19 de abril, 2007

Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário, o Presidente da Comissão Científica do Congresso, Henrique Noronha Galvão, sacerdote e docente em Lisboa da Faculdade de Teologia na disciplina acerca do Mistério Trinitário de Deus, fala-nos sobre o Congresso Internacional sobre a Santíssima Trindade, a ter lugar 9 a 12 de Maio 2007, no Santuário de Fátima:
Santíssima Trindade... o maior mistério da nossa fé
- Como recebeu o convite do Santuário, de integrar, e presidir, à comissão científica de um congresso integrado no programa celebrativo dos 90 anos das Aparições?
Foi o Sr. Padre Dr. Armindo Janeiro que me convidou a colaborar na organização do congresso, tendo em conta certamente que tenho leccionado na Faculdade de Teologia, em Lisboa, a disciplina acerca do Mistério Trinitário de Deus.
- O que é a Santíssima Trindade?
Está-me a perguntar o que é o maior mistério da nossa fé … Ele resulta de Jesus Cristo se ter revelado como Filho de Deus, numa comunhão total e única com o Deus a quem chamava Pai e mesmo, em aramaico, Abba (que significa Papá), e com o Espírito Santo que procede simultaneamente do Pai e do Filho. Esta comunhão de Amor é de tal ordem que significa uma única identidade divina em que subsistem o Pai e o Filho e o Espírito Santo.
- É preciso “crer para entender” essa identidade trinitária de Deus?
Sem dúvida. Trata-se aqui de algo que corresponde ao mais íntimo mistério pessoal de Deus e que só por confidência do próprio Deus, isto é, por revelação nós podemos conhecer.
- “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo….”. Havendo unidade das três Pessoas da Santíssima Trindade, como explica que alguns católicos se sintam mais apegados, na fé, ao Espírito Santo ou a Cristo, ou ao Senhor, como se não fossem a mesma realidade? Até mesmo para os sacerdotes a questão é por vezes complicada…
Não é fácil a apreensão de tão profundo mistério da nossa fé. Para exprimir essa dificuldade St. Agostinho cunhou a expressão “douta ignorância” que foi retomada por autores como S. Boaventura ou o Mestre Eckhart. S. Tomás disse o mesmo. Os místicos falam da “noite da inteligência”. Trata-se de um mistério que só numa atitude de grande humildade, pela meditação na Palavra de Deus e na oração pode ser apreendido e vivido. Sempre que queremos sujeitar Deus aos nossos critérios, à nossa sensibilidade ou, mesmo, à nossa ideologia, então já não acreditamos no Deus que se revela mas num ídolo que nós próprios criamos.
- Como surge o mistério da Santíssima Trindade nas Aparições de Fátima?
Sobre isso falará no Congresso, com a sua grande competência, o Senhor Bispo de Leiria-Fátima D. António Marto. Nas Aparições de Fátima é sobretudo a Oração do Anjo que nos coloca perante esse mistério. Não foi por acaso que escolhemos para epígrafe do Congresso o início dessa oração.
- A Oração do Anjo de Portugal à Santíssima Trindade indica-nos o quê? Uma entrega total a Deus pedida aos crentes para eles próprios e, depois, para todos os homens?
Isso certamente. Mas gostaria, igualmente, de referir todo o contexto das Aparições de Fátima enquanto manifestação do Amor Misericordioso de Deus, como justamente sublinha o programa da celebração dos seus 90 anos. Deus é Amor, disse S. João e o Papa Bento XVI nos recordou na sua primeira encíclica. E esse Amor que é Deus exprime-se na sua comunhão trinitária. Há um outro aspecto importante nas Aparições e que é também central na Oração do Anjo, o da conversão. Ao longo da história da Igreja, sempre a confissão dos crentes no Deus Trindade esteve ligada à sua disposição para a conversão.
- Do que falará na sua conferência neste congresso, que intitulou: “O Símbolo dos Apóstolos, credo de fé trinitária. Testemunho na liturgia baptismal antiga”?
É precisamente na liturgia baptismal, a que esteve ligada a origem do Símbolo dos Apóstolos, que encontramos a associação entre a fé no Deus Trindade e a decisão do neófito se converter. Uma associação que, no presente ritual do Baptismo, continua clara, quer quando é afirmada, no caso dos adultos, por aquele que vai ser baptizado quer, no caso das crianças, pelos seus pais e padrinhos. Por isso é tão importante falar dessa origem, embora esteja envolta nalgumas incertezas a que farei também referência na minha comunicação. De qualquer modo, torna-se claro como, desde o início da Igreja, foi à volta do Mistério Trinitário de Deus que se exprimiu e confessou a fé cristã, no que tem de doutrina e de incidências práticas.
- Que expectativas tem para este Congresso?
Conseguimos a colaboração de grandes especialistas, portugueses e estrangeiros (provenientes de seis países), entre os quais seis bispos, que garantem um alto nível de reflexão sobre tão grande mistério da nossa fé. E é igualmente relevante que, no momento em que se ultima no Santuário de Fátima a construção da igreja dedicada à Santíssima Trindade, haja uma consciência clara e fundamentada do lugar central e decisivo do Mistério Trinitário de Deus na vida de todos os cristãos, tal como nos foi recordado pelas Aparições. Há também nelas um apelo a toda a humanidade para que se abra ao horizonte de esperança que, desta forma, o Amor Misericordioso de Deus representa para todos os que se convertem. Se o Congresso tornar mais luminosa essa esperança, já valeu a pena.
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Celebrar a Trindade é acima de tudo um exercício de humildade
José Maria Silva Rosa, membro da Comissão Cientifica do Congresso sobre a Santíssima Trindade e docente da Universidade da Beira Interior, falou-nos um pouco sobre esta iniciativa, em entrevista. José Rosa é o autor da tese de doutoramento “O Primado da Relação – Da Intencionalidade trinitária da Filosofia”, datada de Novembro de 2004 e precisamente sobre a Santíssima Trindade.
1- Que expectativas tem para a realização deste congresso?
Celebrar a Trindade, seja como for, com a inteligência, com o coração, com a sensibilidade artística, etc., creio que é acima de tudo um exercício de humildade e de nada possuir. Tempos houve em que a Trindade foi celebrada triunfalmente, como uma espécie de glória do pensamento. Na linha de meditações bem antigas, cada vez mais me convenço de que a Trindade é antes o «mysterium» (celebração) que desafia todos os lugares feitos e os caminhos já trilhados quer pelo pensamento quer pela acção. Não é um «mistério» no sentido moderno e kantiano do temo. É antes o «mistério da existência», como gostava de dizer Jean Daniélou, em processo de abertura ao novo, como o vivia a mais primitiva tradição eclesial confessante. Deste modo, também este Congresso será aquilo que todos nós soubermos e formos capazes de fazer com ele. «Ubi caritas et amor Deus ibi est.» O mais importante, espero, é que nos encontremos uns com os outros verdadeiramente, não apenas para comunicar pretensos saberes, mas talvez para partilhar fomes e sedes. A propósito de Deus, Agostinho tem uma afirmação que o coloca na grande tradição da teologia negativa: «acerca de Deus, conhece-se melhor ignorando» («de Deo, quid scitur melius nesciendo…», De Ordine, II, 16, 44)
2- Sendo um congresso teológico, dirige-se à sensibilidade apenas das pessoas da área ou será de acessível entendimento a outras pessoas de outros ramos do saber?
Uma das coisas que mais me maravilhou num processo de investigação que realizei durante alguns anos, foi verificar como a Trindade, e as simbólicas que para ela convergem ou dela partem, encontram tão diversas formas de recepção e de acolhimento, mais ou menos crentes (e até descrentes) que vão da matemática à literatura, da Filosofia e Teologia às Artes, da Psicanálise à Teoria da Literatura e à Teoria da Comunicação, do homem simples ao investigador erudito. Talvez isto seja uma cifra da fé cristã partilhada por Santo Agostinho e outros, de que, quando afirmamos que o homem é «imago Dei» (imagem de Deus), verdadeiramente, o que queremos exprimir é que ele é «imago Trinitatis» (imagem da Trindade»), i.e., um ser em relação, a fazer-se em constante «pericores». Não afirmava por exemplo o Pe. António Vieira, na Clavis Prophetarum, que o facto de os índios brasileiros conseguirem (apenas) contar até três, indicava a presença neles da imagem da Trindade que nenhuma ignorância conseguira apagar? Assim, estou convencido que vai haver espaço para todas as sensibilidades, até mesmo para quem, mais do que um saber, seja ele histórico, filosófico, teológico, busca apenas um momento de encontro espiritual.
3- A si, cabe-lhe apresentar, na tarde de 10 de Maio, o tema "St. Agostinho: o fascínio do Deus Trindade". Como está a estruturar a sua conferência?
Bom, estou a rabiscar umas coisas, pedindo ao Espírito Santo iluminação e inspiração. Devo confessar uma coisa: um dos momentos que mais me tocou, há vários anos, na leitura de De Trinitate de Santo Agostinho, foi quando vi no fim, no livro XV, que, depois de tanto escrever, Agostinho pedia a Deus que o libertasse das muitas palavras que padecia e lhe atormentavam a alma. Neste momento sinto algo parecido. Mas, para não fugir completamente à pergunta, estou a tentar esboçar brevemente o modo como a questão trinitária emerge no pensamento de Santo Agostinho (a origem é doxológica) e como o seu pensamento converge para a grande obra, uma das maiores do pensamento ocidental, que é a obra De Trinitate. Sublinhe-se o seguinte, a fim de equilibrar o título que me deram: se há em Agostinho um crescente fascínio pelo Deus-Trindade, há nele desde sempre, em simultâneo, o fascínio pelo Deus-Unidade, mormente desde a saída do maniqueísmo. O grande desafio de Agostinho, nunca cabalmente solucionado, e que, por isso, ele nos devolve tanto no pensamento como na acção, é como situar-se neste gume da navalha, sem cair nem para uma diferença que rompa a unidade (arianismo) nem para uma unidade que anule as diferenças (modalismo). Ora, este é um dos problemas maiores do nosso tempo, a braços com expressões políticas, sociais, filosóficas, culturais, etc., incapazes de se manter em processo de relação, oscilando ora entre identidades fracturantes e «assassinas» ora entre equívocos processos de homogeneização globalizante. Por isso considero que revisitar as simbólicas trinitárias (i.e.,, relacionais) é também um bom serviço ao mundo contemporâneo.
4 - Sobre a Lenda do Menino e do Teólogo – Pois fica sabendo que é mais fácil eu mudar o mar, do que tu descobrires o mistério que te atormenta –, o que quis Santo Agostinho dizer com ela?
A lenda é pseudo-agostiniana. É uma lenda piedosa medieval, mais tardia, que projecta em Agostinho uma atitude «racionalista» que nunca foi sua. Teremos oportunidade de referir isso na nossa Conferência. Ironicamente, a história mostra-nos que os processos de recepção são muitas vezes processos de traição. Só os nossos seguidores nos podem trair.
5 - "A Santíssima Trindade é o maior mistério da Nossa Fé", disse-me recentemente, em entrevista, o Prof. Noronha Galvão, presidente da Comissão Cientifica do Congresso
Não discuto esta afirmação. Sublinho apenas de novo o sentido antigo de «mistério»: não é um problema gnosiológico que está em causa, como se a fé andasse a tentar decifrar o enigma matemático ou edipiano do «um-em-três», mas é um «mistério» no sentido de uma celebração de vida e de amor. «Mistério» é aqui mais uma categoria da acção do que do pensamento. Dito isto, acrescento algo que extravasa a questão da fé: é que considero que a confissão trinitária é quem parece «ter acertado» por antecipação na formulação exacta da questão fundamental da filosofia: a do Uno e do Múltiplo, a da relação entre Unidade e Diferença. Esta é a «cruz dos filósofos»; por isso, muito me apraz a afirmação de um emimente filósofo contemporâneo, Jean-Luc Marion, que me permito não traduzir: «Que le jeu trinitaire reprenne par avance toutes nos désolations, y compris celle de la métaphysique, dans un sérieux d´autant plus serein et un danger d´autant plus grave qu´ils proviennent de l´amour, de sa patience, de son travail et de son humilité ― c´est seulement ce que nous tenterons de dire ici.» (L´idole et la distance. Cinq études, p. 10).

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