uma “pessoa grande” mas sim, e sobretudo, uma “pessoa crescida e a crescer”! Crescer não significa apenas, deste ponto de vista, acrescentar anos à vida. É sim acrescentar vida aos anos. Espontaneidade, autenticidade e confiança são então, entre muitas outras, três notas que se testemunham em Francisco e que são marcos incontornáveis de uma espiritualidade cristã adulta.
É necessário, por isso, transfigurar a infância para se ser cristão adulto: Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre, mas o homem muda e a história altera-se. Para além de todas as mudanças e de todas as alterações, em cada tempo o desafio permanece o mesmo: amar a Deus e aos irmãos. Então o desafio permanente da infância, em cada tempo que passa, é passar para Aquele que não passa. E isso é possível em todas as culturas e em todos os enquadramentos. Então “ser criança”, no desafio destas palavras de Jesus, é uma experiência de plenitude, uma experiência de maturidade cristã, uma expressão do homem “à estatura de Cristo” que confia, é autêntico e espontâneo! Não se trata, portanto, de construir “homens infantis”, mas sim de reparar nos dinamismos da maturidade cristã como expressões de uma infância transfigurada que se manifesta e reage com base na simplicidade, alegria, espontaneidade e, sobretudo, confiança filial.
4. Que aspectos da experiência de Francisco Marto parecem interessantes para um maior aprofundamento teológico?
O amor a Deus e a confiança nos caminhos por Deus indicados para chegar até Ele. A história das aparições e da vida de Francisco fala-nos, como já referi, de uma criança pacífica, dócil, bondosa, condescendente, com sentido de humor, brincalhão, de fácil relação e amizade, atento e perspicaz, reservado, destemido, contemplativo, sincero, transparente, delicado, paciente.
As memórias em que nos é narrada a história de Francisco merecem, e têm já superiormente elaborado, um estudo crítico. Mas nunca deixará de impressionar a confiança absoluta de Francisco em Deus e a capacidade de relativização do que ele considerava “coisas sem importância”. Nunca deixará de impressionar o seu amor e a sua entrega a “Jesus escondido”.
O que torna uma criança de nove anos capaz de um amor assim? E o que lhe dá força para se tornar desta forma uma “oferenda agradável a Deus”? O amor e a dispersão são experiências em sentido contrário. O amor unifica sempre. E, embora não limite nunca a extensão, o amor valoriza sobretudo a intensidade (não muitas coisas ao mesmo tempo, mas as coisas mais importantes). O amor a Deus e o amor de Deus, suas possibilidades, seus caminhos, parecem-me aspectos teológicos a desenvolver juntamente com o facto de que se aprende a amar a Deus deixando que Deus nos ame.
5. Ter crianças como modelos da fé não poderá indicar uma infantilização da experiência religiosa?
Um carro de mão puxa-se ou empurra-se?! Responder-me-ão, seguramente, que “depende”. E, de facto, depende do que se pretende, do “para onde” se pretende ir, do tipo de “carro de mão”. É o mesmo que acontece em relação à possibilidade das crianças como modelos de fé poderem indicar uma infantilização da experiência religiosa. Depende de muitas condicionantes. Tratar-se-ia de infantilização se no horizonte da caminha da cristã se perdesse a noção da finalidade de tudo o que se faz.
Quando um adulto olha para uma criança como modelo de fé, contempla, sobretudo, a “inocência” dos dinamismos e não tanto a eficácia das situações. A criança, objectivamente, é aquele que se está a fazer, que está em estado de construção. Porque está em construção tem também de saber o que pretende construir. O factor importante na fé é o acesso à Pessoa de Jesus Cristo. E isso tem caminhos e dinamismos próprios.
Acolher a criança como modelo de fé não é padronizar a realidade a partir de uma criança e reduzindo o âmbito da própria realidade. A isso chamar-se-ia ilusão. Acolher a criança como modelo de fé é ser capaz de purificar as percepções, é ser capaz de abordar o complicado e complexo com a simplicidade superior de quem confia e não alimenta suspeições.
Quando sorrio para uma criança de meses, regra geral ela corresponde-me (se não a assustar!) com um sorriso. Se brinco com ela, a criança, regra geral, brinca comigo. Se não a assustar. Seguro é que não se põe a pensar se o meu sorriso é ou não verdadeiro, se a minha alegria é ou não autêntica. Corresponde ou não corresponde mas não desconfia nem suspeita.
Acolher a criança como modelo de fé é reflectir a possibilidade de ser adulto e manter a “inocência” que faz amar sem desconfiar, que faz confiar sem suspeitar. É não deixar envelhecer a referência da vida a Deus. E, por isso, com a propriedade que a própria vida acarreta consigo, ser pacífico, dócil, bondoso, condescendente, com sentido de humor, brincalhão, de fácil relação e amizade, atento e perspicaz, etc, etc, à maneira de Francisco.
6. O estudo da figura de Francisco Marto pode levar-nos a reflectir sobre o papel das crianças na Igreja. Em que é que as crianças podem constituir um desafio à vida eclesial?
Na capacidade de um maior optimismo metafísico e, ao mesmo tempo, de um pungente realismo histórico.
A vida eclesial necessita constantemente de se refontalizar em Jesus Cristo e na comunidade apostólica. Quando não o faz como exercício quotidiano deixa-se cair em estruturas de “politicamente correcto” e acaba sempre limitada na sua missão. A espontaneidade da criança é aqui uma lição enorme. Faz lembrar aquela história em que uma mãe, saindo de casa com o seu filho pequeno para visitar a tia o preveniu de que não devia dizer que tia estava gorda. Ao chegar a casa da tia o miúdo foi o mais espontâneo possível: “Ó tia, olha, a mãe disse para eu não dizer que tu estavas gorda!”.
Esta espontaneidade (que não usa para proveito próprio, mas como acesso à realidade) e suas implicações evocam a vida da Igreja, na sua identidade e missão, como serviço da salvação para os homens de hoje, como experiência e expressão de comunhão, como anunciadora da Verdade que Cristo é e tem para toda a humanidade. A Igreja é, por definição, um Povo novo. Dizê-lo com desvelo e naturalidade, sem se render a ambientes e modas, é o dom do Espírito que nos mostra amadurecidos e cativa outros para comungarem connosco. Sempre a Igreja se definiu por esses caminhos. É enquanto anuncia que denuncia. A Igreja pode falar da sua missão com alegria e entusiasmo porque, sabendo em Quem coloca a sua confiança, tem muito para dar ao mundo.
7. Porquê o conceito de “dom” para falar de uma criança e da sua experiência religiosa?
Dom é o que melhor a traduz a gratuidade, o prazer (mesmo que, depois, peça esforço) e a liberdade que a criança coloca como “exigência” em tudo o que faz. Aquilo que resistir às exigências de gratuidade, prazer (ser feito com prazer que é diferente de ser feito para dar prazer) e liberdade obtém da criança a colaboração e o empenho.
A experiência religiosa também é uma experiência de gratuidade total, uma relação pessoal com o Mistério de Deus que não possuímos mas ao qual não conseguimos escapar. Relativiza-nos, mas ao mesmo tempo, sustenta-nos.
Só existe o amor e o amor perfeito onde a pessoa se dispõe a realizar-se como abertura ao outros, como em Cristo. Amar é dar a vida. E, antes de tudo, fazê-lo em gratuidade porque vale a pena querer que o outro seja por si mesmo e não apenas por dependência de o pensarmos ou determinarmos.
O Cristianismo parte precisamente desta experiência – a experiência de que “Deus ama” cada pessoa, cada homem e cada mulher. E, de facto, o amor é o que há de mais real em Deus. Toda a revelação nos diz que Deus é amor. Aliás, a mensagem fundamental de Jesus é de que Deus é amor.
Saber que Deus é amor é, portanto, decisivo para o homem poder também amar a Deus: quem não faz a experiência de ser amado, na maioria das vezes não sabe nem aprende a amar; muitas das atitudes inacreditáveis de muitas pessoas acontecem precisamente por causa de nunca terem feito a experiência de serem amadas.
Falar do conhecimento de Deus como Amor é, portanto, reflectir um conhecimento que só se realiza por relação e no horizonte da liberdade interpelada. E, de facto, se olharmos bem, toda a História da Salvação pode ser lida à luz desta gramática do amor para dizer Deus. Amar, então, é viver para o outro (dom) e é viver do outro e pelo outro (acolhimento). O amor supõe a alteridade. Francisco descobriu Deus e entregou-se-Lhe totalmente. Que realidade melhor do que o conceito de “dom” para expressar essa entrega?!
Agora, na sua vida, depois da descoberta de Deus, o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio – como dizia o Santo Padre, o Papa Bento XVI - não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o (Cf. DCE 6). É dom.
10. Que expectativas tem em relação a este Congresso sobre Francisco Marto?
A grande expectativa é ver valorizada a pessoa e figura de Francisco Marto, das expressões de santidade por ele vividas e exercitadas e que, desta forma, se mostrarão ainda mais como experiências acessíveis e actuais para todo e qualquer tempo.
Além disso, e na medida em que o Congresso será ocasião de comungar e fazer comungar os diversos saberes e áreas da vida real em que as crianças vivem e crescem, alimento também a expectativa de uma contribuição efectiva do Congresso para a percepção da necessidade de lutar por condições que ajudem a preservar para toda a humanidade a oportunidade de, no momento próprio, todos podermos ser crianças, termos tempo de brincar e termos tempo de crescer para o dom.

Breve biografia do Padre Emanuel Silva
Emanuel Silva é sacerdote da Diocese de Portalegre e Castelo Branco. Exerce as funções de Director Espiritual no Seminário Maior de Coimbra e Director do Secretariado Diocesano da Pastoral das Vocações. É docente no Curso Filosófico-Teológico, no ISET (Coimbra). Especializou-se em teologia sistemática e espiritualidade. É formador em diversos cursos de formação teológica para leigos, orienta retiros e profere conferências no âmbito da sua especialidade. É moderador e participante de um dos painéis temáticos do Congresso sobre Francisco Marto.

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