14 de outubro, 2022
Biógrafo da Irmã Lúcia destaca autenticidade e resiliência da videnteJosé Rui Teixeira foi um dos convidados da primeira edição das conversas online “A contas com Fátima”, que se realizou no dia em que a Positio Super Vita, Virtutibus et Fama Sanctitatis de Lúcia de Jesus foi entregue em Roma.Realizou-se, na noite de ontem, 13 de outubro, o primeiro encontro “A contas com Fátima", uma iniciativa do Departamento de Acolhimento e Pastoral do Santuário que desafia dois interlocutores a dialogar sobre as suas experiências de Fátima. Os primeiros convidados foram Diogo Carvalho Alves, assessor do Gabinete do Comunicação do Santuário de Fátima e José Rui Teixeira, teólogo e redator da biografia da Irmã Lúcia de Jesus, assunto que dominou parte da conversa, dado que a Positio Super Vita, Virtutibus et Fama Sanctitatis (Posição sobre a Vida, Virtudes e Reputação de Santidade) havia sido entregue em Roma, na manhã dia de ontem. Os 70 participantes que assistiram ao diálogo, através da plataforma zoom, puderam ouvir o investigador falar sobre “os avanços e recuos” que sentiu após o convite para redigir a biografia da vidente das Aparições de Fátima e da “obstinação” e “disciplina de trabalho” que levaram José Rui Teixeira a aceitar o desafio. “Estabeleci um cronograma, que apresentei imediatamente à Postulação, definindo que deveria ter uma biografia de pelo menos 400 páginas (além das 100 páginas que inicialmente me foram dadas). Foram 92 fins-de-semana dedicados a este projeto. A pandemia, pelo meio, deu-me um tempo extra para cumprir o cronograma e, em dezembro de 2020, consegui entregar à Postulação o documento em português, para que fosse traduzido para italiano. Depois, dediquei-me apenas aos índices e a organizar as quase 4.000 referências bibliográficas”, revelou o biógrafo, para quem “Fátima e Lúcia são realidades muito próximas uma da outra”. “A certa altura, não há narrativa de Fátima sem a narrativa da Lúcia. Eu não consigo imaginar Fátima como ela é sem que Lúcia lhe tenha entregado uma narrativa, através dos escritos mais ou menos conhecidos. As milhares de cartas de Lúcia condicionam profundamente a história de Fátima. De entre as várias ressignificações que Fátima teve nos últimos 100 anos, as mais significativas também elas foram introduzidas por Lúcia”, argumentou José Rui Teixeira, que apresentou a redação da biografia como “um processo de enamoramento”. “Há coisas na Lúcia que são absolutamente extraordinárias e, mesmo nos seus defeitos, ela é de uma autenticidade e resiliência muito grandes. Embate após embate, por dentro ela reconstitui a forma inicial. O amor imenso que Lúcia tem a Nossa Senhora nunca a distrai de uma centralidade cristológica. Para uma mulher com o moralismo da sua época, muito circunstancial e datado, é muito interessante o modo como ela: acolhe o Vaticano II; como reage a determinados sectores que questionavam a legitimidade dos Santos Padres e o modo incondicional como vive e se torna uma espécie de apóstola da Mensagem”, disse.
“Olhar Fátima com um olhar poético, que não resulta num poema”O teólogo falou também da evolução da sua relação com Fátima, “primeiro mediada por uma memória da infância”, depois, como seminarista e, mais tarde, “numa colaboração mais direta” com o próprio Santuário, que o fez entender Fátima numa “perspetiva holística” e numa “poética que passa pela capacidade de atenção ao pormenor e de transposições que possam ser caixas de ressonância do Evangelho a partir da vida dos peregrinos”. “Fátima, na preparação do Centenário das Aparições, aos meus olhos, estava a abrir-se a diálogos que, eventualmente, na minha consciência, eram improváveis. (…) Aí, interessou-me aprofundar uma hermenêutica do acontecimento, à luz de uma poética”, recordou José Rui Teixeira, que, desde então, foi também censor teólogo do processo de beatificação e canonização da Irmã Lúcia. Ao lembrar a forma como a Igreja inicialmente “descartou o fenómeno de Fátima” e a reivindicação da “profunda religiosidade popular” na construção de Fátima, José Rui Teixeira assumiu a tentativa de intercecção do Evangelho com a mensagem de Fátima como a oportunidade possível de “ir fazendo luz” sobre a mensagem de Fátima. “Fátima tem de ser olhada com toda a seriedade do mundo. Fátima não é edificante, (…) tal como a Sagrada Escritura, em muitas das suas passagens. A ideia de açucarar Fátima revela a nossa dificuldade em aceitarmos o afrontamento da dificuldade das coisas. Fátima foi muito difícil (…) e exige de nós a capacidade de ir às fontes, perceber as dinâmicas e olhá-la com um olhar poético, que não resulta num poema, mas na capacidade de resistência à banalidade que contamina tudo”, defendeu, ao sublinhar a importância da distância do tempo para a compreensão do acontecimento de Fátima. Para o teólogo, que “sempre teve um grande fascínio pela experiência da peregrinação”, Fátima perdurará nesta realidade de caminho e encontro. “Neste momento, Fátima não corre grandes riscos do ponto de vista sociológico, até porque é o único espaço eclesiológico que continua a resistir à erosão dos múltiplos processos de secularização. Enquanto condição poética, Fátima será também um fator de resistência, ao ser a Igreja que não abdica da condição de ser Reino de Deus. A peregrinação, naquilo que representa e no impacto que tem, ao nível mundial, torna Fátima num fenómeno muito mais protegido no futuro, no âmbito da Igreja”, concluiu O encontro terminou com a declamação de dois poemas da autoria de José Rui Teixeira sobre os santos Francisco e Jacinta Marto. O próximo "A contas com Fátima" realiza-se a 27 de outubro e terá como intervenientes as irmãs Ângela de Oliveira, da Aliança de Santa Maria, e Sandra Bartolomeu, das Servas de Nossa Senhora de Fátima. |