A “Palavra de Deus” precisa “de todos nós”, para ser posta em prática, disse o bispo de Angra
“Homens e mulheres, jovens e crianças” convocados a pôr em prática as “palavras que salvam”, para podermos “ver a Igreja no mundo, identificada com os problemas reais das pessoas”.
O bispo de Angra D. Armando Esteves Domingues sublinhou este domingo, dia 7 de julho, no Santuário de Fátima, que a “Palavra de Deus” contida nas “leituras lidas e cantadas nas celebrações” precisa “de todos nós” para ser posta em prática.
Perante uma assembleia de peregrinos vindos de Portugal e do mundo, entre os quais os participantes na 44.ª Peregrinação a Fátima da Família Espiritana, com o lema “Orar, Repartir, Servir”, D. Armando Esteves Domingues disse: “Caros irmãos, peregrinos vindos de todas as partes, um pouco de todo o mundo. Deus acaba de nos falar, através das leituras lidas e cantadas por irmãos nossos e que todos declarámos agora mesmo conterem palavras que salvam, palavras de salvação. Precisam agora, caríssimos irmãos, de homens e mulheres, jovens e crianças, precisam de todos nós, que as saibamos acolher com o mesmo amor com que foram ditas”.
Sobre as “palavras que salvam” o bispo de Angra lançou à assembleia a pergunta retórica “De que falam?”. E respondeu: “Antes de mais, de profetas”. Mencionou então “Jesus Cristo, o grande e definitivo profeta, em quem todos somos profetas pelo batismo, incompreendido na sua Terra, entre os seus”; de “Paulo, nosso modelo, declarado fraco, mas que se orgulha das fraquezas e faz delas força, porque acredita na graça, mais do que nas suas forças”; e fixou-se “na leitura que nos fala do exemplo de Ezequiel, que na oração acolhe a voz do Espírito Santo”, que o envia “como profeta para o seu povo no exílio, na desgraça, no desânimo” para dizer “que, sem Deus, não haverá paz e justiça para todos”.
No contexto da 44.ª Peregrinação a Fátima dos Espiritanos, elementos da Congregação do Espírito Santo, família missionária fundada em 1703, há mais de 300 anos, para anunciar o Evangelho aos mais pobres, D. Armando Esteves Domingues disse: “em cada circunstância e época é o Espírito que derruba os esquemas meramente humanos e abre o homem à sua novidade”; o bispo de Angra apontou o Espírito Santo como precursor que “sempre ensinou à Igreja, aquela necessidade vital de sair, uma necessidade quase fisiológica de anunciar de não ficar fechada em si mesma”.
“Em Ezequiel, oração e missão caminham sempre juntos”, assim iniciou D. Armando Esteves Domingues um paralelismo entre a comunidade na qual viveu Ezequiel (que “acreditava que em breve tudo voltaria a ser como dantes, e deixava-se arrastar no exílio”) e os “nossos tempos”, em que “muitos cristãos olham com resignação para ambientes humanamente doentios, para comunidades amorfas, famílias e instituições em crise; que olham para a justiça, a paz, a igualdade e a liberdade, que deve ser para todos como algo que de outros depende”. O bispo de Angra focou o exemplo e o ânimo do profeta: “Ezequiel sabia que o sistema estava agonizando de maneira irrecuperável e a sociedade tinha adoecido; por isso, parte em missão, com a confiança que deve ter um profeta”. E com o olhar sobre a assembleia reunida no Recinto de Oração, D. Armando Esteves Domingues disse: “É preciso profecia, homens e mulheres capazes de tocar e curar as feridas da sociedade, fazer escola, profetas como os que, em todas as épocas, saíram do seu comodismo, por amor a Deus e aos irmãos”.
O bispo de Angra alertou que não basta repetir algumas das palavras e expressões do Papa Francisco, como “todos, todos, todos”, ou “que seja mãe de braços e portas abertas, a Igreja acolhedora”, sem a ação no sentido de se alcançar tais ideias, e sublinhou que “é preciso ver a Igreja no mundo, identificada com os problemas reais das pessoas e da sociedade, misturada com as injustiças e desigualdades, que são fruto também da sua ação ou inação e tudo fazer para que haja igualdade de direitos e deveres para todos, todos, todos”.
D. Armando Esteves Domingues desafiou a assembleia a formular questões concretas: “há saúde igual, médico de família para todos?”; “há acesso a uma justiça igual, para todos, todos, todos, pobres ou ricos?”; “há acesso igual à educação, ou continuamos ainda com escolas de ricos e pobres e regiões do país discriminadas?”; “há habitação digna, trabalho justo e bem pago, ou há exploração?”; “há proteção suficiente à família, também nos horários laborais, na defesa do domingo como dia de descanso e da família?”; “para quando, podíamos perguntar-nos hoje, o esforço sério pelo fecho das grandes superfícies ao domingo?” “Precisamos de ser profetas mobilizados”, assinalou. “Estas e outras iniciativas deveriam ser lutas proféticas de todos os cristãos para a defesa da vida, essa vida concreta do dia a dia das pessoas, das famílias e dos seus filhos”. “Precisamos de cristãos profetas em todos os lugares, que tomem posição, sejam interventivos, sobretudo onde se jogam os direitos que são de “todos, todos, todos!”. “Onde andam os profetas instituídos no batismo e na confirmação, no matrimónio e na ordem?”, questionou. Acrescentou que “Deus conta connosco como somos, gente normal e com defeitos”, lembrando, do Evangelho “a humanidade de Jesus, a normalidade da sua obra e da sua família”, assinalando ainda o seguinte paralelismo: “admiramo-nos porque no Evangelho de hoje os contemporâneos não reconheceram Cristo, mas também hoje quantas das nossas comunidades passam ao seu lado e não o reconhecem”. Para fazer face a esse status quo D. Armando Esteves Domingues sugeriu que “alarguemos os horizontes da missão”. E citou o Papa Francisco: “prefiro uma Igreja magoada, dorida e suja, porque andou pelas ruas, do que uma Igreja doente porque está confinada e agarrada à sua própria segurança. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro de tudo e que acaba presa num emaranhado de obsessões e de formalidades”.
D. Armando Esteves Domingues considerou ainda que “a Igreja não é uma elite, mas um povo, um povo a caminho, irmão, peregrino”, e mencionou a “utopia de pessoas intocáveis para a missão, já completamente formadas e santas” ou “grupos fechados a lutar pela própria santificação”, “quando ser santo sempre implicou ter o olhar de Jesus e sair para servir a todos como irmãos”.
O bispo de Angra deixou ainda uma mensagem aos missionários da Congregação do Espírito Santo: “aos nossos missionários do Espírito Santo e a toda a família espiritana, que com o coração aberto a toda a humanidade aprendem, aprenderam e continuam a ser de “todos, todos, todos”, não se preocupando em ocupar espaços ou lugares fixos, mas viverem apenas para alargar o Reino”. “Damos graças a Deus pelo seu grande trabalho ao serviço das missões, sobretudo em países de língua portuguesa, e rezemos por todos eles, padres ou leigos, consagrados ou até casados, para que nos digam com a vida que a missão nasce da oração e que o serviço começa com o repartir do que temos e somos”.
Afirmou partilhar da alegria dos missionários espiritanos “por serdes e continuardes a ser, nas dificuldades e exílios do mundo atual, ser desde a formação, uma palavra nova, pronunciada pelo Espírito Santo, para o bem dos pobres de bens e de Deus. Continuai fiéis ao vosso fundador e seus continuadores”, disse.
D. Armando Esteves Domingues terminou a homilia mencionando e citando Carlo Acutis, que em breve irá ser canonizado e que dizia “estar sempre unido a Jesus, esse é o meu projeto de vida e missão”, exemplo que o bispo de Angra exortou a que imitemos, ao dizer: “que seja também esta a nossa forma de ser profetas no mundo de hoje, no nosso mundo, com aquilo que temos e somos, e que a Mãe do Céu e Senhora de Fátima nos ensine a construir este mundo de justiça e paz, para “todos, todos, todos”; que assim seja”.
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