23 de julho, 2015
A entrevista a Alfredo Teixeira Por LeopolDina Simões 23.07.2015 - Falamos sobre o Tropário para uma pastora de ovelhas mansas. Ciclo para Coro, Piano e Acordeão sobre fragmentos das memórias da Irmã Lúcia. Na qualidade de responsável pela proposta inicial que daria origem a este projeto musical, como lhe surgiu a ideia de preparar este trabalho, assim, diferente? A ideia desenvolveu-se em resposta a uma inquietação do presidente da Comissão Organizadora do Centenário das Aparições de Fátima, o padre Vítor Coutinho. Num contexto em que se discutiam algumas possibilidades de programação musical, o presidente da Comissão Organizadora do Centenário das Aparições de Fátima (COCAF) , atual vice-reitor do Santuário, perguntava se seria possível pensar uma ideia musical a partir das Memórias da Irmã Lúcia. Devo dizer que, naquele momento, o desafio me deixou entre o ceticismo e a curiosidade. Mas fiz o trabalho de casa, e logo nos dias seguintes, voltei a esse «arquivo», para o reler, em busca de uma ideia que pudesse sustentar uma narrativa musical para uma formação coral. No desenvolvimento da ideia, o piano e o acordeão surgiram como instrumentos que poderiam permitir um diálogo entre mundos sociais e simbólicos diferentes, como diversas são as relações que os crentes estabelecem com Fátima. - A inquietação do Santuário de Fátima teve também que ver, nas próprias palavras do reitor na altura em que recebeu as seis composições, com o reconhecimento de que faltavam a Fátima composições com linguagem mais contemporâneas. Tanto quanto pude perceber, no domínio das artes, o Santuário está muito empenhado em apoiar projetos que permitam uma leitura plural da narrativa de Fátima, enraizada em múltiplas contemporaneidades. O convite a criadores contemporâneos insere-se nessa linha de abertura. - Quais os critérios que colocou para a seleção das obras/trechos/extratos da Irmã Lúcia? Em que centrou a sua busca? Na mensagem? Na sonoridade? Na seleção de expressões mais/ou menos conhecidas? O guião desta obra reúne excertos de dois textos: Memórias da Irmã Lúcia, e Como vejo a Mensagem através dos tempos e dos acontecimentos. Os excertos articulam-se a partir de seis unidades temáticas: Memória, O Anjo, A Senhora, Francisco, Jacinta, Adeus. Chamei «tropo» a cada um destes momentos, evocando uma técnica literária e musical, conhecida na cultura europeia, que se pode descrever como um processo de interpolação de elementos de proveniências heterogéneas. Os textos ficaram exatamente como extraídos das obras ou receberam algumas “afinações”? Em cada sequência, a narrativa conhece interpolações diversas, mas todos os elementos textuais, incluindo os poemas criados ou recolhidos, têm origem nas fontes referidas. Em cada fragmento textual nada é acrescentado, mas, com frequência, o texto conhece a supressão de alguns constituintes frásicos, com o intuito de tornar a narrativa mais direta e concentrada no que se identificou como essencial para a expressão musical: a linguagem mística e bucólica de uma pastora vidente, que descobre no que a rodeia uma transparência sobrenatural. A partir da iniciativa de cada compositor, o processo de criação musical podia incluir ainda outros elementos textuais, com origem na memória litúrgica ou na piedade devocional cristãs. - Agora já na qualidade de responsável pela conceção e direção artística do concerto que poderemos apreciar em abril do próximo ano, como está a ser pensado o espetáculo? Em termos gerais, posso adiantar que cada um «tropos» desta sequência musical procurará uma particular relação com a arquitetura daquele templo. Nesse contexto, as pessoas podem esperar um concerto muito dinâmico, com abordagens ao texto e ao espaço muito diversificadas. - Qual a grande novidade que reconhece neste projeto musical? Coube-me a responsabilidade de convidar os compositores para este projeto um pouco invulgar. Cada um dos seis compositores trabalhou, a partir do seu idioma próprio, com independência, sobre os materiais selecionados. Mas cada uma dessas obras fará parte de um edifício maior, cuja forma final, enquanto projeto coletivo, ainda não é conhecido. Será uma surpresa para todos. Podemos dizer que se trata de um acontecimento que convoca «várias línguas» - mais à imagem do Pentecostes que da Torre de Babel, esperamos. |