07 de abril, 2022

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"Abrir o gancho"

Irmã Sandra Bartolomeu*

No centro do recinto do Santuário de Fátima há uma figura – que não raramente passa despercebida - de braços abertos, mãos abertas, feridas abertas e coração aberto. Só isto bastaria para ver nesta figura o Caminho para a vida plena. Rapidamente o aprendeu S. Francisco Marto abrindo as mãos, o passo e os bens para dar vida ao pássaro.
Numa entrevista promovida pela organização “The Great Relation”, o jesuíta catalão, Javier Melloni, teólogo e antropólogo especializado em mística comparada e diálogo inter-religioso, afirma que “a diferença fundamental entre as pessoas não é entre serem crentes ou não crentes, mas entre serem abertos ou fechados.” 
Já próximos de concluir o ciclo de mais um ano, neste mês de novembro, com a Solenidade de Todos os Santos e com a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, somos conduzidos a considerar a santidade e o outro lado da vida. Sim, há um outro lado da vida, acessível deste lado da vida, embora de maneira fugaz, mas que pode vir a ser pleno e permanente: o Céu, a eternidade. Diante deste vislumbre, vale a pena nos perguntarmos como vai a nossa abertura. Às minhas Irmãs oiço dizer de modo caricato: “Andamos toda a vida a aprender a abrir o ‘gancho’.” Nascemos com ele fechado e toda a vida é uma aprendizagem no sentido de o abrirmos, isto é, de nos abrirmos à vida, ao amor, aos outros, a nós próprios, a Deus, aos bens, etc., a receber e a largar, a acolher e a nos desapropriarmos. “A vida é um fluxo contínuo de Ser, em contínua dádiva; detê-lo é impedir a vida” (cf. Javier Melloni).
O Homem é um ser no tempo e para o tempo, e logo, um ser para a morte, no dizer de Heidegger. No tempo da vida são-nos dados muitos dons a acolhermos e a gerirmos. Mas não são só os dons no tempo que são dom; também o tempo é em si mesmo o é. A consciência da própria fragilidade e da própria vocação em Deus, torna acesa esta verdade: o tempo é uma dádiva de Deus; “foi-nos dado para o fazermos valer por toda a eternidade” (Luiza Andaluz).
Talvez disto nos fale, não só a parábola do trigo e do joio, mas também a do Juízo Final, do homem que realizou uma grande ceifa, do administrador desonesto, etc. “O que fizeste com o tempo que te dei? Para quê o usaste?”, pergunta Deus. Mecanizados a viver de segunda a sexta-feira para o fim-de-semana, e o dia inteiro para a hora de saída do trabalho, importa nos perguntarmos: que propósito damos ao tempo? Como usamos o tempo que nos é dado para o que verdadeiramente importa? 
Do tempo de confinamento e da consequente suspensão do tempo que a pandemia nos impôs, talvez devamos aprender a sabedoria de fazermos do tempo que nos é dado uma missão, empregando-o na abertura de nós mesmos, das nossas mãos e dos nossos bens ao serviço dos outros, rumo à eternidade – que começa já.

 

* A irmã Sandra Bartolomeu é religiosa das Servas de Nossa Senhora de Fátima.

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