21 de outubro, 2021

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As mulheres de Paulo e o sínodo

Por Pedro Valinho Gomes* 

 

Este verão, durante alguns dias, as redes sociais animaram-se com debates virtualmente sangrentos sobre a pertinência e a legitimidade de a missa dominical ter lugar na televisão pública. Chego já demasiado tarde a este debate (é sabido que o prazo de validade de uma opinião sobre um qualquer tema debatido em praça pública é hoje de pouco mais de uma semana, se formos generosos) e chego com o pérfido perfil de um moderado (que não tem lugar em debates da praça pública onde tudo é, como é também sabido, preto ou branco). Há muito tempo que uma missa não dava tanto que falar. Devíamos corar de vergonha, nós os cristãos, por termos cultos tão pouco provocadores que é preciso ser ainda o Paulo de Tarso a vir inquietar as águas paradas a que nos habituámos nas nossas liturgias. Uma rápida passagem pelas redes sociais ditas cristãs é o suficiente para percebermos o quanto o nosso ativismo virtual se resume tantas vezes a uma versão cristianizada de literatura de autoajuda, a um voyeurismo dos dizeres papais e sobretudo ao debate de uma espécie de geopolitik eclesial baseada na crítica feroz e mordaz dos “desertores” no interior da igreja e dos que de fora a criticam, como se o essencial em igreja se resumisse a uma tomada de posição entre conservadores e liberais, entre os de cá e os de lá, os puros e os impuros. Eu, que não me situo em caixas, nem mesmo nas sacrossantas de conservador ou de liberal (porque, sim, há vida fora dessas caixas; Hegel não acertou em tudo!), chego tarde a este debate e a pensar que continuamos a insistir no que interessa pouco.

É óbvio que há extremismos nesta cultura do cancelamento, a cancel culture que preside aos ares de mudança na nossa sociedade ocidental. É certo que se trata de uma visão algo adolescente do mundo. Digo adolescente porque é próprio da adolescência querer ver tudo a preto ou branco, com um sentido de justiça tão rígido que não chega a perceber que o rótulo de “bom” ou de “mau” não diz toda a realidade. Mas creio ser também claro que não podemos viver hoje como se este momento cultural não existisse. Responder à cancel culture com uma espécie de cancelamento da sensibilidade atual, além de ser uma espécie de cegueira autoinduzida, significa responder à letra: somos igualmente adolescentes se o que pretendemos é ser donos da verdade e da justiça sem compreendermos que o Espírito sopra onde quer.

O debate deste verão parece-me um bom exemplo disto mesmo. É claro que hermenêuticas descontextualizadas e anacrónicas de Paulo não fazem justiça à palavra do Apóstolo (a acusação de misoginia é, além de descontextualizada e anacrónica, de uma grande injustiça). Mas é também claro que negar que há um problema com a visão e o papel da mulher na igreja é como tentar varrer para debaixo do tapete o elefante na sala. E, na verdade, há debates que nos são dados como dons do Espírito.

Se falo deste debate a que chego atrasado é porque começa estes dias um caminho sinodal proposto pelo Papa Francisco a toda a igreja. Será articulado em três fases – diocesana, continental e universal – e passará por um momento de consultas e de discernimento antes de culminar com uma assembleia em Roma, em outubro de 2023. Oxalá seja possível debater e discernir sem caixas. Oxalá seja possível escapar a discursos crispados de autodefesa e autojustificação. Oxalá seja momento de cada pessoa que é igreja sentir a igreja na primeira pessoa e de se responsabilizar também pelo discernimento do que o Espírito vai soprando aos crentes. Oxalá tenhamos ouvidos para ouvir a voz que sopra no banco escondido do fundo da igreja e até aquela que está fora da igreja. Oxalá seja oportunidade de falar dos elefantes no meio da sala sem receios e de debater sem a pressão de prazos de validade. Oxalá seja ocasião de maturidade e não de adolescência.

 

 

* Pedro Valinho Gomes é investigador e docente nas áreas da Teologia e da Filosofia.

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