19 de agosto, 2024
“A Igreja cresce por atração”Irmã Sandra Bartolomeu*
Na comunicação do Papa Francisco a 5 de agosto de 2023, em Fátima, escutámos: “A pequena capela em que nos encontramos é como uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. […] Porque esta é a casa da mãe, e o coração de uma mãe está sempre aberto a todos os seus filhos. Todos, todos, todos. Sem exclusão”. Não só a Capelinha das Aparições, mas todo o espaço do Recinto de Oração do Santuário de Fátima é percecionado por aqueles que o visitam como uma igreja sem portas onde todos sem exceção podem entrar e sair livremente. Quem quer que venha, com mais ou menos fé, ou até sem fé alguma, tendo uma prática religiosa assídua, pontual ou residual, uma pertença maior ou menor à Igreja, seja qual for a sua história e as representações que tenha de Deus, entra e sai livremente. Neste lugar não há porteiro, não lhe são pedidas credenciais, não lhe é exigido nada em troca — nem que volte, nem que passe a viver de outro modo. A experiência de vir ao Santuário de Fátima oferece-se como possibilidade incondicional e livre de contacto com o transcendente. O anonimato que, na vida comum, é fator despersonalizante, na experiência do Santuário, é muitas vezes sinónimo de discrição, tornando cada um, independentemente do seu status quo, membro de um povo, peregrino e irmão de todos na consciência da própria fragilidade e na procura do rosto de Deus. Todos são filhos em busca. Diante das multidões que visitam o Santuário e das assembleias paroquiais a diminuir, alguns apresentam as suas críticas. Pode ser que, para muitos, a experiência de Fátima satisfaça uma cómoda prática cristã à la carte, acentuando o individualismo entranhado que carateriza as sociedades ocidentais do nosso século: consumidor, sem compromisso, quando quer, se quer e como quer. Mas se, por um lado, a Igreja não se constrói sem o compromisso e a participação efetiva dos cristãos, por outro, ela precisa de espaços de incondicionalidade onde experimentar gratuitamente a gratuidade da presença de Deus que se oferece. Há espaços e tempos para se ser atraído e cativado, e há espaços e tempos para exercer o compromisso. O cristão nasce não de um dever a cumprir ou de uma tradição imposta, mas da experiência de um olhar que cativa e salva. Um espaço aberto de Igreja é espaço para “deixar-se olhar” (Santa Teresa de Ávila) e ser-se cativado. Diz Hans Urs von Balthasar, falando sobre a percetibilidade de Deus e o surgimento da fé: uma mãe sorrindo para o filho obtém dele ao fim de muitas semanas um sorriso em resposta. Terá sido ela a despertar no coração do filho o amor e a criança, despertando para esse amor, desperta também para o conhecimento: as vazias expressões sem sentido passam agora a concentrar-se totalmente com sentido, centrado num “tu” (cf. H. Urs von Balthasar, Só o amor é digno de fé). Não será isto que acontece com muitos que passam pelo Santuário — um lugar onde Deus, por meio de Maria, sorriu sobre três crianças, e, nelas, sobre toda a humanidade?
* A irmã Sandra Bartolomeu é religiosa das Servas de Nossa Senhora de Fátima. |